O Jornal das Lajes apresenta o conterrâneo Cristino Resende que trocou os montes das vertentes pelos montes claros do norte de Minas
A coluna “Causos e cousas” abre seu espaço neste início do décimo ano de circulação do nosso Jornal das Lajes para o resende-costense Cristino Resende. Um depoimento de saudades e curiosidades, bem ao estilo proposto para esta coluna. E fica aqui o convite a outros resende-costenses ausentes para que expressem seus talentos, enriquecendo o acervo da memória histórica de nossa terra, um dos objetivos deste jornal. Com a palavra o conterrâneo Cristino.
“Este Jornal das Lajes ... ele tem um sabor diferente quando lido por um legítimo filho das Lajes como sou, e agora morando em terras tão distantes e de costumes nada parecidos com os nossos, só me resta recordar, com boas lembranças, tempos passados.
Assim é que, lendo a edição 77 do JL [abril de 2010], senti-me presente nos acontecimentos nele narrados, como, por exemplo, o Buraco do Inferno, onde eu e o padre Jaime Teixeira – salesiano, de São João del-Rei -, estivemos lutando em seu interior contra as revoadas dos morcegos, que fazem daquele lugar a sua morada.
Padre Jaime esteve, em 1968, auxiliando o nosso estimado padre Nelson e eu, naquela época, morava na Casa Paroquial. Na edição 75, na coluna Causos e Cousas, fala-se sobre a Casa Paroquial, padre Adelmo etc. Então, bem me lembro agora da minha primeira comunhão, feita com o padre Adelmo, na sacristia da Matriz. Fazia frio e eu, de calça curta e blusa branca, fui levado pela minha bondosa mãe, que antes trocou minha roupa num beco bem ali depois da venda do Zé Padeiro. Lá na sacristia eu me confessei e fui o único menino a fazer a primeira comunhão naquele dia 11 de março de 1951.
Ainda sobre o jornal da edição 77, quero dizer que me lembro muito bem da jardineira do Onofre e de seu motorista, o Zé Pedro Gancho. Foi nela que fomos de mudança para São João del-Rei. Lá chegando, no Porto – hoje Santa Cruz de Minas -, como era menino de quatro para cinco anos, fui passado pela janela da jardineira, que era de madeira. Meu pai me pegou e, lá fora, meu irmão Mozart – que Deus o tenha -, me tomou nos braços. Eu era pequeno e, assim, facilitou o trabalho.
Sobre o avião do Renato Morethson e seus acontecimentos, envolvendo o padre Nelson e o Sérgio Procópio, fiquei sabendo em casa, ouvindo meu pai e minha mãe comentando o fato e a gente ouvindo calado e com curiosidade.
Lembro-me do Antônio do Marisco com sua barba tradicional, que dava medo nas crianças. Mais medo eu sentia ao ver o Carrinho chegar à janela de nossa casa e pedir café, sempre enrolado em seu cobertor, em qualquer tempo. Sobre o Quente-Fervendo eu só ouvia meus irmãos comentando, pois eu não o conheci.
Do armazém do Duque guardo grata lembrança do cheiro que ainda sinto do pão-combate, hoje conhecido como pão sovado. Lembro-me também do armazém do Chiquito Vale e sua bomba de gasolina.
Uma figura tradicional ainda era o Nhonhô Caiano, que fazia e vendia terços nas ruas e que, tempos depois, na idade madura, fez concurso para os Correios e foi trabalhar em Barroso.
Lembro-me bem do Afonso Cego, filho da Sá Ana, que tinha como guia o João Bizorro (besouro). Afonso Cego era um negro de voz grossa e de um sorriso escondido e acanhado. Ele e seu guia faziam a pé o trajeto de Resende Costa a São João del-Rei, onde o Afonso pedia esmola e se hospedava em nossa casa.
Sobre a “luz” que aparecia para as pessoas, tive a sorte de vê-la uma vez, bem em cima da casa da minha irmã Maria, lá no sítio do Açude.
Lembrando-me da Fazenda da Laje, não posso me esquecer dos casos de assombração contados pelo Seu Zeca. A sala da casa era bem grande e de lá ele nos levava até a cozinha, onde estavam os queijos exalando um cheiro forte, dependurados e amarrados no teto por causa dos ratos. Na cozinha estava sempre sua mulher, a dona Joaninha, bem pequena e de pés no chão, cuidando em manter o fogo acesso no velho e surrado fogão-a-lenha.
Lembro-me do padre Sílvio Chaves como se fosse hoje, com sua luneta mostrando a nós meninos as estrelas e as luzes piscando, segundo ele, da cidade de São Sebastião da Vitória.
Lembro-me do cabo Ananias, sempre com sua farda e seu jeito garboso de andar.
Não posso me esquecer das procissões comandadas pelo padre Nelson. Ele levava consigo um chicote (reio, relho) para silenciar os que conversavam no final das filas.
Continuo guardando as emoções das boas lembranças e aguardo outras edições do Jornal das Lajes para ler as boas recordações. Um abraço para todos, Cristino Resende”.
Um resende-costense em Montes Claros
16 de Janeiro de 2013, por Rosalvo Pinto