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Livromania

13 de Agosto de 2012, por Rosalvo Pinto

Entre todas as coisas ou objetos existentes neste vasto mundo de Deus, não há dúvidas de que sobressai o “livro”. O advento da “escrita”, muitos séculos atrás, propiciou ao homem a possibilidade de transmitir a seus semelhantes suas ideias, seus pensamentos e seus sentimentos em um conjunto sistemático e organizado, através de variados suportes.

Desde as inscrições rupestres em pedras nas várias culturas, passando pelos papiros, pelo papel e, hoje, pelos recursos eletrônicos, o objeto “livro” desempenhou um papel fundamental na vida dos seres humanos. Por muitos séculos a difusão do livro foi feita através de artefatos manuscritos. A invenção do alemão João Gutenberg (1398/1468) provocou a chamada “revolução da imprensa”, pois possibilitou a impressão e a difusão rápida dos livros. Embora o século 20 tenha trazido um grande desenvolvimento tecnológico para a produção do livro, a rigor pode-se dizer que ainda estamos usufruindo da genialidade de Gutenberg.

Vivemos ainda na era do livro. Muitas pessoas amam os livros. Outras precisam deles para seu trabalho e para sua sobrevivência. Há até aquelas que os usam para enfeitar as estantes de suas salas, chegando ao cúmulo de comprar livros “por metro”. Mas o livro ainda está forte e firme, embora se diga que, com a assombrosa evolução da era eletrônico-digital, o livro venha a desaparecer. Eu não acredito. E estou entre aquelas pessoas que amam os livros. Precisei e ainda preciso deles por razões pessoais e profissionais. 

Por estes dias estou mergulhado nos meus livros, tirando poeira, organizando e tentando classificá-los. Pego um, olho outro, abro alguns. Com muito carinho. Afinal, eles foram, desde minha infância, os maiores, melhores e mais fiéis amigos. Muitos deles me acompanham desde que abracei a carreira de professor. Em 1979, eles sofreram com as enchentes de Governador Valadares. Ficaram amarelos, com marcas de barro, desfigurados, mas não me abandonaram. Entre eles está a minha coleção com todas as obras do Guimarães Rosa. E de muitos mestres no ensino da linguística e da língua portuguesa.

Por outro lado, por vezes me vem à cabeça a terrível advertência de Santo Tomás de Aquino: timeo hominem unius libri: tenho medo de um homem de um livro só. Curioso, logo ele, que escreveu tantos e volumosos livros! Eu diria também, plagiando o famoso “doutor da Igreja”: tenho medo de um homem que não tem nenhum livro em sua casa.

De repente, dou de cara com um livrinho, humilde, escondido, apertado entre dois livros tijolais. Pequenino como esses livrinhos de reza, 52 páginas com espaço duplo e, ainda por cima, escrito em grego na página da esquerda e, na da direita, a tradução portuguesa. Logo, o livrinho tem apenas 25 páginas. Seu título: “Carta sobre a felicidade”. Seu autor: um grego antigo (341 a.C), nascido na ilha de Samos. Pouco conhecido, se comparado aos demais famosos filósofos gregos, ainda tem um nome que parece indicar que ele era pouco conhecido: Epicuro. Folheio o amigo rapidamente, pescando frases esparsas. Que beleza! Parece que está escrevendo uma carta para mim nos dias de hoje. Aliás, esse livro resume-se a uma carta dele dirigida a um de seus discípulos. Digo para mim mesmo: como posso ter coragem de doá-lo ou jogá-lo fora? Cubro-o com carinho e o recoloco na estante. E continuo a minha peleja.

Os livros são verdadeiros amigos porque, mudos e generosos, nos educam, ensinam, aconselham, respeitam e até nos repreendem. E não nos cobram nada. Isso é que é ser amigo. Estão sempre lá imóveis, em pé, apertadinhos, por vezes poeirentos, sempre disponíveis para entrar em ação. Fico imaginando como eles ficam felizes em serem convocados.

Coisa curiosa: tal como acontece conosco, aliás, com tudo que existe no universo, também os livros ficam velhos. Tal como nós, velhos física e mentalmente. Consumidos, amarelados, enfraquecidos no seu corpo, desatualizados e confusos em suas ideias. Mas podem viver muito mais que nós. Podem se tornar imortais. Aí me vem a angústia: livro-me deles? Não tenho coragem. Não quero abandonar quem sempre me foi fiel.

Manejando um por um dos meus livros, fico pensando qual será o destino deles quando eu deles me despedir. Meus herdeiros poderão doá-los a uma biblioteca, vendê-los para um “sebo” (lojas que comerciam livros usados e antigos), ou mesmo jogá-los fora. Mas serão sempre os meus livros e vou ficar com saudades deles.

Quem coleciona muito livro tem uma dor de cabeça adicional: emprestar. Há os que não querem gastar e recorrem a você pedindo algum livro emprestado. Às vezes, também, você fica tão entusiasmado com um livro que o passa a alguém, a amigos ou alunos. Tome cuidado: eles podem não se interessar pela leitura e, pior, não o devolvem. Lembro-me de estar certa vez numa rodinha de bate-papo com o saudoso Ulysses Guimarães. Lá pelo quarto whisky ele soltou essa: “Quem empresta livro ou disco é burro, mas, mais burro ainda é quem devolve”.

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