O site do Jornal das Lajes está publicando uma reportagem sobre o Parlamento Europeu (PE), que tem sede em Bruxelas (Bélgica) (http://www.jornaldaslajes.com.br/integra.php?i=1476). Alguém poderá perguntar o que nós, brasileiros, temos a ver com isso.
Tudo a ver. Afinal, o PE discute temas da atualidade, como alternativas energéticas menos poluidoras e agricultura biológica, que extrapolam as suas fronteiras. Mas sobretudo pode influir nos rumos da economia europeia, um invejável mercado de 500 milhões de pessoas com um poder aquisitivo relativamente elevado que precisa sair do marasmo em que atualmente está metido.
Estive recentemente no PE onde conversei com os eurodeputados portugueses Carlos Zorrinho e Francisco de Assis Miranda sobre o papel do Parlamento Europeu e as ideias e propostas para a nova legislatura que teve início neste Outono no hemisfério norte. Percebi nos dois parlamentares um interesse – e mesmo um entusiasmo – muito grande nas questões relativas ao Brasil e à América Latina.
Tanto que já estão engajados nas discussões sobre o acordo de livre comércio Europa-Mercosul, que está travado por questões internas ao Mercosul mas também por pendências em áreas sensíveis aos europeus como a agricultura. Da mesma forma, os dois eurodeputados são membros da delegação Europa-Brasil que acaba de ser criada. Embora sejam delegações de natureza diferente, suspeito que a nova delegação relacionada com o Brasil será um instrumento importante para fazer deslanchar o acordo com o Mercosul. Isto, evidentemente, se o governo brasileiro ajudar.
Em artigo* publicado recentemente, Fabiano Augusto Araújo e Grazielle Araújo Lellis, da PUC Minas, analisam as causas pelas quais o Acordo de Livre Comércio entre União Europeia e Mercosul demonstra dificuldade em se concretizar e quais os principais incentivos e empecilhos para sua realização.
Entre os pontos de impasse do acordo, os autores citam a resistência da Argentina na abertura (mínima) de 90% das economias do Mercosul para os produtos europeus, através de redução tarifária, uma vez que Brasil, Paraguai e Uruguai já esboçaram convergência nesse quesito.
No caso do Brasil, a UE reclama da prática de medidas compensatórias anticoncorrenciais. “Em relatório anual de 2013, a UE expressou sua preocupação sobre impedimentos ao comércio, que se traduzem em dificuldades no relacionamento comercial com Brasil e com outros membros do MERCOSUL, como a Argentina.” Os impedimentos referem-se principalmente ao setor têxtil, com regulamentações alfandegárias mais rígidas, e ao setor automobilístico, onde se identificou o aumento na tributação. Já o Mercosul alega que a UE apresenta um setor agrícola bastante fechado, devido à sua Política Agrícola Comum (PAC).
Em Março deste ano, nova rodada de negociações em Bruxelas buscou retomar o diálogo, estagnado desde 2010, num esforço político para estabelecer o acordo. “A cúpula de negociação de Bruxelas teve como principal objetivo definir claramente as especificações do tratado comercial (NETTO, 2014). Porém, não ocorreu qualquer apontamento nítido entre ambas as partes a respeito das definições do acordo, tão pouco o estabelecimento de prazos para que o mesmo venha de fato a acontecer, apesar de, formalmente, os atores em questão expressarem interesse no acordo.”
Daí a importância do papel dos eurodeputados interessados neste tema. Carlos Zorrinho e Francisco de Assis estão convencidos de que o acordo comercial com o Mercosul será bom para as duas partes, na medida em que pode ampliar substancialmente os negócios.
Mas é evidente que, para isso, o próximo governo brasileiro precisa rever a política comercial restritiva e tacanha que prevaleceu nos últimos anos. Afinal, exportar mais para a Europa (e também para os Estados Unidos) significa não apenas maior volume mas também produtos de maior valor. E como o que importa é o fluxo de comércio - via de dupla mão - quanto maior o volume de negócios, melhor para todo mundo.
A outra face do papel do PE está em superar obstáculos políticos para desatar o nó do crescimento europeu. Está em jogo não apenas o futuro, mas sobretudo o presente da Europa. Quer dizer, o novo presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, indicado pelo Parlamento Europeu, tem pela frente a difícil missão de combinar a austeridade fiscal (corte de despesas) como precondição para o crescimento sustentável – defendida por países liderados pela Alemanha – com a necessidade urgente de liberação de recursos para investimentos – proposta de França e Itália, por exemplo - que poderia colocar a economia em movimento.
E Juncker terá de contar com a pressão política dos seus pares, no PE, para vencer a resistência dos governantes que defendem a austeridade fiscal, sem prazo para terminar, na crença de que seja o remédio para todos os males. Afinal, se a Europa volta a crescer, aumentam os empregos e o poder de compra dos seus cidadãos. Isto tem impacto não apenas na produção da própria zona do euro como também nas importações de outros países como o Brasil.
*MERCOSUL-União Europeia: impasses, incentivos e viabilidade de um Acordo birregional - Disponível em: http://pucminasconjuntura.wordpress.com/2014/09/01/mercosul-uniao-europeia-impasses-incentivos-e-viabilidade-de-um-acordo-birregional/