Voltar a todos os posts

As Mulheres Negras, o Espelho e o Racismo

17 de Dezembro de 2015, por Larissa Resende Moreira

Imagem da Internet

O espelho sempre pesou mais nas bolsas das mulheres negras. Você, mulher negra, pode levantar a cada manhã, se olhar no espelho e sentir-se bela no reflexo, mas ao sair de casa verá que a sociedade nega isso a cada vitrine, a cada capa de revista, a cada olhar torto que lhe mede, a cada programação da televisão, em cada livro didático, na fala do professor, no afeto que lhe pretere. Esta é uma realidade que a cor escura da pele sente cotidiana e historicamente.

Na introdução de minha coletânea de contos que um dia pretendo finalizar e tornar pública, de nome “Espelho”, escrevi que “são tantos dedos que moldam as camadas materiais e imateriais de um espelho e, por conseguinte, nossa imagem é também o outro, um terceiro personagem desta dialética”. O espelho leva consigo a opressão do padrão de beleza imposto por nossa sociedade que, sabemos, é branco e eurocêntrico. As mãos que moldam este espelho têm vários nomes, mas aqui me detenho a um deles, o racismo.

Nós, mulheres negras, ouvimos desde cedo que nosso cabelo é ruim e aparenta sujeira e desleixo. Nosso nariz e nossa boca são grandes demais, nossa bunda é o atrativo nacional e nosso lugar ou é no palco da mulata do carnaval, ou no serviço doméstico lavando e cozinhando para os herdeiros da Casa Grande. Olhe e veja as mulheres negras que lhe cercam, onde elas estão? Que cargos elas ocupam? Bom, então eu pergunto: onde está a autoestima desta mulher? Eu já fui mutilada por muitas vozes, já ouvi de um professor da Escola Assis Resende, no ensino fundamental, que devia desistir do meu sonho porque “negro não entra na Aeronáutica” e ali eu descobri que o fato de me sentir um patinho feio era por causa do racismo.

A autoestima é uma construção social que se realiza na medida em que o sujeito se relaciona com o outro. O encontro com a alteridade pode gerar a autovalorização ou seu oposto, a auto rejeição. Estudos comprovam que o racismo é a maior causa de depressão, ansiedade, vício e outros problemas psicológicos.

A falácia da democracia racial inscrita no clássico do sociólogo Gilberto Freyre é o que muito moldou e molda o pensamento brasileiro até hoje, mantendo o racismo naturalizado e velado. Após o fim da escravidão, o governo republicano, numa iniciativa de Rui Barbosa, mandou queimar todos os arquivos relativos à escravidão para apagar o que chamou de “mancha negra” da história do Brasil. Iniciou-se uma campanha de embranquecimento com o envio de muitos africanos de volta à África, o impedimento da entrada de novos africanos, bem como de asiáticos, e o incentivo à chegada dos imigrantes europeus. A partir dali tantas outras medidas foram tomadas para exterminar a cor negra de nossa população e manter negras e negros na marginalidade. A miscigenação só é socialmente aceita quando branqueia, não à toa as principais referências de beleza negra aceitas pela TV têm a pele negra clara, traços mais próximos da estética eurocêntrica, como Taís Araújo e Camila Pitanga. Quando a miscigenação escurece, ela é condenada. O embranquecimento está no espelho, está na conduta da polícia, está no fato de você não ver negros habitando o centro, enquanto 52% de nossa população é negra. O genocídio permanece. Será que nossa polícia não se revela como uma nova versão de capitães-do-mato? Será que o Estado ainda não pretende embranquecer?

“Não, eu não sou racista, até trato bem”. Mas será que vê a negra como a uma igual? Quando você desconfia de um negro na fila do banco e diz “ah, mas é porque ele estava de capuz”, “é porque ele tem aparência suspeita”, eu me pergunto, e se fosse um branco, teria aparência suspeita? E se seu filho branco namorar uma negra?

Retomando a questão da mulher negra, precisamos falar da perversidade por traz de algumas expressões. “Não sou tuas nega”. De onde vem tão usual expressão? Podemos remeter à sinhá dizendo isto ao senhor de escravos, que quando bem entendesse subjugava e estuprava mulheres negras. Lembremos da crueldade por trás da frase “Por que não faz uma progressiva?”, dos apelidos e piadas que depreciam a negritude.

 

Sonho ver em Resende Costa o dia em que mulheres negras usarão seus crespos e cacheados como bem entenderem, sem medo de serem julgadas. Negra, seu black power é a riqueza e o poder do nosso povo negro, africano, que vive em nós! E eu não sou morena, sou negra sim!

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário