Voltar a todos os posts

Na Ilha Santa Maria, Açores, onde tudo começou

16 de Fevereiro de 2013, por José Venâncio de Resende

Último dia de carnaval nos Açores, mais precisamente em Ponta Delgada, Ilha São Miguel, onde cheguei na terça-feira, 12. Na viagem, comecei a ler o romance “A saga do marrano”, que conta a história de um judeu cristão-novo cujo pai, o médico Diego Ñunes da Silva, fugiu para a América espanhola para escapar da perseguição religiosa, mas acabou preso e condenado pelo tribunal implacável da inquisição. 

Qual não foi surpresa quando, ao sair para almoçar, depois de descansar da longa viagem, passei por uma rua cujo nome é Antonio Joaquim Nunes da Silva. Mera coincidência? Nem tanto, a considerar que os historiadores identificaram a presença de judeus e mouros na colonização dos Açores, entre os séculos XIV e XV. Mas esta é uma longa história.

A caminho do almoço, no feriado de carnaval, vi uma cena curiosa. Na avenida principal, à beira mar, dois jovens descarregavam de um carro uma carga estranha: inúmeros saquinhos de água, os quais a princípio cheguei a pensar que fossem de gelo. Passado o almoço, o movimento da avenida já era grande. E começava a guerra dos saquinhos de água, muitos inclusive coloridos.

Daí pra frente, a aglomeração de gente aumentava, carros continuavam a chegar com saquinhos e saquinhos de água e começava o desfile de carros alegóricos – na verdade, grandes caminhões com faixas e patrocínios nas laterais carregados de jovens – que ao se cruzarem na avenida davam seqüência à guerra da água, sobrando quase sempre para os populares que se concentravam na avenida.  

Já noite, quando passei pela avenida para tomar lanche, vi o cenário devastado da guerra que sobrou do carnaval açoriano: a avenida coberta de saquinhos estourados de água e os homens da limpeza se esmerando ao máximo para deixar tudo ordem.

Mas a guerra dos saquinhos não mostrava os sinais da crise européia, e portuguesa em particular, que apareciam nos pequenos detalhes. Ou era uma associação de apoio aos consumidores que pedia contribuições aos que passavam pela rua, em frente à sua sede. Ou, em outra rua, um restaurante fechado que trazia um cartaz na porta: “Procuram-se clientes”. 

Na quarta, 13, antes de prosseguir minha viagem rumo à ilha-mãe, Santa Maria, fiz um contato-chave com o historiador José de Almeida Mello, que trabalha na Biblioteca Municipal Ernesto do Canto e lidera a Associação Cultural Amigos da Sinagoga de Ponta Delgada. Fui informado por ele que os principais arquivos das famílias tradicionais dos Açores estão concentrados na Biblioteca Pública e Arquivo Regional em Ponta Delgada. Uma pista importante para futuras pesquisas. Mello contou também que os arquivos da mais antiga sinagoga dos Açores, certamente fonte de valiosas informações, estão sendo restaurados para no futuro serem disponibilizados ao público.

Vila do Porto

As informações de Mello, de certa maneira, me frustraram, pois planejei ficar mais tempo na Vila do Porto, Ilha Santa Maria, “onde tudo começou”. Sabem como é: reserva antecipada de hotel, de vôo etc. Hoje, faria o inverso, ou seja, ficaria mais dias na Ponta Delgada.

De qualquer forma, a visita à Vila do Porto foi interessante em vários aspectos. Conheci a porta de entrada dos portugueses do continente nos Açores, no século XV (por volta de 1420). Além dos Resendes, descobri que na ilha existem famílias do nosso convívio, como os Chaves e os Monteiro. Outros aspectos interessantes que nos são familiares estão na arquitetura e no artesanato, que pretendo explorar na reportagem sobre a viagem.

Não poderia deixar de agradecer ao casal José e Paula Melo – ela brasileira – pelo agradável, embora curto, convívio, e pelo apoio, incentivo e ensinamentos sobre a cultura e na história locais. José de Andrade Melo – nenhuma relação com o historiador - é professor do ensino básico e de educação ambiental na Vila do Porto.  

Por fim, esta viagem é para mim um divisor de águas na medida em que reforça meu interesse por um tema muito mais próximo de nós do que imaginamos. Trata-se de ler e pesquisar sobre a influência dos judeus cristãos novos na cultura mineira e brasileira, talvez uma das minhas atividades na aposentadoria que bate às portas.  

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário