Chamou minha atenção um comentário contundente, no “Jornal das 8” da TVI, nesta segunda-feira (29), do jornalista Miguel Sousa Tavares sobre a situação dramática para o setor do turismo em Portugal por causa da Covid-19. Se alguém acha que as coisas vão voltar a ser iguais rapidamente, que vamos ter o mesmo número de gente a viajar de avião, com a mesma tranquilidade e a mesma aposta no turismo de massas está errado.
Tavares referiu-se a um estudo recente do Ministério da Economia que indica que a aposta no turismo de massas é uma aposta errada para depois reiterar que devemos ir para uma aposta num turismo mais especializado. Não vamos voltar a ter 25 mil milhões de turistas e ainda bem que não vamos porque não é sustentável.
De fato, é uma cena chocante a frota de aviões da TAP parada no aeroporto de Lisboa. A pandemia surgiu quando a empresa ganhava musculatura (mais investimentos em novos aviões, funcionários e rotas de voos, inclusive para os Estados Unidos), sob a liderança do empresário do setor aéreo David Neelman, fundador da Azul Linhas Aéreas Brasileiras um dos donos da TAP Air Portugal através do consórcio Agrupamento Gateway.
De repente, o castelo desmoronou. O empresário e o governo português discutem nesse momento aumento de capital para a empresa voltar a funcionar ou, no pior dos cenários, a possibilidade de nacionalização da TAP, que assim voltaria a ser uma empresa modesta em termos de frota, pessoal e rotas.
Tudo indica que o vírus acabou por fazer o “trabalho sujo”, como dizemos no Brasil. Em Portugal, já se percebia um certo desconforto com a crescente dependência da economia ao turismo de massa. O turismo de massas é vulnerável, é vulnerável a uma pandemia, a um atentado, um terramoto... de repente, a galinha dos ovos de ouro desaparece, conclui o jornalista Miguel Sousa Tavares.
A vez da indústria
Na mesma altura da declaração de Tavares, uma reportagem do Jornal Econômico, assinada por Lígia Simões, mostra a opinião de economistas sobre a oportunidade gerada pela pandemia de rever os rumos da economia portuguesa, que “estava em expansão com um perfil muito dependente do turismo e imobiliário, cuja recuperação vai depender de muitos factores como a confiança e a forma como vai evoluir a doença Covid-19”.
Os economistas ouvidos pelo jornal defendem o ponto de vista de que a crise é uma oportunidade para reforçar a indústria europeia, no seio da qual a indústria portuguesa poderá crescer. A ideia seria aproveitar os “recursos endógenos” (floresta, mar, agricultura, energias renováveis) e atrair IDE (investimento direto estrangeiro) industrial de maneira a diversificar a economia portuguesa, com foco em áreas como agroalimentar, produtos químicos, máquinas e aparelhos. “As transformações digitais, a economia circular ou a economia do conhecimento são também sinalizadas para Portugal poder responder à procura diversificada dos mercados.”
O presidente (bastonário) da Ordem dos Economistas, Rui Leão Martinho, enfatiza a oportunidade da crise para reforçar a indústria nacional. “A presente crise pode ser uma boa oportunidade para, com os fundos que serão postos à disposição das empresas, não só reforçar a indústria existente, mas proceder a um processo de reindustrialização, alterando as cadeias de produção, dando preferência à produção mais perto do mercado, numa rota de maior desenvolvimento, inovação e criatividade.” Ele ressalta que o plano deve ter na base “uma aposta estratégica que crie uma nova competitividade assente na inovação, na talentosa produtividade, na internacionalização e nas redes globais”.
Esta discussão está inserida no contexto de que a crise atual “terá servido para se perceber melhor que a Europa não pode depender tanto das importações. E que terá de aceitar passar a comprar alguns produtos europeus mais caros do que se fossem asiáticos”, como observa Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade.
Esta crise pode ser uma oportunidade para reforçar a indústria nacional, de acordo com o economista Joaquim Sarmento. A ideia seria aproveitar os recursos do Fundo de Recuperação proposto por Bruxelas, estimado em 750 bilhões de euros (entre subvenções e empréstimos), dos quais Portugal poderá ter acesso a cerca de 26 bilhões de euros. Para ele, “é possível que esta crise traga algumas alterações estruturais nas cadeias de valor a nível global. Se isso suceder, temos de saber captar algumas oportunidades. Principalmente se a nova realidade for uma maior integração Europa-América do Norte, a nossa localização torna-se privilegiada”.
Observem que o economista fala em América do Norte, não fala em Brasil. É neste contexto que se insere a entrevista do embaixador brasileiro em Lisboa, Carlos Alberto Simas Magalhães, ao mesmo Jornal Econômico (28/06), na qual ele diz que Portugal pode ser a porta de entrada de produtos brasileiros na Europa. Mais do que porta de entrada, falta é uma parceria estratégica em que ganham os dois países. È mais do que simples comércio, é também e sobretudo investir em cadeias de produção, em atividades complementares.
As dificuldades para a conclusão do acordo entre Europa e Mercosul devem aumentar com o exacerbamento do protecionismo gerado pela pandemia e de uma nova visão estratégica da União Europeia. Assim, há que se pensar em formas criativas de parcerias.
Portugal tem potencial imenso em áreas inovadoras como a produção de energias renováveis (solar, eólica etc.) para exportar para outros países europeus. Esta geração de energia poderia dar-se a partir de investimentos em plataformas oceânicas flutuantes de energia eólica, solar e das ondas no mar territorial português (é bom lembrar que mais de 90% do “território” português é mar). Está aí uma parceria interessante.
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