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ROTA LISBOA (3): “Saco de dinheiro”

24 de Setembro de 2020, por José Venâncio de Resende

Jogador mais caro do mundo (fonte: maisqueum jogo).

Por que falar de centavos se podemos falar de milhões?

O jogador Faiq Jefri Bolkiah, considerado o futebolista mais rico do mundo, vai jogar na primeira liga portuguesa nesta temporada. O sobrinho do sultão do Brunei assinou contrato com o Marítimo, time da ilha da Madeira, terra de Cristiano Ronaldo, depois de uma carreira feita em Inglaterra.

O médio ofensivo de 22 anos, com dupla nacionalidade (Estados Unidos e Brunei), tem fortuna avaliada pela revista “Forbes” em 18 bilhões de euros (cerca de 117 bilhões de reais), mais do que ganham juntos Messi, CR7 e Neymar. Faiq jogou em clubes como Newbury, Southampton, Arsenal e Leicester.

Um “saco de dinheiro” é o que Portugal vai receber da Comissão Europeia para bancar o “plano de resiliência e recuperação econômica”. Aqui, discute-se febrilmente como gastar a dinheirama dos fundos europeus, uma base de 6 bilhões de euros por ano que o país receberá entre 2021 e 2030. Muita gente quer pegar uma carona nos recursos do plano, cuja primeira versão o governo terá de apresentar a Bruxelas em meados de outubro.

Quem cunhou a expressão “saco de dinheiro” foi o ministro da Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, em entrevista na televisão. Mas ele acrescentou: “não podemos fazer o que quisermos (com esse dinheiro)”. Os recursos terão de ser usados para criar uma sociedade mais inclusiva e justa, resolver problemas estruturais, reduzir a dependência de carbono e de recursos naturais (economia mais limpa) e ampliar o acesso à digitalização. “Uma sociedade em que as pessoas e as empresas possam beneficiar das tecnologias digitais para melhorar a sua condição de vida e a produtividade da nossa economia.”

Trata-se de uma “enorme oportunidade, mas sobretudo de uma gigantesca responsabilidade”, reforçou o primeiro ministro Antônio Costa. Afinal, milhares de empresas e postos de trabalho foram perdidos e estão ameaçados de desaparecer e houve uma queda no rendimento do conjunto da sociedade. E “daqui a seis anos estarão cá (os burocratas da Comissão Europeia) para pedir as contas do que fizemos com esses recursos extraordinários que foram postos à nossa disposição”. No mesmo sentido, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou: “Este tipo de comboio (trem) só passa uma vez”.

Faltou crescimento

Em entrevista ao Jornal de Notícias (20/12/2012), o ex-embaixador alemão em Lisboa, Helmut Elfenkamper, já alertava que os fundos europeus não produziram crescimento em Portugal. Apesar do fato de o país ter recebido “um influxo de dinheiro muito substancial, não produziu realmente crescimento”. Entre 2000 até aquela data, as taxas de crescimento foram de 0,2%; “se contarmos até 2008, eram 0,8%”.

Entre 1986 e 2011, Portugal terá recebido 80,9 bilhões de euros em fundos estruturais e de coesão, de acordo o estudo 25 Anos de Portugal Europeu da consultora Augusto Mateus & Associados para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). O valor chegaria aos 96,7 bilhões de euros até ao final de 2013.

Especialistas ouvidos pelo Diário de Notícias (20/05/2013) consideraram que erros foram cometidos, como na “aposta excessiva em infraestruturas, principalmente as rodoviárias”, como definiu o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus e ex-eurodeputado, Carlos Costa Neves. Ele admitiu que nem sempre foram definidas as melhores prioridades, houve um investimento não reprodutivo, muitas vezes porque era preciso cumprir prazos ou, pior, ir ao encontro de expectativas eleitorais.

Outros especialistas garantiram que houve desperdício e falta de controlo na aplicação dos fundos, o caso de Isabel Meirelles, especialista em assuntos europeus. Devia-se ter investido mais nos sectores reprodutivos e não na política do betão”, acrescentou. Entre 2007 e 2011, por exemplo, o dinheiro europeu ajudou a construir mais de três mil quilômetros de estrada.

Isabel Meirelles disse ainda que não houve uma visão global de aproveitamento dos fundos” e que houve “excesso de burocracia”. Além disso, houve erros no Fundo Social Europeu: por exemplo, houve cursos que não foram dados porque houve desvios de dinheiro e outros que nunca deveriam ter sido aprovados”, como o ensino de “fazer queijo da serra no Algarve.

Na sua entrevista, Helmut Elfenkamper lembrou que, em 20 anos, foi o terceiro maior recipiente de recursos comunitários per capita, e que naturalmente haveria uma redução desse montante. Ainda assim, muita gente ficou desapontada com os resultados (desemprego, recessão acentuada, receita fiscal abaixo do esperado etc.). Por isso, insistiu sobre a importância das reformas estruturais para gerar crescimento.

O ex-embaixador alemão defendeu o crescimento da produtividade e o aumento da qualificação profissional para aumentar os salários: “o caminho é pela formação, mais qualificação das pessoas que trabalham, e, certamente, não a longo prazo pela descida dos salários”.

Da entrevista de Elfenkamper para agora, muitos desafios ainda continuam presentes: desigualdades sociais e regionais, baixa produtividade, justiça deficiente, excessiva dependência do turismo de massa, envelhecimento da população, êxodo de profissionais qualificados.

Enquanto escrevo sobre Portugal, fico pensando nas carências e na falta de visão de longo prazo no nosso Brasil. Tão diferentes, mas tão iguais! 

 

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