“Nós somos parlamentaristas”, disse, numa rápida conversa com este repórter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final de sua palestra em Lisboa no dia 9 de Julho. No entanto, FHC desaconselhou a discussão e aprovação da proposta de afogadilho, principalmente na situação política atual do Brasil. Ao responder a pergunta “O senhor acha oportuno discutir o parlamentarismo no Brasil, neste momento, como quer o presidente da Câmara dos Deputados?”, FHC disse que este assunto precisa ser bastante debatido, lembrando ainda que tem de ser submetido a plebiscito.
Ironicamente, foi um plebiscito, convocado pelo então presidente João Goulart, que, em 1963, derrubou a única experiência de parlamentarismo durante a República brasileira. Aliás, Resende Costa foi a única cidade do Brasil onde o parlamentarismo venceu o presidencialismo naquele plebiscito.
O regime parlamentarista foi implantado em 1961 para solucionar o impasse criado com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Foi a saída encontrada para dar posse a João Goulart, que enfrentava resistência de setores políticos e militares, por suas ligações com o sindicalismo e a esquerda.
Portanto, foi uma solução casuística que não deu certo principalmente por causa da tradição republicana de poder centralizado na Presidência e de primeiro-ministro indicado pelo presidente (o ideal é que fosse eleito para o cargo). O resultado foi a ocorrência de uma crise atrás da outra. Habilmente, Jango conseguiu o apoio de partidos e dos militares para antecipar o plebiscito previsto para 1965. Assim, em 6 de Janeiro de 1963, foi restabelecido o presidencialismo.
Nova tentativa ocorreu em 1993 quando um plebiscito foi convocado com base na Constituição de 1988 que, embora presidencialista, trazia muitos traços do parlamentarismo. Mais uma vez, venceu o presidencialismo.
Atualmente, a crise de governabilidade - que tornou a presidente refém de sua base de sustentação no Congresso e das denúncias de corrupção da Operação Lava Jato – e o fracasso – senão o retrocesso - da reforma política que tramita na Câmara dos Deputados tem tudo para inviabilizar a implantação do regime parlamentarista. Principalmente se levarmos em conta o caótico sistema eleitoral (políticos são eleitos sem quaisquer compromissos com uma determinada base eleitoral) e o número exagerado de partidos políticos (28, caminhando para mais de 30).
Em resumo, é difícil imaginar a implantação do parlamentarismo no Brasil sem uma reforma política séria, com a adoção do voto distrital (ainda que misto), por exemplo.
FHC em Lisboa
Durante a palestra “Os desafios atuais do Brasil”, no dia 9 de Julho no auditório da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, o ex-presidente FHC, fez um amplo balanço político e econômico do Brasil nos últimos séculos. Foi uma fala serena e cautelosa, para um auditório lotado de portugueses e brasileiros, na qual evitou entrar em detalhes sobre a delicada situação política enfrentada pelo atual governo.
Destaco aqui alguns pontos da palestra que considero importantes.
- FHC considera-se de uma geração cuja paixão era romper as amarras do subdesenvolvimento, que o ex-presidente resume no binômio desenvolvimento e democracia.
- O Brasil conseguiu, com a ajuda da imigração tanto externa quanto interna, criar uma economia agrária poderosa paralelamente a uma importante indústria manufatureira.
- O Brasil sempre foi relativamente integrado ao mercado internacional, mas esta economia aparentemente pujante sofria de carência de capital, daí o endividamento externo e a elevada inflação.
- A virtude do Plano Real, que acabou com a hiperinflação, foi a de ter sido implantado na democracia, sem “surpresas tecnocráticas” e por meio do convencimento da opinião pública – isto abriu caminho para que o Brasil explodisse no começo do século 21 e ganhasse “auto-confiança”.
- O marco do Brasil atual é a Constituição de 1988, pelos direitos que garantiu aos cidadãos; isto apesar de ter criado “algumas travas”, alguns problemas, até porque foi feita um ano antes da queda do muro de Berlim.
-No Brasil, um presidente sofreu impeachment e não aconteceu nada de anormal – não se fala mais em golpe militar; houve mudança cultural também das Forças Armadas.
- No início do governo Lula, a base da economia foi mantida (responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio variável) e houve avanço na área social (programas sociais foram consolidados e ampliados).
- Na crise mundial de 2007, a reação do governo brasileiro foi anticíclica (crédito fácil e estímulo ao consumo), criando a ilusão de que mais intervenção resolveria tudo – as consequências vieram depois, com o desequilíbrio das contas públicas e a inflação.
- O grande crescimento a partir de 2004 deveu-se à expansão da China; agora, com a queda nos preços das commodities (matérias-primas ou produtos básicos) e a desaceleração da China, o Brasil terá de tomar decisões complexas na área econômica.
- O Brasil é fruto do capitalismo comercial, mas hoje o que prevalece é o capitalismo financeiro - o governo tem dificuldades em se posicionar diante desse mundo globalizado e em crise.
- O futuro do Brasil depende não apenas do mercado interno mas também dos fluxos de inovação dentro das cadeias globalizadas. O desafio é como produzir para o mercado interno e ao mesmo tempo integrar as cadeias globalizadas. A Embraer, por exemplo, está integrada nas cadeias globais e produz para o mundo; segmentos do setor de calçados já criam design no Brasil, produzem na China e exportam para os Estados Unidos.
- Os brasileiros sentiram o gosto de uma possível sociedade de bem estar social – melhorou, por exemplo, o acesso à escola. Mas as demonstrações de rua e a intensa participação nas redes sociais mostram que as pessoas querem mais coisas básicas.
- “No meu tempo, era presidencialismo de coalizão que se transformou em presidencialismo de cooptação. Governei com três partidos e eu nomeei os ministros, não os partidos. Hoje temos 28 partidos e 39 ministérios. É difícil governar nessas condições.”
- O Brasil tem fundos partidário e sindical – quer dizer, partidos e sindicatos vivem do governo. Não se consegue fazer reformas - “A Câmara acaba de perder a oportunidade de fazer a reforma política”.
- O Supremo Tribunal Federal não aceita a cláusula de barreiras (para limitar a criação de partidos); a sociedade está ligada à internet, acompanha e critica tudo e todos; o partido do governo está dividido; a presidente Dilma não é afeita a negociações políticas; somem-se a isso as acusações de todo tipo, de “deslizes organizados” envolvendo partidos.
- “ O Congresso tem conseguido administrar situações muito delicadas. A nossa rica experiência deve nos ajudar a avançar. É possível continuar a nossa marcha.”
Respondendo perguntas da plateia:
- Sobre as taxas de juros: Política econômica e monetária é sempre questão de gestão e dosagem (taxas reais de 6% desestimulam investimento e aumentam a dívida pública).
- Sobre educação: O desafio é qualitativo – é preciso fazer com que os alunos se interessem pela escola (“esta readaptação do ensino é muito complicada”); tem de melhorar a gestão do ensino público e valorizar os professores (salário, treinamento etc.); o Brasil precisa de inovação, mas para isso precisa vencer a burocracia.
- Sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Quando eu era líder do PSDB no Senado e o Ulisses Guimarães, líder do PMDB na Câmara, tínhamos dúvidas sobre o impeachment de Collor e tínhamos receio de golpe militar… até a entrevista do irmão dele”. Por isso, FHC considerou que não se deva falar “com muita ligeireza” sobre o impeachment de Dilma – “O melhor para o Brasil é que as instituições funcionem normalmente”.
- Sobre a política de combate a drogas: Elogiou o avanço de Portugal nesta área – “Colocar usuário de drogas na cadeia é um erro, principalmente nas condições das cadeias brasileiras”; o traficante, este sim, precisa ser combatido.
- Sobre corrupção: “Hoje, passamos da corrupção tradicional (má conduta individual) para a grande corrupção que envolve o financiamento de partidos; existe a organização quase formal da corrupção envolvendo tesoureiro de partido. Isso está regando a horta de vários partidos E não se discute como reduzir custos de campanhas. As pessoas clamam por justiceiros, mas tudo tem de ser feito dentro da lei”.
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