Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer que “o barato sai caro”? No entanto, acabamos por não resistir a uma boa oferta, recusando a desconfiar de que “quando a esmola é muita o santo desconfia”.
No final de 2014, aderi a uma oferta irresistível da Air Europa e comprei um bilhete de ida e volta entre São Paulo e Lisboa, via Madri. Na ida, em Abril deste ano, não tive quaisquer problemas que não fossem os inconvenientes de uma conexão (por exemplo, atravessar a pé e a passos largos o aeroporto de Madri Adolfo Suárez um terminal a outro, a tempo do próximo embarque, sem nenhum funcionário da companhia para dar orientação).
Na ocasião, conheci uma senhora mineira que voltava a Portugal para acertar sua documentação de imigrante, uma vez que morara muitos anos em Lisboa e pretendia fixar residência naquela cidade. Lembro-me do comentário dela, referindo-se a ter passado mal após a refeição de bordo.
Marquei meu retorno para 2 de Dezembro, imaginando passar meu aniversário tranquilamente por aqui. No aeroporto de Lisboa, enquanto aguardávamos o embarque (voo das 20h10), começaram os maus presságios.
Conheci um jovem casal, acompanhado de filhos pequenos e dos sogros do rapaz, voltando ao Brasil de uma viagem turística pela Europa. Ouvi do rapaz o comentário de que tivera problema com a Air Europa na ida. A empresa cancelara, sem mais nem menos, um voo - depois de atrasar o embarque por mais de três horas - e mandara todo mundo para o hotel. Ele suspeitava que seria uma tática para encher o avião.
Mas como ele conhecia as regras do jogo brigou com os funcionários da empresa, alegando que tinha a viagem toda programada, além das crianças pequenas. Ganhou no grito - perceberam que ele estava bem informado – e foi embarcado em outro voo enquanto os demais passageiros eram encaminhados para o hotel.
A aeronave deixou Lisboa, chegamos a Madrid no horário programado (22h10).
Ao deixar o avião no terminal 2, fomos avisados de que um funcionário estaria nos aguardando na “sala 6” para nos levar ao terminal 1, local do voo que estava programado para as 23h05. Depois de boa caminhada, seguindo os painéis de informação, os passageiros iam chegando gradativamente ao referido local. Uma funcionária indicava um colega com um cartaz de papel improvisado onde se lia “São Paulo”.
Formado o primeiro grupo, saímos atrás do funcionário em direção ao terminal 1, sempre a pé e a passos largos. Ao chegar ao destino, fomos surpreendidos com um ônibus diferente daqueles usados internamente nos aeroportos.
Simplesmente fomos “empurrados” para dentro do primeiro ônibus (havia dois encostados) sem quaisquer tipos de explicação. A partir deste momento, estávamos “abandonados”, deixados nas mãos do motorista de uma empresa terceirizada. No interior do ônibus, começamos a ouvir comentários, cada vez mais intensos, de que o voo fora cancelado (ou adiado?) e estávamos sendo encaminhados para o hotel.
Ao meu lado no ônibus, encontrava-se um jovem cozinheiro brasileiro que voltava do Algarves – disse ter comprado o bilhete numa agência da Abreu no shopping de Faro (http://www.abreu.pt/Faro-92.aspx) -, onde estivera trabalhando alguns meses deste ano. Muito preocupado, sem saber de nada do que estava acontecendo.
É incrível observar como as informações não são transmitidas de maneira clara – sempre são vagas e nada informativas. É incrível observar como, de repente, desaparecem todos os funcionários da companhia, entram em cena o motorista do ônibus, os funcionários do hotel que nunca sabem de nada… Um ambiente de muita desinformação, de muito estresse, de muita tensão…
Já não foi tanta a surpresa quando fomos deixados, alguns minutos depois, na portaria do hotel Trip. Uma fila imensa se formou para fazer o check-in. Tiravam cópia do passaporte e nos davam o número do quarto.
Começamos a perceber que havia gente de outros destinos, todos reunidos ali no hotel. Alguns passavam pela fila do check-in dizendo que havia jantar, mas era preciso ir logo porque o restaurante fecharia à meia-noite. Boato este que seria desmentido posteriormente – o restaurante ficaria aberto o tempo necessário.
A esta altura, eu prestava atenção na chegada do segundo ônibus. Estava ansioso por saber se o casal, com os filhos e os sogros, iria aparecer no hotel. Algum tempo depois, a família apareceu.
Enquanto se aguardava na fila, muita reclamações e ameaças de entrar com processo na justiça contra a Air Europa. Lembro-me de uma discussão sobre a melhor forma de processo, individual ou em grupo…
Tão logo terminou o check-in, fomos, eu e o cozinheiro, procurar o restaurante. Sem comer há várias horas, acredito que tenha tomado vinho em excesso, mais do que propriamente me alimentado. Lembro-me que ficamos bastante tempo à mesa, e mais tarde apareceu o outro rapaz. O fato é que fomos dormir bem mais de meia-noite, talvez uma da manhã…
De madrugada, acredito que pouco mais de três horas, o interfone tocou. Tínhamos de sair correndo rumo ao aeroporto para embarcar cedo para São Paulo.
Lembro-me de ter dormido de roupa e tudo; nem tinha roupa pra trocar, afinal a bagagem já havia sido despachada diretamente de Lisboa para São Paulo. Também me lembro de estar completamente sonâmbulo e que, ao tentar entrar no ônibus com a minha mochila, levei um tombo; que alguém me ajudou a levantar… Tenho até hoje marcas no corpo deste tombo!
No fatídico terminal 1 do aeroporto, ao me apresentar para o embarque, encontrei no meu bolso apenas o bilhete… Cadê o passaporte? “Só pode ter ficado no hotel”, disse eu à funcionária da Air Europa. Restava-me pegar um táxi, voltar ao hotel e tentar localizar o passaporte, antes de o avião deixar Madri. No hotel, ninguém deu notícia do paradeiro do documento. Como consolo, levei de volta uma cópia do meu passaporte fornecida pela funcionária do hotel.
O avião estava pronto para iniciar a decolagem… E as funcionárias da companhia não aceitaram que eu embarcasse com a cópia do passaporte. Um esforço inútil, ou quase inútil!
Depois de desesperada insistência, fui orientado a procurar a assistente social do controle de passaportes, pois estava “preso” no aeroporto de Madri e precisaria de uma autorização especial do consulado brasileiro para deixar o país. Uma situação surreal. Fez-me lembrar do filme “O Terminal” no qual o ator Tom Hanks passa meses morando dentro do aeroporto.
De novo, tinha de atravessar o aeroporto inteiro a pé, rumo ao outro terminal. A assistente social levou-me a um funcionário do controle de passaportes que, depois de me dar um chá de cadeira, liberou-me para sair do aeroporto. A esta altura, já passavam das 10 horas da manhã.
No balcão de informações, informei-me sobre como chegar de transporte coletivo ao consulado brasileiro. No consulado, depois de aguardar a minha vez de ser atendido, fui informado de que só poderiam me dar a autorização para deixar a Espanha, mediante boletim de ocorrência da perda do passaporte. Deram-me inclusive a dica de uma delegacia (ou “comissaria”) mais vazia no centro de Madri.
Tomei o táxi rumo à delegacia onde recebi um formulário para preencher à mão – em pleno século 21 –, bem entendido, em espanhol. Sugestão do funcionário: “peça ajuda a um amigo”. O que fazer? Pedi ajuda a uma funcionária que passava pelo corredor, que foi muito simpática e me ajudou a preencher o formulário, principalmente no espaço em que precisaria explicar o que ocorrera com o meu passaporte.
Novo táxi de volta ao consulado, mas cheguei cinco minutos depois do fechamento do expediente para o almoço (13:30). À tarde (a partir das 15:00), o consulado prontamente emitiu a autorização especial para eu deixar o país, cancelando automaticamente meu passaporte.
Por volta das cinco horas da tarde, estava eu de volta ao aeroporto na expectativa de conseguir um lugar para tomar o avião, de preferência no mesmo dia. O funcionário da Air Europa encaixou-me na fila de espera do voo das 23:05, para São Paulo.
Só então lembrei-me da minha mala que fora despachada diretamente de Lisboa para São Paulo. “Minha bagagem está em São Paulo ou em Madri”, perguntei ao funcionário da Air Europa. Descobri que a mala não seguira viagem tal como seu dono. De novo, tive de fazer longa caminhada, desta vez até a sala de “perdidos e achados” para recuperar minha mala.
Apesar de estar na fila de espera, consegui embarcar. Estava aliviado, afinal conseguiria deixar a Espanha. Mesmo que o assento, na última fileira, fosse ao lado do banheiro.
O avião deslocou-se para a pista e nada de levantar voo, até que o comandante começou a emitir, pelo sistema de som, avisos vagos sobre o atraso. Em espanhol, anunciava o atraso sem dar informações precisas. Mas em inglês chegou a citar Brasília e a Anac, transferindo para a capital brasileira a culpa pelo atraso.
O tempo passava e estava viva na memória a lembrança do rapaz que teve o voo cancelado depois de três horas de atraso. Angustiava-me só de pensar que o voo pudesse ser cancelado e tivéssemos de voltar ao hotel. Mas, passadas pouco mais de duas horas de espera, o avião saiu do chão.
Estava tão cansado que até dormi, apesar do abre-e-fecha da porta do banheiro… Ah, sim, o jantar me fez mal.
Na manhã do dia 4 de Dezembro, em Guarulhos, o controle de passaportes segurou a minha autorização de viagem emitida pelo consulado brasileiro em Madri. No momento de deixar o aeroporto, escolhi a fila de “nada a declarar”. Mas um funcionário perguntou-me se estava sozinho e me encaminhou para a fila do raio X da bagagem.
Então, lembrei que estava sem documento – sem passaporte e sem o RG que havia esquecido no Brasil. Em minha posse, apenas a carteira de correspondente do Jornal das Lajes em Portugal com o número de um passaporte que não mais existia. Além disso, os chips do celular eram de Portugal e não estavam habilitados para usar aqui; apesar de que houvesse orientação para desligar os celulares. Se me pedissem o RG, estaria em apuros. Como explicar esta situação bizarra? Foi então que me lembrei do livro “Processo”, de Franz Kafka.
Tornamo-nos vítimas de um grande processo, envolvendo não apenas a burocracia do setor público como também a estrutura mastodôntica das grandes organizações empresariais. Nem Kafka explicaria!
PS: Aproveito para anexar duas reclamações contra a Air Europa que encontrei no Google:
- Air Europa acabou com minhas férias - http://www.reclameaqui.com.br/5122551/air-europa-lineas-aereas/air-europa-acabou-com-minhas-ferias/
- Air Europa - Devolva meus Impostos!!! - http://www.reclameaqui.com.br/7927690/air-europa-lineas-aereas/air-europa-devolva-meus-impostos/