Não se sabe ainda o que o Senado fará com esse monstrengo que está sendo gerado na Câmara dos Deputados. E não é por falta de opção – boas ideias de reforma política estão disponíveis “na praça”. Um exemplo é o Projeto Brasil 2022 do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que defende voto distrital misto, cláusula da barreira, redução da representação mínima por estado na Câmara Federal de oito para dois, fim dos suplentes de senador e redução de três para dois senadores por estado (tradição brasileira); além da obrigatoriedade de o membro do Legislativo renunciar para assumir cargos no Executivo. Também recomenda o fim do pagamento de subsídios aos vereadores de pequenos municípios – que não precisam se reunir diariamente. O objetivo é “transformar o país que temos no país que queremos, socialmente justo, economicamente forte, ambientalmente sustentável, politicamente democrático e eticamente respeitável”.*
O que os deputados fizeram? Não aprovaram o famigerado “distritão” (cada Estado viraria um grande distrito onde se elegeríamos os mais votados, independente de vinculação partidária), mas mantiveram as doações empresariais a partidos políticos (que beneficiam indiretamente os candidatos) . Acabaram com a reeleição para presidente, governadores e prefeitos (um direito do eleitor), mas ampliaram os mandatos para cinco anos (só que incluíram os mandatos de deputados que podem reeleger-se indefinidamente).
Por meio de acordo com os partidos nanicos, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha conseguiu enfiar na Constituição Federal o financiamento privado a partidos (que oculta nomes de candidatos) em troca de manter as coligações proporcionais (em eleições para vereador e deputados estadual e federal) e afrouxar a cláusula de desempenho (ou de barreira) relativa à criação de novos partidos.
Isto, depois de dois deputados desnudarem, didaticamente, em discurso transmitido pela TV Câmara, as negociatas envolvendo nanicos e grandes partidos. O deputado Silvio Costa (PSC-PE) não poderia ser mais claro: “Existem duas indústrias: a indústria da chapa proporcional, para vender aqueles candidatos mais fracos, e a indústria majoritária do tempo de televisão. O partido tem lá o tempo de televisão, procura um candidato majoritário e vai vender o tempo. Todo mundo sabe que é assim. Tem que acabar com essa safadeza!”
O deputado Giovani Cherini (PDT-RS) foi além, ao mostrar até onde vão os interesses dos digníssimos representantes do povo. “Eu penso que o povo brasileiro, todo o tempo, vem dizendo para nós: é preciso diminuir o número de partidos. Cada cidadão que fica contrário a alguma coisa forma um novo partido, e, na largada, ele já tem R$ 3 milhões do fundo partidário. E depois, na época da eleição, ele negocia o seu espaço em televisão, por R$ 1 milhão, R$ 2 milhões, R$ 5 milhões, R$ 10 milhões… E vira um partido de negócios, partido sociedade anônima, que visa arrecadar fundos para que alguns malandros enriqueçam.”**
De nada adiantou o apelo do deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), autor da emenda que proibia as coligações partidárias em eleições para vereador, deputado estadual e deputado federal. A maioria manteve as coligações meramente oportunistas. Já a cláusula de barreira foi afrouxada (basta eleger um representante ao Congresso Nacional para o partido ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e a tempo gratuito no rádio e TV).
A maioria das 32 legendas partidárias registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das quais 28 com assento na Câmara dos Deputados, não será prejudicada, segundo um experiente advogado especializado em criar legendas partidárias (em entrevista a Heródoto Barbero na Record News). E ele revelou que existe uma fila de mais de 100 partidos em formação no Brasil, na expectativa de fazer parte do jogo.
Não nos iludamos. Maior número de partidos vai depreciar ainda mais a prática política e levar, cedo ou tarde, a novo aumento do Fundo Partidário (já triplicado para quase R$ 900 milhões) mantido com dinheiro público.
Suas excelências os deputados atropelaram o eleitor neste primeiro turno de votações na Câmara. Como nada de substancial deve mudar – a menos que seja para pior - na segunda rodada de votações, resta esperar que o Senado torne este monstrengo menos feio. Ou é sonhar demais?
*Disponível em http://www.pnbe.org.br/os-cinco-objetivos-da-reforma-politica.html
**Disponível em http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2015/05/29/montanha-da-reforma-politica-ja-pariu-dois-ratos/)