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O último voo

12 de Julho de 2011, por Rosalvo Pinto

Hoje estou voando longe de Resende Costa. Um outro voo me obriga a fazer isso.

Abrindo o site do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA), do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fiquei ciente do falecimento do professor Cláudio Barros. Vou lendo os títulos das muitas mensagens de professores, alunos e amigos referentes ao evento: “Cláudio, mais que um engenheiro, um conselheiro”; “O amigo do CEA”; “Derradeiro voo do nosso querido Cláudio Pinto Barros”; “Cláudio, simplesmente Cláudio”; “Adeus ao nosso querido Cláudio Barros”; “Adeus a um pequeno grande homem: Cláudio Barros”; “Cláudio Barros: um homem a ser lembrado para sempre” e seguem-se outros comentários.

Na verdade, devo confessar que o título do meu texto foi, de certa forma, plagiado de alguma das mensagens. Não importa: não haveria um título mais emblemático do que esse. As mensagens estão entremeadas com fotos dos “filhos” e “netos” do Cláudio: o CEA-205 CB-9 Curumim, um dos caçulas (o CB é de “Cláudio Barros”), o CEA-308, quatro vezes recordista internacional de velocidade em sua categoria, o CB-10 ACS100 Sora; o CEA 309 Mehari, entre tantos outros aviões nascidos na prancheta do engenheiro Cláudio Barros e de seus alunos.

Na sexta, dia primeiro, assim de repente, o professor Cláudio Pinto Barros, aos 73 anos, fez seu último voo. Decolou silencioso de BH com destino à eternidade. Bateu seu último recorde, o de altitude. Levou consigo inúmeros projetos, importantes prêmios. Quase 50 anos de dedicação à aeronáutica, à criação e direção do CEA e, sobretudo, aos seus centenas de alunos, hoje espalhados pelo Brasil, dedicando-se à arte e à técnica da aeronáutica.

O CEA, árdua e corajosamente fundado pelo Cláudio 48 anos atrás, foi o primeiro no Brasil a oferecer o curso de engenharia aeronáutica, afora o curso do CTA/ITA, em São José dos Campos. Para criar o curso teve que lutar tenazmente contra a oposição dos militares da Aeronáutica, que não admitiam a existência de outro curso além do ITA. Se hoje temos no Brasil o terceiro maior fabricante mundial de jatos comerciais, a Embraer, é também porque ali estão o espírito e a contribuição do Cláudio Barros. Muitos de seus alunos estão na empresa de São José dos Campos, inclusive em postos relevantes. Tempos atrás esses seus alunos se reuniram na empresa para prestar uma homenagem ao seu ilustre mestre.

Sempre fui um apaixonado pela aeronáutica. O sonho que não pude realizar, realizou-o o meu filho Renato, engenheiro aeronáutico, atualmente há 13 anos na Embraer. Foi aluno e admirador do Cláudio. Posso dizer, com uma pontinha de orgulho, que também eu o fui. Quando cursava a disciplina “Projeto de aeronaves”, o Renato pediu ao Cláudio autorização para eu participar das aulas como ouvinte. Muito antes disso eu já havia conhecido e admirado o “Curumim” em uma exposição da UFMG e me intrigava saber que aqui em BH se podia construir um avião como aquele.

Nas “Bienais Brasileiras de Design/categoria aeronaves” de 87 e 92, o CEA arrebatou os primeiros lugares, com os aviões CB-7 Vésper e CB-9 Curumim, respectivamente, desbancando, inclusive, outros projetos apresentados pela concorrente Embraer.

Como disse o Renato em sua mensagem no site, “perdeu também o Brasil um homem de visão e espírito empreendedor e que teve a coragem de fazer o que era preciso e a sabedoria pra fazê-lo. Seus feitos, comparáveis aos de outros como Casimiro Montenegro [fundador do CTA/ITA], são a garantia de que seu legado sobreviverá por muitas e gerações”.

 Nosso Jornal das Lajes nunca acolheu em suas páginas uma matéria específica sobre aeronáutica. Talvez, as peripécias do nosso conterrâneo, o Renato Morethson, outro apaixonado pelos aviões na década de 40, com seu “Paulistinha” e seus voos rasantes sobre Resende Costa, jogando propagandas e jornais. Por isso, seja este texto também uma derradeira homenagem ao grande professor, ousado, visionário e benemérito. Neste país das contradições e da inversão de valores gastam-se somas fabulosas, horas de televisão, páginas inteiras de jornais e salários astronômicos para a badalação e a babação com jogadores de futebol ou com duplas de cantores de música pseudo-sertaneja. Cientistas, pesquisadores e gênios da envergadura de um Cláudio Barros são mal remunerados, despercebidos e ficam esquecidos. Um dos principais diários de BH dedicou uma página inteira, colorida, a uma cantora de música popular e não dedicou sequer uma linha à memória do ilustre professor Cláudio.

 O engenheiro Paulo Iscold, seu aluno, que o sucedeu na direção do CEA, assim dele se despede em sua mensagem do site do CEA:

“Cláudio, vá com Deus, suba com asas como águia, porque você sempre esperou no Senhor! O CEA hoje chora a sua ida, mas vamos continuar tocando isto aqui e honrando seu nome! Voaremos cada vez mais alto, cada vez mais longe e cada vez mais veloz. Eu farei o possível para manter a chama e a alegria do, como você sempre dizia, melhor lugar do mundo!”

(Para os leitores que se interessarem em conhecer o CEA e seus projetos, bem como os textos sobre o professor Barros, basta acessar o site http://www.demec.ufmg.br/Cea/principal.html)

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