Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada em junho no Brasil, falou-se muito de biodiversidade, de desmatamento, mas se ignorou a questão do esgoto e do lixo, binômio da miséria nacional. A observação foi feita pelo pesquisador Eduardo Castanho Filho, em palestra recente sobre o novo Código Florestal no Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Estimam-se que cerca de 100 milhões de brasileiros não tem acesso a tratamento de esgoto. Dados do IBGE de 2011, citados pelo Instituto Trata Brasil (http://www.tratabrasil.org.br/), ilustram esta situação escandalosa para dizer o mínimo: 55,5% dos municípios não são atendidos pelo serviço de saneamento básico; 30,5% dos municípios lançam esgoto não tratado em rios, lagos e lagoas; 2.495 municípios não possuem qualquer tipo de rede coletora de esgoto.
Agora, vejam o caso do lixo. Depois de dois anos da aprovação da Lei 12.305 que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, quase nada aconteceu de novo no país no que se refere ao fim dos lixões (e instalação de aterros sanitários), à reciclagem do lixo e ao investimento em cooperativas de catadores, de acordo com balanço apresentado no editorial “Atraso na gestão do Lixo” do jornal O Estado de S. Paulo de 29/07/2012 (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,atraso-na-gestao-do-lixo-,907403,0.htm). A nova lei prevê responsabilidade compartilhada entre governos federal, estaduais e municipais nestas ações.
Há muito, tenho formado a convicção de que uma das causas de fundo desta situação é a estrutura burocrática irracional do Estado brasileiro. Já imaginaram quantas superintendências regionais, quantos departamentos, quantos institutos, quantas autarquias, quantas empresas estatais dos três níveis de governo existem espalhados pelos municípios brasileiros? Um verdadeiro emaranhado burocrático que facilita e estimula o clientelismo, o empreguismo, a corrupção e a ineficiência!
O caso das empresas estatais de água e saneamento básico é exemplar. Cada Estado – e muitos municípios – tem a sua empresa ou autarquia. Uma verdadeira reserva de mercado que resulta em mais custos e desperdício de dinheiro público e, na ponta do consumidor, representa conta mais alta para os cidadãos e demagogia política (perdão de dívidas) para com aqueles mais pobres que não podem arcar com este débito. Não seria mais eficiente que houvesse concorrência pública para os investimentos e os serviços de água e esgoto, e que vencesse quem oferecesse as melhores condições, fosse estatal de qualquer Estado ou empresa do setor privado? Mas isto vai contra a lógica dos políticos.
Vejam o caso da histórica cidade de São João del-Rei. Possui uma autarquia de água e esgoto (DAMAE) que até hoje não implantou medidores de consumo de água – o que favorece o desperdício – e não tem tratamento de esgoto (o esgoto é jogado nos rios e córregos, poluindo as águas do município com seu potencial risco de doenças).
Existe uma corrente – ainda minoritária – que defende a gestão pública por bacias hidrográficas, diferente do emaranhado burocrático existente. A razão é bem simples: as pessoas vivem no município, e pequenos grupos de municípios localizam-se no ambiente de bacias hidrográficas de rios (exemplo é a Bacia Hidrográfica das Vertentes do Rio Grande). Todas as questões relacionadas com a vida humana poderiam ser melhor tratadas no âmbito da bacia hidrográfica, como gestão das redes de saúde e educação, conservação da estrutura viária, controle dos efeitos da indústria e da agricultura, preservação do meio ambiente, etc. É sonhar demais pensar a existência de um único órgão público gestor no âmbito da bacia hidrográfica – reunindo as diversas áreas de governo das três esferas de poder? Mais uma vez, isto vai contra a lógica dos políticos.
Mas as contradições não param aí.
O governo federal tem uma política curiosa - para não dizer danosa - no que se refere à emissão de gases tóxicos na atmosfera, que contribuem para o aumento insuportável da poluição principalmente nos aglomerados urbanos. Em nome do combate à inflação, mantêm-se os preços da gasolina achatados e, em nome do estímulo ao crescimento econômico, estimula-se a aquisição e troca de veículos. O resultado é a maior emissão de gases poluentes (de efeito estufa) e o desestímulo ao uso de etanol (menos poluente). Inclusive, esta é uma das razões do aumento brutal nas importações de gasolina e da crise de oferta de etanol, ainda que neste último caso o setor tenha sido afetado pela crise econômico-financeira mundial. Sem falar que tal política compromete o caixa da Petrobras inclusive nos investimentos em energia alternativa como biocombustíveis. Aliás, falta ao governo um programa consistente de energias renováveis, como existe, por exemplo, nos Estados Unidos.
Para agravar ainda mais a situação, existe em plena Amazônia – cuja floresta é denominada “pulmão do mundo” – uma combinação catastrófica de incêndios, desmatamentos e geração de energia por meio de usinas movidas a óleo diesel.
Por fim, a questão da água. Os governos perdem uma grande oportunidade de estimular a conservação e a “produção” de água, ao ignorar programas exemplares como o do município de Extrema (MG). A iniciativa, pioneira no Brasil, teve início em 2005 com o objetivo de incentivar o produtor rural a produzir e conservar água, recebendo um valor mensal por esse serviço, o que constitui acréscimo aos seus rendimentos. Trata-se de uma compensação econômica ao agricultor pela preservação de nascentes, matas ciliares e mananciais. “O pagamento por serviços ambientais (PSA) é uma nova forma de gestão dos recursos hídricos, com absoluto sucesso na garantia de práticas conservacionistas e melhora na produção de água”, define o biólogo Paulo Henrique Pereira, do Departamento de Meio Ambiente da prefeitura.
O programa foi criado por lei municipal e as fontes de financiamento são o próprio município, convênio com o Governo do Estado de Minas Gerais (período 2008/11) e, atualmente, recursos da cobrança pelo uso da água (Comitê de Bacias Hidrográficas). Embora louvável, a iniciativa ainda tem pouquíssimos seguidores como os municípios de Apucarana (PR) e de São Bento do Sul (SC).
Ainda, nesse sentido, outra medida que carece de políticas públicas é o estímulo a ações de reaproveitamento da água tanto no âmbito doméstico quanto no empresarial.
Contradições da questão ambiental
30 de Julho de 2012, por José Venâncio de Resende