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Rota Lisboa (3/2021): Quarenta anos em defesa da língua galego-portuguesa. E um desafio!

22 de Maio de 2021, por José Venâncio de Resende

Catedral, o símbolo de Santiago de Compostela.

Acabei de me tornar sócio da AGAL (Associaçom Galega da Língua) que, no dia 17 de maio, celebrou 40 anos de vida e fez um desafio. A mais antiga associação reintegracionista lançou o plano ambicioso de “galgar o rio Minho”, o que significa “invadir” Portugal e mesmo ir para o além-mar (Brasil) e o continente africano. “É no âmbito lusófono extragalaico que a AGAL tem menos músculo e, por isso, decidida a resolver essa carência, decidiu que associará cidadã(o)s provindas/os de qualquer país lusófono (excetuando a Galiza), por uma quota simbólica de 94 cêntimos de euros durante um ano de associação desde o momento em que se torne efetiva a adesão à associação”, diz comunicado da instituição em sua página na internet.

E por que este valor (inferior a 1 euro), que na moeda brasileira representa pouco menos de R$ 6,45? “Esta quantia simboliza o número de pessoas associadas com que partiu a entidade em 31 de outubro de 1981, após meses de trabalho de uma comissão fundacional desde o mês de maio. Com a AGAL nascia também o movimento reintegracionista organizado que já estavam a antecipar os debates normativos acontecidos ao longo dos anos (19)70.”

Sempre fui fascinado pela Galiza, e todo ano (com exceção do período pandêmico) vou a Santiago de Compostela, pelo menos uma vez no ano. Meu interesse pela Galiza pode ser visto em artigos e reportagens que publiquei.

Por exemplo, em outubro de 2014, em “Reintegracionismo”, Galiza, Portugal e nós…, destaco que José Ramom Flores das Seixas, Joseph Ghanime Lopes, Beatriz Peres Bieites, Valentim Fagim Rodrigues e Eduardo Sanches Maragoto, apresentam no livro Quês e porquês do reintegracionismo (1ª ediçom, Junho de 2014. Associaçom Galega da Língua, Através Editora, 2014) duas estratégias para inverter o estado atual da língua galega, ou seja, a autonomista (galego é só a língua da Galiza) e a reintegracionista (galego é a língua da Galiza e de vários países mais).

“Eles consideram a segunda estratégia mais eficaz, por três razões: 1) apoiar nas variedades de Portugal e Brasil (cujas línguas são soberanas) permitiria à Galiza “soberanizar” a sua variedade em relação ao castelhano; 2) as variedades da língua, principalmente do Brasil e Portugal, permitiriam à Galiza superar muitas das carências do seu idioma (livro técnico e literatura universal, versões de filmes, canais de TV, software e versões de sites, música etc.); e 3) haveria maior difusão da cultura galega a partir da sua inserção na cultura lusófona, bem como reforço da identidade da língua galega como independente do castelhano.”

Em dezembro do mesmo ano, no artigo A Galiza, o galego-português e a busca por independência, relato a conversa que eu tive, em Santiago de Compostela, com Camilo Nogueira, deputado três vezes (1981-93 e 1997-99) no Parlamento da Galiza e um mandato no Parlamento Europeu (1999-2004). Segundo Camilo, os nacionalistas galegos reivindicam a identidade entre o galego e o português, o galego-português, e trabalham por esse reconhecimento oficial.

Na ocasião, Camilo Nogueira enfatizou a necessidade de reconhecimento da língua-mãe. “O Estado espanhol nem sequer reconhece o galego-português, negando uma riqueza evidente. (…) Esquece que, através do Brasil, também se fala o galego-português nascido na Galiza histórica.” Ao que acrescentei: Por isso, Camilo não parece muito otimista. Acha que a Galiza deve inspirar-se na Catalunha, no País Basco e na Escócia, e lutar pela independência. ´A Galiza quer separar-se de um império europeu´.

Neste artigo, concluí: Seja o movimento social pela regeneração do galego-português, seja a luta pela independência da Galiza, o fato é que entidades como a Associaçom Galega da Língua (AGAL), a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) e o Parlamento de Galicia terão papel cada vez mais importante neste processo. 

Comecei a ler o livro História do Português desde o Big Bang, de Marco Neves, editora Guerra & Paz. No capítulo “1000 d.C. Do Latim à nossa Língua”, o autor lembra o papel dos senhores feudais do Norte na chamada Reconquista Cristã, “que se foram assumindo os títulos de reis, príncipes, condes, imperadores”. Era o ano 711 d. C., a noção de país era algo distante. “Eram todos cristãos, todos hispanos, todos da sua região…”

A noroeste da antiga Hispânia, a Galécia era um território que correspondia, aproximadamente, à atual região do norte de Portugal e a Galiza, Astúrias e Leão, na Espanha. O então território, inicialmente denominado Astúrias, passou a usar os nomes de Leão, Castela, Aragão, entre outros reinos, observa Marco Neves. “Mas há um nome importante de que nos esquecemos muitas vezes e que vem no seguimento da província romanda da Galécia: a Galiza.” Esse território, a noroeste da província, “é muito importante para a história da nossa língua, uma história que não conseguimos compreender sem olhar para o território de toda a península”.

O autor publica em seu livro um mapa sobre a situação linguística na península na altura do ano 1000 d. C. Por este mapa, encostado ao Mediterrâneo, desenvolveu-se a língua hoje conhecida como catalão, “muito próximo do occitano, uma língua falada no Sul da França”, prossegue Marco Neves. “O catalão foi a língua principal da corte dos soberanos da Coroa de Aragão.” Ao meio do mapa, falava-se o castelhano que se expandiu para sul e começou a ser chamado também de “espanhol”. “Com esses dois nomes, é a língua de muitos países e oficial em toda a Espanha.” Na faixa encostada ao Atlântico, “o latim desenvolveu um sabor especial”, conta o autor. No final do primeiro milênio, “a língua na rua já seria muito diferente da língua da escrita”.

Já no século XII, “a língua na rua era o tal romance da Galécia, designado pelos seus falantes usando a palavra ´linguagem´ - era a linguagem a fala dos galegos e dos novíssimos portugueses”, relata o autor. “A linguagem dos documentos oficiais era, ainda, o latim. Na oralidade, teríamos um romance próprio, a língua que provavelmente sairia da boca de Afonso Henriques (o primeiro rei). Hoje, chamamos a essa língua ´galego-português´, mas é um termo inventado muito depois.”

Fiquemos por aqui. Vale a pena ler o livro de Marco Neves.

Telhado de vidro

A implementação, no início de maio, de cerca sanitária nas freguesias de S. Teotônio e de Longueira/Almograve, no município de Odemira, interditando deslocações e a circulação e permanência de pessoas na via pública para conter surtos de covid-19, trouxe à luz do dia aquilo que todo mundo já sabia que existia, mas fazia de conta que ignorava. Só para situar o leitor, Odemira, na região do Alentejo, é o maior município português em extensão territorial (1.720,60 km² de área). Desenvolve uma “agricultura moderna” em estufas (simbolizada pelas framboesas), baseada na mão-de-obra barata de imigrantes principalmente asiáticos e no superconsumo de água.

Alguns dias depois, ao visitar o local para anunciar o fim da cerca sanitária, o primeiro-ministro Antônio Costa levou na bagagem dois protocolos para assinar com a autarquia e com as três associações de empresários “dito agrícolas”, publicou o jornalista Miguel Sousa Tavares, em artigo no jornal Expresso (14 de maio). Prevê-se que, até março de 2022, comecem a pensar em “como substituir os contentores transformados em habitações condignas pela resolução do Conselho de Ministros de 2019 por qualquer coisa mais decente, talvez casas, daquelas em que vive gente”.

A questão da precariedade das habitações desses trabalhadores imigrantes ficou evidente na pandemia, com a superlotação das moradias. “Não foi difícil convencer os ditos empresários a assinar os protocolos: as casas vão ser pagas com verbas da ‘bazuca’ (da União Europeia) e de outras origens — ou seja, na totalidade ou em parte, os contribuintes vão chamar a si a solução de alojamento dos trabalhadores destes empresários visionários”, observou o jornalista.

Um grande avanço, considerando que “ainda há pouco o ministro da Administração Interna e a secretária de Estado da Imigração garantiam que Odemira era um caso exemplar de humanidade e integração de populações migrantes”, disse Tavares. E acrescentou: “Embora, como é óbvio, se tudo se cumprir, aqueles infelizes ainda tenham de esperar muitos anos e de apanhar muitas toneladas de framboesas até conseguirem viver num local a que se possa chamar casa e dormir numa coisa a que se possa chamar cama”.

Tavares complementou, ainda, que há duas questões por resolver: laborais e ambientais. “Quanto às primeiras — as situações em que os trabalhadores pagam à cabeça milhares de euros pelo privilégio de virem trabalhar para Portugal, os contratos em que lhes garantem vir ganhar mil euros e depois lhes entregam 200, as empresas que os subcontratam e depois desaparecem, a falta de protecção social a todos os níveis —, tudo isso é matéria de investigação remetida para um futuro sem data.”

Quanto à questão ambiental, “Odemira são 7000 hectares (e o triplo dessa área previsto), que, por si só, representam 15% das exportações de frutos, legumes e flores do país”, como disse o primeiro-ministro no Parlamento. Já “destruição da paisagem de um Parque Natural, a contaminação dos solos e o uso intensivo de água onde ela escasseia e em Rede Natura e Zona de Reserva Agrícola, isso pouco importa. Os discursos sobre a agricultura sustentável e amiga do ambiente são bons para os programas de Governo, mas não servem para governar”, criticou o jornalista.

Ah, sim, a dita “agricultura moderna” não existe apenas em Odemira e no Sudoeste alentejano, mas também em Alqueva (distrito de Évora), Beiras (região do centro do país), Algarve. 

LINKS CITADOS:

https://pgl.gal/pessoas-lusofonas-poderao-unir-se-a-agal-com-uma-quota-simbolica-ao-longo-de-2021/?fbclid=IwAR28w3XlaeK45r_hL6u2FzT67LITCvPmza1T9cJ_j-UyHY0Qjcukhpdeu_w

https://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/abrindo-novos-caminhos/a-galiza-o-galego-portugues-e-a-busca-por-independencia/722

https://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/abrindo-novos-caminhos/-reintegracionismo-galiza-portugal-e-nos-/711

 

 

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