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Lembranças da Semana Santa

20 de Abril de 2022, por Edésio Lara

Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores escritores brasileiros, em 1894 escreveu uma crônica que teve como título Impressões da Semana Santa. O poeta, completando 55 anos de idade e com olhar voltado para a capital da República, o Rio de Janeiro, sua cidade natal, colocou no papel as impressões que teve da Semana Santa daquele ano. “A semana foi santa, – mas não foi a semana santa que eu conheci, quando tinha idade de mocinho. [...] As semanas santas de outros tempos eram, antes de tudo, muito mais compridas. O Domingo de Ramos valia por três. [...] A segunda-feira e a terça-feira eram lentas, não longas. [...] Raiava, porém, a quarta-feira de trevas; era o princípio de uma série de cerimônias, e de ofícios, de procissões, de sermões de lágrimas, até o sábado de aleluia, em que a felicidade reaparecia, e finalmente o Domingo de Páscoa que era a chave de ouro.”

Trazida para o Brasil por portugueses nas décadas finais do século XVII, a Procissão dos Passos ocorria durante as seis semanas que compõem o período da Quaresma. Isso aconteceu nas cidades ou vilas costeiras do Brasil. Em Minas Gerais, a celebração começou a partir do século XVIII, primórdios dos primeiros centros urbanos, tais como Vila Rica, Vila Ribeirão do Carmo (Mariana), São João del-Rei e São José del-Rei (Tiradentes). Desde então, a tradição de representar a vida, o martírio e morte de Jesus se intensificou no Brasil, com destaque especial para Minas Gerais. E os católicos, com ação fundamental das irmandades e confrarias, tornaram a Semana Santa o acontecimento litúrgico mais importante do calendário de festas da Igreja Católica. Sua dramatização tornou-se tão importante e envolvente que ainda hoje se repete o que foi sendo construído ao longo de três séculos. A música nos serve de exemplo, visto que, em cada vila ou cidade mineira, houve compositores especialmente do lugar para criar obras que mantemos nos repertórios dos nossos grupos musicais para serem tocadas e cantadas durante a santa semana.

Em Resende Costa, não muito diferente de outras cidades, a Semana Santa sempre contou com o envolvimento e a intensa participação das pessoas. Era a época do ano mais aguardada por todos. Segundo Gentil Ursino Vale, escritor resende-costense, em seu livro Escavações no Tempo, escrito no início de 1984, “nenhuma festa realizada em Resende Costa se iguala em pompa e esplendor à da Semana Santa. [...] Em Resende Costa, desde priscas eras, constitui a Semana Santa a maior preocupação religiosa de seus habitantes. [...] Dois meses antes iniciam-se os preparativos.”

Passados quase quarenta anos, Gentil Vale, se estivesse entre nós, ficaria espantado ao ver como muita coisa mudou. As costureiras, os alfaiates não estariam a trabalhar freneticamente para atender tantas encomendas de roupa nova. Muito menos os sapateiros para produzir novos calçados para as pessoas. As crianças não estariam mais a realizar “tarefas” de fazer limpeza das ruas calçadas com paralelepípedos e ganhar alguns trocados. Ia perceber que as cerimônias, tanto dentro quanto fora das igrejas já não são tão extensas. Os sermões ficaram mais curtos e as missas menos demoradas. As procissões tiveram seus percursos alterados e reduzidos. O que observou Machado de Assis no Rio de Janeiro em 1894 estava se repetindo aqui, diria ele.

Não temos mais a Chácara do Judas (danação do Judas) nem outras cerimônias que foram sendo modificadas ou excluídas do calendário. Não guardamos mais o silêncio ao longo do Sábado Santo e o jejum rígido, só quebrado depois da Vigília Pascal. As pessoas (famílias inteiras) não chegam mais à cidade em carros de boi, trazendo consigo o enxoval e os gêneros alimentícios para passar a semana inteira na cidade.

No entanto, o repertório do coro e da banda de música – os motetos e marchas fúnebres compostos por músicos da região – permanece o mesmo. Também o melancólico som do dobre dos sinos das igrejas, as imagens maravilhosas de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, bem como a do Cristo crucificado e o esquife, são os mesmos de épocas passadas. Como será nossa Semana Santa no futuro? Não sabemos.  

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