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Lupus lupo homo

16 de Maio de 2009, por Rosalvo Pinto

Dias atrás, os lobos, hoje também organizados e globalizados, resolveram convocar uma assembléia extraordinária da OLU, a Organização dos Lobos Unidos. Desde muito tempo a nação loba se sentia incomodada com a péssima imagem que eles têm diante dos demais animais e, sobretudo, diante dos humanos. Entre os humanos os lobos têm fama de serem cruéis, violentos, ferozes. E pior ainda, quando os humanos pensam em lobos, automaticamente pensam em lobos maus. Até inventaram uma estorinha idiota, na qual um dos protagonistas, o malvadão da estória, que chega ao cúmulo de devorar uma vovozinha humana inteirinha, é um lobo mau, que nem nome tem. Outra grande mágoa que os lobos têm em relação aos humanos é que esses adotaram como amigos e levaram para dentro de suas casas o cão, do qual eles, lobos, são os ancestrais. Para culminar e para desespero da raça loba apareceu, lá pelos fins do século 16, um filósofo inglês chamado Thomas Hobbes. Este sim, acabou de vez com a autoestima dos lobos. Imaginem que, para dizer que também os homens costumam ser maus, ele simplesmente inventou uma frase na qual o nome “lobo”, em forma de adjetivo, encarna a própria idéia de maldade. A frase: “homo homini lupus”, o que significa “o homem é um lobo para o outro homem”. Ainda bem que ele escreveu isso em latim, devem pensar os lobos, assim, a grande maioria dos humanos não chega a entendê-la. O fato é que essa bendita frase está engasgada até hoje no imaginário da nação loba e a OLU ainda não conseguiu resolver esse problema. Daí a convocação da assembléia, para resolver de uma vez por todas a angustiante questão.

A sede da OLU é lá na Rússia, país onde eles predominam. Um único item na pauta da assembléia: a gravíssima questão da identidade dos lobos diante das nações humanas. Todos os discursos bateram numa única tecla: o odiado Hobbes, no fundo, tinha razão: os humanos estão se tornando cada vez mais maus. Mas, daí a dizer que o lobo seria o símbolo da maldade, é outra coisa, não dá para engolir. Era preciso provar ao mundo que os maus são os humanos, não os lobos. Assim, muitos discursos mostraram, com quadros e estatísticas horrorosas, que os homens inventaram uma coisa brutal chamada guerra, que se resume em carnificinas e mortandades de milhões e milhões de homens. Outros oradores mostraram que o lobo foi comparado com o mal, mas, na realidade, os homens são tão maus que quase acabaram, não só com a raça loba, mas com muitas outras. Outros argumentaram que os lobos comem, sim, outros animais e, se bobear, até mesmo homens. Fazemos isso não porque somos maus, argumentou o orador, mas porque estamos simplesmente obedecendo a leis fundamentais da organização do universo, tais como as leis da preservação das espécies e a da manutenção do equilíbrio ecológico. Nunca fizemos coisa alguma por maldade, finalizou. Outro orador lá da Ásia lembrou que o homem, de tão mau, inventou coisas como a escravidão e a vida em sociedades nas quais uns são ricos e poderosos, comem bem, enquanto outros morrem de fome. O representante de um país grande e famoso lembrou que lá os irmãos lobos foram tão caçados que quase desapareceram. E continuou: os humanos de lá sentem prazer em inventar guerras, invadem os países dos outros, acham que são donos do mundo e gostam de sair por aí matando sem dó nem piedade. Eles espalharam pelo planeta uma coisa chamada “filme”, na qual eles se matam entre si o tempo todo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fatos e argumentos foram se avolumando. O representante de um tal país chamado Brasil contou no seu discurso que lá tem até mãe que joga filha novinha, pela janela, só para matá-la, coisa que uma mãe-loba jamais faria. Lá também homens costumam estuprar mocinhas jovens, até meninas, para depois matá-las, decepando as suas mãos. Pura maldade, continuou. Eles se matam dia e noite por causa de uma bobagem que eles chamam de droga, quando não estão nas estradas matando-se uns aos outros com seus veículos. Lá também ...

Basta, cortou o lobo-presidente, horrorizado. Não é preciso relatar mais nada. Já está mais do que provado que os homens é que são os piores, os seres maus deste planeta. É incrível, mas eles estão até acabando com o próprio planeta. Além de maus, ignorantes, uivou um lobo da Europa. Eles vão é acabar com sua própria raça. O pior é que vai sobrar para nós, emendou, desolado, um velho lobo guará: onde vamos morar e o que vamos comer? Foram então votadas e aprovadas, por unanimidade, duas propostas: 1) encaminhar à Organização das Nações Humanas um documento de protesto contra a maldade dos homens, pois eles são maus conosco e, o que é pior, com seus próprios irmãos, se é que se pode dizer que eles têm irmãos ... e 2) exigir dos humanos a modificação imediata da frase do filósofo inglês, argumentando que, se ele estivesse vivo nos dias de hoje, com certeza sua frase, seria “lupus lupo homo”, ou seja, “o lobo é um homem para o outro lobo”. E com um uivo prolongado e agudo, de muita tristeza, o presidente decretou: está encerrada a assembléia!

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