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Parlamentarismo: cuidado para não repetir a experiência fracassada dos anos 1960!

11 de Julho de 2015, por José Venâncio de Resende

Em Lisboa, FHC falou sobre os "Desafios atuais do Brasil"

“Nós somos parlamentaristas”, disse, numa rápida conversa com este repórter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final de sua palestra em Lisboa no dia 9 de Julho. No entanto, FHC desaconselhou a discussão e aprovação da proposta de afogadilho, principalmente na situação política atual do Brasil. Ao responder a pergunta “O senhor acha oportuno discutir o parlamentarismo no Brasil, neste momento, como quer o presidente da Câmara dos Deputados?”, FHC disse que este assunto precisa ser bastante debatido, lembrando ainda que tem de ser submetido a plebiscito.

Ironicamente, foi um plebiscito, convocado pelo então presidente João Goulart, que, em 1963, derrubou a única experiência de parlamentarismo durante a República brasileira. Aliás, Resende Costa foi a única cidade do Brasil onde o parlamentarismo venceu o presidencialismo naquele plebiscito.

O regime parlamentarista foi implantado em 1961 para solucionar o impasse criado com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Foi a saída encontrada para dar posse a João Goulart, que enfrentava resistência de setores políticos e militares, por suas ligações com o sindicalismo e a esquerda.

Portanto, foi uma solução casuística que não deu certo principalmente por causa da tradição republicana de poder centralizado na Presidência e de primeiro-ministro indicado pelo presidente (o ideal é que fosse eleito para o cargo). O resultado foi a ocorrência de uma crise atrás da outra. Habilmente, Jango conseguiu o apoio de partidos e dos militares para antecipar o plebiscito previsto para 1965. Assim, em 6 de Janeiro de 1963, foi restabelecido o presidencialismo.

Nova tentativa ocorreu em 1993 quando um plebiscito foi convocado com base na Constituição de 1988 que, embora presidencialista, trazia muitos traços do parlamentarismo. Mais uma vez, venceu o presidencialismo.

Atualmente, a crise de governabilidade - que tornou a presidente refém de sua base de sustentação no Congresso e das denúncias de corrupção da Operação Lava Jato – e o fracasso – senão o retrocesso - da reforma política que tramita na Câmara dos Deputados tem tudo para inviabilizar a implantação do regime parlamentarista. Principalmente se levarmos em conta o caótico sistema eleitoral (políticos são eleitos sem quaisquer compromissos com uma determinada base eleitoral) e o número exagerado de partidos políticos (28, caminhando para mais de 30).

Em resumo, é difícil imaginar a implantação do parlamentarismo no Brasil sem uma reforma política séria, com a adoção do voto distrital (ainda que misto), por exemplo.

FHC em Lisboa

Durante a palestra “Os desafios atuais do Brasil”, no dia 9 de Julho no auditório da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, o ex-presidente FHC, fez um amplo balanço político e econômico do Brasil nos últimos séculos. Foi uma fala serena e cautelosa, para um auditório lotado de portugueses e brasileiros, na qual evitou entrar em detalhes sobre a delicada situação política enfrentada pelo atual governo.

Destaco aqui alguns pontos da palestra que considero importantes.

- FHC considera-se de uma geração cuja paixão era romper as amarras do subdesenvolvimento, que o ex-presidente resume no binômio desenvolvimento e democracia.

- O Brasil conseguiu, com a ajuda da imigração tanto externa quanto interna, criar uma economia agrária poderosa paralelamente a uma importante indústria manufatureira.

- O Brasil sempre foi relativamente integrado ao mercado internacional, mas esta economia aparentemente pujante sofria de carência de capital, daí o endividamento externo e a elevada inflação.

- A virtude do Plano Real, que acabou com a hiperinflação, foi a de ter sido implantado na democracia, sem “surpresas tecnocráticas” e por meio do convencimento da opinião pública – isto abriu caminho para que o Brasil explodisse no começo do século 21 e ganhasse “auto-confiança”.

- O marco do Brasil atual é a Constituição de 1988, pelos direitos que garantiu aos cidadãos; isto apesar de ter criado “algumas travas”, alguns problemas, até porque foi feita um ano antes da queda do muro de Berlim.

-No Brasil, um presidente sofreu impeachment e não aconteceu nada de anormal – não se fala mais em golpe militar; houve mudança cultural também das Forças Armadas.

- No início do governo Lula, a base da economia foi mantida (responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio variável) e houve avanço na área social (programas sociais foram consolidados e ampliados).

- Na crise mundial de 2007, a reação do governo brasileiro foi anticíclica (crédito fácil e estímulo ao consumo), criando a ilusão de que mais intervenção resolveria tudo – as consequências vieram depois, com o desequilíbrio das contas públicas e a inflação.

- O grande crescimento a partir de 2004 deveu-se à expansão da China; agora, com a queda nos preços das commodities (matérias-primas ou produtos básicos) e a desaceleração da China, o Brasil terá de tomar decisões complexas na área econômica.

- O Brasil é fruto do capitalismo comercial, mas hoje o que prevalece é o capitalismo financeiro - o governo tem dificuldades em se posicionar diante desse mundo globalizado e em crise.

- O futuro do Brasil depende não apenas do mercado interno mas também dos fluxos de inovação dentro das cadeias globalizadas. O desafio é como produzir para o mercado interno e ao mesmo tempo integrar as cadeias globalizadas. A Embraer, por exemplo, está integrada nas cadeias globais e produz para o mundo; segmentos do setor de calçados já criam design no Brasil, produzem na China e exportam para os Estados Unidos.

- Os brasileiros sentiram o gosto de uma possível sociedade de bem estar social – melhorou, por exemplo, o acesso à escola. Mas as demonstrações de rua e a intensa participação nas redes sociais mostram que as pessoas querem mais coisas básicas.

- “No meu tempo, era presidencialismo de coalizão que se transformou em presidencialismo de cooptação. Governei com três partidos e eu nomeei os ministros, não os partidos. Hoje temos 28 partidos e 39 ministérios. É difícil governar nessas condições.”

- O Brasil tem fundos partidário e sindical – quer dizer, partidos e sindicatos vivem do governo. Não se consegue fazer reformas - “A Câmara acaba de perder a oportunidade de fazer a reforma política”.

- O Supremo Tribunal Federal não aceita a cláusula de barreiras (para limitar a criação de partidos); a sociedade está ligada à internet, acompanha e critica tudo e todos; o partido do governo está dividido; a presidente Dilma não é afeita a negociações políticas; somem-se a isso as acusações de todo tipo, de “deslizes organizados” envolvendo partidos.

- “ O Congresso tem conseguido administrar situações muito delicadas. A nossa rica experiência deve nos ajudar a avançar. É possível continuar a nossa marcha.”

Respondendo     perguntas da plateia:

- Sobre as taxas de juros: Política econômica e monetária é  sempre questão de gestão e dosagem (taxas reais de 6% desestimulam investimento e aumentam a dívida pública).

- Sobre educação: O desafio é qualitativo – é preciso fazer com que os alunos se interessem pela escola (“esta readaptação do ensino é muito complicada”); tem de melhorar a gestão do ensino público e valorizar os professores (salário, treinamento etc.); o Brasil precisa de inovação, mas para isso precisa vencer a burocracia.

- Sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Quando eu era líder do PSDB no Senado e o Ulisses Guimarães, líder do PMDB na Câmara, tínhamos dúvidas sobre o impeachment de Collor e tínhamos receio de golpe militar… até a entrevista do irmão dele”. Por isso, FHC considerou que não se deva falar “com muita ligeireza” sobre o impeachment de Dilma – “O melhor para o Brasil é que as instituições funcionem normalmente”.

- Sobre a política de combate a drogas: Elogiou o avanço de Portugal nesta área – “Colocar usuário de drogas na cadeia é um erro, principalmente nas condições das cadeias brasileiras”; o traficante, este sim, precisa ser combatido.

- Sobre corrupção: “Hoje, passamos da corrupção tradicional (má conduta individual) para a grande corrupção que envolve o financiamento de partidos; existe a organização quase formal da corrupção envolvendo tesoureiro de partido. Isso está regando a horta de vários partidos E não se discute como reduzir custos de campanhas. As pessoas clamam por justiceiros, mas tudo tem de ser feito dentro da lei”. 

LINK RELACIONALDO:

Reforma política: a experiência europeia

http://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/abrindo-novos-caminhos/reforma-politica-a-experiencia-europeia-/786



     

 
 
 

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