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O dia em que a tecnologia agrícola chegou a Resende Costa

13 de Setembro de 2011, por Rosalvo Pinto

Corria o ano de 1967. Fazendeiros e pequenos agricultores, inclusive os sofridos meeiros, foram surpreendidos com o boato: chegou uma máquina de plantar arroz na cidade. Para uma época em que ainda se sofria para plantar esse cereal, em pequenas vargens, a novidade não podia ser mais alvissareira.

Vale lembrar um pouco da história da economia rural de Resende Costa. Até meados do século passado, a elite econômica da cidade era integrada pelos maiores fazendeiros de então. Predominavam ainda os latifúndios, ao lado de pequenos produtores rurais que praticavam uma agricultura de sobrevivência e de um grande número de meeiros, que faziam da “roça” um complemento necessário aos seus minguados ganhos, de autônomos ou de assalariados. Sempre andando a pé, ferramentas às costas, o embornal com o caldeirãozinho da boia, tocavam suas roças pelas madrugadas, pelos fins de tarde e de semana.

Pois bem, foram esses últimos os primeiros a ver a miraculosa máquina. Aí entrou em cena o sô Otacílio do Beramuro (antigo bairro do Beira-muro), pai do Jorge Sapateiro. Ele imaginou que essa máquina poderia ser uma ajuda para os laboriosos meeiros. Sô Otacílio, além de tropeiro viajante e negociante, tocava também sua roça. Lá no Potreiro, onde muitos meeiros também labutavam.

Sô Otacílio reuniu seus vizinhos para conhecer a tal da máquina. Lá estavam o Góes (meu pai) e seus irmãos, o Geraldo Porteiro e o Alfredo Carcereiro, o Chico Teodoro (pai do João da Dodora), o Zé Procópio (da sá Olinda do Beramuro), o Heitor da Sá Albertina, o Titide do Mané Cassiano, o compadre Benedito Silva, o Antônio Ribeiro (conhecido como Antônio Empenho) e um menino de 11 anos, que espiava, curioso, aquela reunião de meeiros. Pairava um clima de expectativa.

Finalmente chegou sô Otacílio com os dois rapazes da esperada máquina. Sem dar muita bola aos presentes, meio exibidos e um tanto metidos, logo botaram em funcionamento a estranha ferramenta. Barulhenta, ela lembrava as matracas da Semana Santa. E, de fato, esse era o nome dela: “matraca”, ou “saraquá”. Ela ia e vinha fazendo as “leras” (leiras, sulcos), retinhas, abrindo as covas, jogando o adubo e soltando os grãozinhos de arroz, tudo ao mesmo tempo. Em duas horas estava plantado o arroz da roça do sô Otacílio, que gastaria um ou dois dias para fazer o mesmo.

Talvez tenha sido a primeira invenção mecanizada na agricultura de Resende Costa. Boquiabertos diante daquela prodigiosa matraca, comentavam entre si: “Gente, como é possível uma coisa dessas?!”  Meio de longe, braços cruzados, o seu Góes emendava: “eh! É uma máquina importante!”

Pois é, ali naquele miolo do Potreiro, onde cada um tinha sua pequena gleba, aqueles meeiros complementavam o sustento de suas famílias numerosas. E que complemento!: além do arroz, do feijão e do milho, que não podiam faltar, vinha um rosário de deliciosos produtos, a maioria deles espalhados entre o três, como as abóboras, abobrinhas, abóboras d’água, morangas e mugangos, dos quais saia a saborosa cambuquira, os pepinos, o quiabo. Das grotas vinha a samambaia e dos brejos o muxoco. A serraia era nativa: para completar o caldeirão do almoço, os meeiros levavam a gordura para afogá-la na roça. No tempo certo vinha o milho verde, do mingau e da pamonha. Tudo isso era levado para a vila, onde estavam os pés de chuchu e de ora-pro-nobis alastrado pelos muros de pedra, a taioba, os umbigos de banana (que a gente falava “imbigo”), as galinhas e os frangos nos galinheiros e, o que nunca faltava, o porquinho no chiqueiro. Imagine-se a gostosura disso tudo!

Além das roças, rolavam no Potreiro as estórias e as assombrações. O Tio Geraldo gostava de plantar no “Rapa-goela”. Quem ia do Potreiro para o Rio do Vau, tinha que passar por uma cava escura, cheia de mato. Dava sempre um friozinho de medo. Diziam que lá se ouvia um barulho estranho e amedrontador, como se alguém estivesse rapando ou raspando a goela.

O menino de 11 anos que presenciou e testemunhou a cena histórica do primeiro implemento agrícola moderno de Resende Costa, a famosa “matraca”, chama-se Marcos José Ferreira, o Marquinho do Rancho Novo, filho do Zé Ferreira do Morro de Pedra e neto do sô Otacílio do Beramuro. A ele agradeço a sugestão do texto e as informações para sua escrita, vindas lá dos fundos do Potreiro de sua boa memória. No texto entrou também a colher de pau do meu irmão, o João Cariá. Mas o texto eu o dedico ao Góes (Antônio Pinto de Góes e Lara), meu pai, homem que nunca pôde ter um palmo de terra, mas em todos os anos, até sua morte em 1978, plantava sua rocinha. Era o incansável meeiro do Potreiro, do Vau, da Floresta ou do Quebra-cuié. Como dizia um seu ex-colega dos tempos de exército, o soldado Zacarias Guimarães: “O soldado Lara era baixinho, mas... eta Larinha danado, sô!”.

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