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ROTA LISBOA (2)

20 de Setembro de 2020, por José Venâncio de Resende

Ponte romana Trajano, sem veículos (fonte: Câmara Municipal de Chaves).

Nova fase da pandemia 

Portugal entrou na sua terceira fase da pandemia, de acordo com autoridades da área de saúde. A primeira fase aconteceu entre março e abril; a segunda, mais amena, entre maio e julho; e a terceira chega agora, antecipando ao período de outono/inverno. Um indicativo do agravamento da situação é que o índice de contágios (o chamado Rt que mede a transmissibilidade) voltou a ultrapassar o 1 (cada 10 infectados, por exemplo, transmitem o vírus a mais de 10 pessoas).

Terceira fase ou segunda onda? O fato é que os contágios voltaram com força na Europa, aos milhares por dia em países como Espanha, França e Reino Unido. Tanto que, depois de algum relaxamento, países já adotam confinamento parcial, restrições em ajuntamentos sociais e ampliação do uso obrigatório de máscaras. A exceção é a Suécia, muito criticada por ter optado por um caminho diferente (não fechou escolas, manteve o comércio aberto e focou na responsabilidade individual).

Em Portugal (país de 92.210 km² e cerca de 10 milhões de habitantes entre Espanha e o Oceano Atlântico), o governo acredita que o país caminha para os 1000 casos diários já na próxima semana, seguindo a tendência geral da Europa. No período de um mês, o número de contágios pulou de pouco mais de 200 por dia para 849 casos (em 19/09). No auge da pandemia, em 10 de abril (uma semana depois do início do 2º estado de emergência), o número de casos diários atingiu 1516 e o número de mortes, 26.

Acredita-se que este resultado tenha a ver com um certo relaxamento durante as férias de verão porque a população estava cansada do confinamento e de outras restrições que praticamente pararam o país desde março. Um novo salto nos contágios deve aparecer nos próximos dias em decorrência da volta às aulas presenciais com o início do ano letivo em meados de setembro.

Se é que podemos chamar de positivo, o fato é que número de mortes é bastante baixo na atual fase da pandemia, comparando com a primera fase. Até porque os contágios estão atingindo as faixas etárias mais jovens da população, embora os surtos em lares de idosos continuem ocorrendo em diferentes regiões do país. O resultado tem sido a menor pressão sobre o sistema de saúde.

O discurso do governo é de que não se pode baixar a guarda, mas sem parar o país. As autoridades, por exemplo, resistem à volta do confinamento total, mas defendem a adoção de medidas descentralizadas (regionais e locais). A palavra de ordem é controlar a pandemia sem trancar o país: sem fechar escolas, sem proibir visitas a lares de idosos, sem destruir empregos. 

Além da experiência acumulada desde março na forma de lidar com a pandemia, o governo apela à responsabilidade da população e os especialistas esperam por maior capacidade de resposta do sistema de saúde. Acredita-se que a evolução desta terceira fase vai depender da efetividade das medidas de saúde pública e da responsabilidade de cada cidadão ao lidar com a doença.

Mas 2020 e parte de 2021 já são dados como perdidos do ponto de vista econômico. Em entrevistas na imprensa ou mesmo em conversas informais, os empresários são menos otimistas do que os governantes. Os negócios vão de mal a pior e o desemprego só aumenta. Há previsões de que, no caso de uma segunda onda, a taxa de desemprego possa atingir cerca de 17,5% este ano, acima de estimativas anteriores (entre 11% e 14,5%), afetando mais fortemente o comércio e o setor de restaurantes e alojamento que empregam trabalhadores menos qualificados e mais vulneráveis.

Num shopping center do bairro onde moro, só se falam de lojas fechando as portas. O movimento caiu tanto que o dono de um restaurante, que já teve sete funcionários, trabalha agora com a esposa e uma funcionária. Decidiu que o melhor é viver cada dia como se fosse o último.

Consulta popular

Uma consulta popular (referendo) no mínimo curiosa aconteceu recentemente na cidade de Chaves (cerca de 18.500 habitantes), no norte de Portugal (divisa com a Espanha). No domingo (13 de setembro), os moradores decidiram, por 85,37%, que a ponte romana (construída na época do imperador Trajano entre fins do século I e início do II e classificada como monumento nacional) deveria continuar exclusiva para pedestres. É que havia uma reivindicação no sentido de que a ponte fosse reaberta ao trânsito de veículos.

Isto nos remete para um dos editoriais da revista britânica The Economist (edição de 19/09), que comenta o surgimento em vários países das “assembleias de cidadãos” e outros grupos deliberativos, para considerar questões que exigem respostas dos políticos. Por semanas ou meses, 100 ou mais cidadãos – tomados aleatoriamente mas com a ideia de criar um corpo reflexivo da população como um todo em termos de gênero, idade, renda e educação – encontram-se para discutir um tópico escolhido de maneira cuidadosa. No final, eles apresentam suas recomendações aos políticos.

Sem se fixar no número de participantes (pode variar de acordo com o tamanho do município) e se são pagos ou voluntários, o importante é que haja independência da parte deles em relação aos políticos. “Assembleias de cidadãos são muitas vezes promovidas como um meio de reverter o declínio na crença na democracia, o qual tem sido precipitado na maioria do mundo desenvolvido na última década mais ou menos”, conclui a revista.

Pesquisas recentes mostram que os cidadãos em geral queixam-se de que os políticos não tem entendimento da, ou interesse na, vida e nas preocupações da população. “As assembleias de cidadãos podem ajudar a remediar isto.”

Fico imaginando cidades do porte de Resende Costa ou São João del-Rei realizando “assembleias de cidadãos”, adaptadas, evidentemente, aos seus perfis. Discutindo, por exemplo, temas como a retirada dos veículos do centro da cidade ou a mudança de um terminal rodoviário para um local mais adequado.

 

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