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Roque da Corina, o seresteiro das Lajes

11 de Janeiro de 2009, por Rosalvo Pinto

Na madrugada de sexta-feira, 5 de dezembro de 2008, Resende Costa perdeu aquele que foi, talvez, ou sem talvez, o seu maior seresteiro. Aos 83 anos, juntou sua voz, seu violão, uma foto das ruas de nossa cidade, algumas velhas fantasias de carnaval, uma gamela de estimação, uma garrafa da boa e ... partiu pra sempre. Com certeza pro céu. Foi ao encontro dos seus grandes e inseparáveis amigos: Vicente Celestino, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Lindomar Castilho. E tantos outros.

O Roque Gularte de Andrade nasceu no dia 5 de março de 1925, filho de Francisco Gularte de Andrade e Corina Belo. Tal como está lá na sua certidão de nascimento, testemunhada pelo Alberto Salomão e pelo Miguel Alderico Roman, o Alderico, irmão do Sebastião Nagib e do Nagibinho. Perdeu o pai e, por viver muito tempo com sua mãe, passou a ser o ‘‘Roque da Corina’‘. Depois de perder a mãe, viveu muitos anos sozinho. Dizem que foi um solteirão inveterado. Não foi. Na verdade ele foi casado com três mulheres, melhor, três amantes: a música, a rua, e a pinga. Foi sempre fiel a elas e nunca delas se separou.

Cabelos compridos, muitas vezes amarelados e desgrenhados, roupas coloridas, bermuda, sapatos sem meias. Gostava de se enfeitar com colares e muitos anéis, de preferência de prata. Suas duas profissões: pedreiro e seresteiro. Além disso, vivia fazendo gamelas de madeira, de tamanhos variados. Era sua especialidade como artesão. Com elas ganhava uns trocados a mais para o cigarro e a cachaça.

Sua grande festa era o carnaval. Folião incansável, passava os quatro dias e noites na rua, com as fantasias mais estrambóticas, uma marmota. Quando, no final da madrugada, a cidade se recolhia, o Roque continuava cantando sozinho. Quando a cidade começava a acordar para o novo dia, a gente ouvia o vozeirão dele, sentado no banco da pracinha, relembrando o Vicente Celestino:

‘‘Acorda, patativa, e vem cantar - Relembra as madrugadas que lá vão
E faz de tua janela o meu altar - Escuta minha eterna canção’‘

Na década de 80 ficaram famosos os shows de calouros do Jota Resende. O antigo Salão Paroquial ficava lotado. Na primeira fileira postavam-se, importantes e sisudos, os membros do júri. A platéia delirava. Seu animador ficou tão ligado ao seu programa que ainda hoje ele se autodenomina de ‘‘O terrível Ratinho dos Anos 80’‘! Pois bem, uma das figuras imperdíveis desses shows era exatamente o Roque da Corina, com seu violão, sua sanfona e sua voz de seresteiro inveterado.

Até um ano antes de morrer ele morava, a rigor, na rua. Ele e seu violão. Passou os últimos oito meses de sua vida no Asilo São Camilo de Lélis. Sempre ele e seu violão. E enquanto teve forças, pegava o violão (que bonito!) e cantava para seus companheiros. Quando o levaram se esqueceram de colocar junto seu violão. Uma pena! Mas o certo é que lá em cima não vai faltar um violão para ele, feliz para sempre, na companhia dos seus ídolos. Tive o prazer de ver e pegar em seu último violão. Bonito e reluzente. Talvez tenha sido melhor que ele ficasse mesmo por aqui. Bem guardado até a construção do sonhado ‘‘Museu de Resende Costa’‘, onde ele terá certamente um lugar de destaque e de honra. Juntamente com seu velho bandolim, lá num canto, destinado ao ‘‘Seresteiro de Resende Costa’‘.

Mas a verdade é que ele não morreu. Mudou de rua. A uma hora dessas, ele deve estar numa rua sem fim, enfeitada de adereços e fantasias de carnaval, noite eterna de lua cheia, violão a tiracolo. Daqui, ainda é possível ouvi-lo soltando sua voz, cheia de saudades: ‘‘Acorda, Resende Costa, e vem cantar – Escuta a minha eterna canção’‘.

(Para a elaboração deste texto-homenagem ao Roque, contei com a simpática colaboração de sua sobrinha, a Sra. Elza Goulart de Andrade, bem como com a contribuição do pessoal do Depósito: a Marilene, o Hélio e o Marquinhos. Agradeço a todos).

Comentários

  • Author

    Belíssima homenagem, faltou-nos uma foto, uma daquelas que expressa um de seus momentos, para que pudéssemos matar a saudade do "grande" Roque.......


  • Author

    A homenagem é muito válida, mas não seria significativa o bastante se não fosse pelas mãos desse excelente escritor.Parabéns a este artesão das palavras, que, a cada texto seu, faz-me encher de saudades dessa terra encantadora.


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