O Verso e o Controverso

Os simbolismos do corpo humano na Bíblia: Olho, ouvido, nariz – parte 3

19 de Janeiro de 2017, por João Magalhães 0

Coluna em calcário de Tebas, cerca de 1.200 a.C. Por meio de um amontoado de orelhas procurava-se dar ênfase à oração.

Como já vimos, a metáfora semítica se detém mais na função do órgão do que no seu formato ou aparência. Em vez do olho, o olhar; em vez do ouvido, o ouvir.

O olho. “Como és bela minha amada, como és bela! São pombas, teus olhos, escondidos sob o véu" (Ct 4,1). “Seus olhos são pombas à beira de águas correntes” (Ct. 5,12 e 1,15), dizem os amantes um ao outro no “Cântico dos Cânticos”. Isso significa: teus olhares são mensagens de amor; o que teus olhos me dizem manifesta teu amor, tal como as pombas anunciavam a irradiação erótica das deusas do amor do Antigo Oriente, para quem elas eram sagradas”.

Os olhos como irradiação de beleza: “Lia tinha o olhar terno, e Raquel era bela de se ver e de se olhar” (Gn 29,17); como expressão de cuidados: Deus olha por você; como sinal de imortalidade, como entre os chineses”.

Mas também no sentido de conferir, de investigar, como olho controlador. No seminário menor onde estudei, no salão de estudos, na parede, no alto da mesa onde ficava o padre diretor, havia em letras garrafais a frase ameaçadora: “Deus te vê”! Como portador de coisas ruins, o temível mau-olhado, o olho invejoso de Sara para a serva Agar (Gn 16), dos filhos de Jacó para José (Gn 37), de Saul para Davi (1Sam 18,10s) etc.

Ouvido e orelha. Em sociedades de maioria analfabeta, os ouvidos têm um papel fundamental no aprendizado e a linguagem se reveste de signos mnemônicos. A consequência são os vários símbolos da orelha, por exemplo. Orelhas grandes simbolizavam juízo, sabedoria e imortalidade entre os chineses. Na África, a orelha tem significado sexual e na idade média era considerada sede da memória.

Na Bíblia, a frequência maior é o ouvido como símbolo da comunicação. “Em Israel eram consideradas sábias, aquelas pessoas cujos ouvidos eram abertos e que por isso tinham adquirido conhecimentos e experiências. Os textos precisam ser apropriados aos ouvidos, do contrário são de novo esquecidos. A forma encadeada, a dupla formulação de quase todas as declarações, os poemas alfabéticos e muitos outros recursos retóricos serviam como “abridores-de-ouvidos” (Schroer e Staubli).

Estabelece-se uma estreita relação entre Yaweh (Javé) e as pessoas por meio de um verdadeiro ouvir e ser ouvido, pois pressupõe-se naturalmente que Deus também tenha ouvidos capazes de ouvir.

Como símbolo de obediência (faz lembrar o nosso “puxão de orelhas”!), pois, há que se seguir a voz do Senhor. “A obediência é preferível ao sacrifício e a docilidade à gordura de carneiros [sacrificados no templo] (1Sam 15,22).

Também de pertença. Conforme Êx 21,6 e Dt 15,17, um ritual israelita prescrevia que a orelha de um escravo ou escrava que, de livre vontade, quisessem permanecer com seu senhor, fosse perfurada como sinal de que tal pessoa então pertencia inteira e totalmente à casa. Em todo o Oriente, costuma-se tornar visível a pertença a uma determinada divindade por meio de adorno nas orelhas (Gn 35,4 e Êx 32,2s).

Nariz. “Símbolo de coisas agradáveis e alegres. Gn 2,7: “Então Iaweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida...”; (Ct 7,9): “O sopro de tuas narinas perfuma como o aroma das maçãs”; Gn 24,22: “O homem [enviado de Abraão para conquistar Rebeca para ser esposa de seu filho Isaac] tomou um anel de ouro pesando meio siclo, que pôs em suas narinas...”; repetido no v47: “Então eu coloquei este anel em suas narinas (nosso moderno piercing?!) e estes braceletes em seus braços”.

No “Cântico dos Cânticos” o nariz da amada é comparado a uma torre sobre o Líbano voltada para a ambicionada cidade-oásis de Damasco: “...teu nariz como a torre do Líbano voltada para Damasco...” (Ct.7,5). Deve-se pensar não no tamanho do nariz, mas na qualidade digna de respeito e veneração do nariz e de sua dona amada”.

Mas igualmente do mau cheiro de excrementos e cadáveres. Am 4,10: “...Fiz subir às vossas narinas o mau cheiro de vossos acampamentos...”. Da fúria, quando Iaweh ameaça o rei da Assíria com a mesma humilhação e castigo que era colocar uma argola no nariz ou lábio inferior dos reis vassalos desobedientes, conduzindo-os como animais para a zombaria do povo: “porque tremeste de raiva contra mim e tua arrogância subiu a meus ouvidos porei meu anel em teu nariz e um freio em teus lábios; e far-te-ei voltar pelo caminho por onde vieste” (2Rs,19,28).

Resumo com Schoer e Staubli: “No culto, procurava-se acalmar o irascível nariz de Deus por meio do agradável odor dos holocaustos. Talvez não seja por acaso que no tempo da dominação assíria, especialmente incômoda para o nariz de Deus, tenha virado moda a queima de preciosos incensos para a intensificação desse efeito aplacador. A julgar pelas liturgias ortodoxas e católicas, a receita se conservou até hoje”.


(Fontes: Schoer e Staubli: “O Simbolismo do corpo na Bíblia”: Rômulo Cândido de Sousa: “Palavra, Parábola”: Maria Cecília Amaral Rosa: “Dicionário de símbolos – O alfabeto da linguagem interior”).

Simbolismos do corpo na Bíblia – Parte 2: A cabeça e os cabelos

15 de Dezembro de 2016, por João Magalhães 0

Sátiro sobre uma placa de Meguido (Israel; séc. XIII/XII a.C.). Em hebraico, o bode se chama “Cabeludo”. O demoníaco é relacionado ao cabeludo. De acordo com Lv, no Dia do Perdão, os pecados dos Israelitas são carregados sobre um bode, o qual é enviado ao demônio Azazel, no deserto.

Como abordamos na parte 1 desta série, as línguas semíticas primam pela riqueza simbólica de suas expressões, de seus signos. Para a construção de sua semântica, o corpo, sobretudo o humano, mas também dos animais, fornece uma vigorosa contribuição.

O vocábulo hebraico traz frequentemente uma riqueza escondida só descoberta pela análise de sua etimologia, de seu esquema sonoro (onomatopeias etc.), sua personificação, processo em que entra em cheio o corpo com seus múltiplos órgãos. É necessário descobrir primeiro o sentido original de um texto antigo para, depois, poder atualizar sua mensagem. “No texto hebreu fica transparente o paralelismo entre a história narrada e o simbolismo dos nomes” (R.C.de Souza: Palavra, Parábola, Ed. Santuário).

A maior força de comunicação dos seres humanos vem da cabeça e suas partes. Daí, em nosso vernáculo: o “perder a cabeça”, “menear a cabeça”, “cabeça dura”, “arregalar ou piscar os olhos”, ”empinar o nariz”, “face a face”, “ouvidos moucos” “bocudo”... Nas culturas orientais e em Israel - terra da Bíblia – é a mesma coisa.

O espaço permite apenas uma degustação, seguem, pois, curtas pinceladas, alongando-as um pouco mais nos cabelos, devido a seu forte simbolismo em todas as culturas.

“A cabeça: ápice do ser humano. A cabeça do ser humano desde sempre foi considerada a mais proeminente das partes do corpo. Tornando-se pars pro toto, ela representa o ser humano por inteiro”, escrevem Schoer e Staubli, meus padroeiros nesta série e donde vêm todas as citações (“Simbolismo do Corpo na Bíblia”); e continuam: “destarte, a cabeça é ao mesmo tempo particularmente ameaçada e singularmente honrada”.

Daí o significado horrendo da decapitação, que é o completo extermínio humilhante da pessoa e a longa tradição na Ásia Menor dos crânios como troféus de guerra etc.

Mas também, a parte honrada. Desde o período neolítico, os crânios dos mortos eram cuidadosamente sepultados à parte ou belamente enfeitados e colocados nos aposentos da casa. No Egito, por exemplo, era costume colocar amuletos em forma de cabeça junto aos mortos como forma de garantir o funcionamento do corpo para além da morte.

E na Bíblia, “as cabeças dos profetas e reis eram ungidas ou coroadas. “Então Samuel pegou um frasco de azeite e o derramou sobre a cabeça de Saul..(lSam,1): “Aproximou-se dele uma mulher, trazendo um frasco de alabastro, derramou-o sobre a cabeça dele[Jesus]” (Mc 14,3); o gesto de inclinar a cabeça em ato de humildade ou de cobri-la de cinza em momentos de tristeza e desespero; o profeta Amós condenando severamente os que “esmagam sobre o pó a cabeça dos fracos(Am 2,7); o verso da apaixonada no “Cântico dos Cânticos: “Meu querido é claro, rosado, o mais insigne entre dez mil. Sua cabeça é um lingote de ouro” (Ct 5,10-11).

O destaque vai para o cabelo que simboliza vitalidade, erotismo, força física, virilidade, sedução, vaidade, virtudes e as propriedades das pessoas. “Desde os tempos antigos até hoje, por assim dizer, o cabelo longo e forte é um símbolo humano, até mesmo divino ou ainda demoníaco, de vitalidade e de erotismo, de rebeldia e de protesto”. Tem simbolismos múltiplos, vastos e universais, expressos pelos mitos, costumes e as artes de cada povo. Cabelos em partes diferentes do corpo têm significados diferentes.

Voltando à Bíblia, impossível não se referir à lenda de Sansão e Dalila. “Faz parte de uma tradição de heróis cabeludos do Oriente Próximo. Na Bíblia, Sansão personifica o tipo do nazireu: um homem consagrado a Deus, que não bebe vinho, não encosta mão em cadáver e cujo cabelo jamais uma navalha deve tocar” (Nm 6,2.4.5.6).

Raspar a cabeça é uma grande vergonha não somente para as mulheres, mas também para os homens (2Sam 10,4). Somente em casos de luto, o símbolo- cabelo enfraquece. Os homens ocultam a barba, e as carpideiras arrancam os cabelos. O ritual do descarrego dos pecados sobre o bode, em hebraico “O cabeludo”, é um símbolo de grande força.

Mas de uma forma geral, o cabelo tem um sentido positivo, desde a cabeleira abundante dos jovens (Ez 16,7) até os veneráveis cabelos grisalhos dos idosos: “cabelos brancos são coroa de honra; a gente os acha nos caminhos da justiça” (Pr 16,31).

“No Cântico dos Cânticos, até mesmo o cabelo solto da amada é cantado no mais alto tom, em imagem que expressa dinamismo, plenitude e força selvagem: “Desvia de mim teus olhos/, que me enfeitiçam. Tua cabeleira é como uma tropa de cabritas/Cascateando do Guilead.(Ct 6,5)”.

Simbolismos do Corpo Humano na Bíblia: A garganta – Parte 1

17 de Novembro de 2016, por João Magalhães 0

Detalhe de um relevo do palácio de Assurbanípal em Nínive (Iraque; 668-626 a.C.). Em uma comemoração de vitória por ocasião da tomada de uma cidade elamita pelo dominador assírio, as mulheres cantarolam e fazem vibrar a garganta.

O corpo humano contribui muito para a linguagem simbólica, ou seja, suas funções, atitudes, posturas, gestos, aspectos físico-anatômicos, expressões emocionais, muitas biologicamente padronizadas e muitas mais outras, moldadas pela cultura, que gera costumes, que geram sinais, que geram a linguagem simbólica, que gerou o alfabeto fonético, ampliador quase ao infinito da linguagem humana.

Nossa leitura da Bíblia – a grande contribuição do povo hebreu para o mundo –, durante muito tempo, foi feita com lentes ocidentais, ou seja, com “óculos” fornecidos pelos gregos e romanos antigos. Nos tempos últimos, porém, graças ao trabalho de exegetas que se aprofundaram e ainda se aprofundam no estudo e vivência da cultura semita, está-se usando muito os “óculos semitas” que focalizam bem mais nítido a linguagem dos povos bíblicos (sumérios, assírios, babilônios, acadianos, egípcios, medos, persas, hebreus etc.).

Com isso, clareando, ampliando, e, sobretudo, aflorando a opulência de conteúdo do texto bíblico, e protegendo-o, ao mesmo tempo, de perigosas leituras literalistas.

Em artigo recente (OESP, 21/08/16) de Leandro Karnal – intelectual com muita evidência atualmente – encontrei confirmação e extensão do que sempre valorizei: a importância de uma educação para o olhar e para o ouvir (imagem e som), a importância de trabalhar com uma pluralidade de discursos. A visão de mundo, com isso, é muito mais vasta, ampla, aberta, transparente, diáfana, tolerante.

Frente à Bíblia, sem dúvida o livro religioso que mais energizou e energiza o mundo para o bem ou mal, acho que a aplicação da pluralidade dos discursos, em que ela é muito rica, só contribui, só a valoriza.

O signo bíblico mais usado, atualmente, verdadeiro mantra nos cultos, principalmente dos assim autodenominados evangélicos, é o Aleluia!.  Exclamação litúrgica: “louvai a Yhwh” (Javé) que aparece muitas vezes no Antigo Testamento, máxime nos salmos, mas só uma vez no Novo: Ap 19,1-6.

Motivou-me o iniciar desta série com o título acima, pois, o “aleluia” tem estreita ligação com a garganta que por sua vez tem um valor simbólico muito profundo na linguagem bíblica.

Os exegetas Sílvia Schroer e Thomas Staubli (“Simbolismo do corpo na Bíblia”) escrevem: “É uma experiência tocante quando as orientais prorrompem em jubilosa alegria em uma festa de casamento. Elas emitem altos sons enquanto tremulam a mão na garganta. Produz-se um trinado curioso e penetrante. De forma altamente colorida esse cantarolar é denominado hallel em hebraico, comparável à nossa palavra “ulular”. O convite a cantarolar se expressa com hallelu, e quando se deve cantar para Yhwh, diz-se,  hallelu-ya. Pelo ulular e pelo cantarolar do “aleluia”, brota através da garganta um grito primordial do interior da pessoa humana”.

A simbolização do antigo oriente opera muito com o dinamismo do objeto mais do que com sua forma, criando dessa maneira metáforas instigantes. Daí a simbolização vasta e profunda da garganta com suas funções sonoras (cordas vocais), respiratórias, duto que é para os pulmões e gustativas dos alimentos ingeridos. A palavra hebraica nefesh, garganta, apresenta uma ampla gama de significados.

“Concretamente relacionada com a garganta, portanto, nefesh não significa apenas o órgão da garganta visível, mas também a garganta audível que chama, reclama ou grita, e a garganta ávida, insaciável, faminta e sedenta, devoradora ou ansiosa pelo ar. Em resumo, tudo o que entra e tudo o que sai da pessoa humana – ar, água, alimento, voz, fala – concentra-se no desfiladeiro da goela. A nefesh torna-se símbolo da pessoa carente, desejosa, significa aquele elã vital, aquela força que faz a pessoa um ser sequioso de vida”.

“O Senhor Deus modelou o ser humano com o pó apanhado do solo. Ele insuflou nas suas narinas o hálito da vida, e o ser humano se tornou um nefesh vivo. (Gn 2,7).

O espaço nos permite apenas citar alguns outros símbolos, além de vida e pessoa. Por exemplo: emoção, (“nó na garganta”); integralidade do ser, pois a garganta (pescoço) une a cabeça ao corpo. Daí a trágica simbolização da execução por decapitação, significando o completo extermínio de um inimigo; a alma nos seus diversos significados dentre as culturas.

Setembro Amarelo

14 de Outubro de 2016, por João Magalhães 0

Nada a ver com os ipês floridos de setembro que tanto embelezam matas e praças de nossa terra.

Então, o que é setembro amarelo? É uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio com o objetivo de alertar a população a respeito da realidade do suicídio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção.

Ocorre no mês de setembro desde 2014 por meio de identificação de locais públicos e particulares com a cor amarela e ampla divulgação de informações. O movimento acontece todo mês de setembro em todo mundo. Há uma atenção especial no dia 10 de setembro, pois é o dia mundial de prevenção do suicídio. Portanto, é o amarelo do alerta, da chamada de atenção.

O assunto não é novo neste espaço. Há muito tempo, em “Suicídio, você já pensou nisso?” expus ao leitor a formação moral católica, considerando o suicídio o pecado mais grave depois do homicídio, cominando o suicida com penas como negação de exéquias, proibição de sepultamento em lugar sagrado etc.

Acho que agora posso dizer que isso já é passado. Tenho até uma resposta do professor da UNESP, José Manuel Bertoloto, à pergunta em que medida convicções religiosas ajudam a prevenir ou levam ao suicídio: “A maioria das religiões – cristianismo (católicos, protestantes e espiritualistas), islã, budismo, hinduísmo – desaprova e condena fortemente o suicídio. Nos seguidores dessas crenças, as taxas de suicídio são consideravelmente mais baixas do que entre os ateus”.

Uma vivência de cinco anos no ambiente hospitalar (capelão religioso) e o contato com sobreviventes de suicídios frustrados levou-me à convicção, há muitos anos, de quanto esta postura era injusta e quanto prejudicava a prevenção para que este “pecado” não acontecesse. Pelo contrário, criou um tabu na família, que se envergonhava de ter um membro suicida, gerando um silêncio a respeito que ainda perdura.

Nenhum dos suicidas (conheci alguns), nenhum dos sobreviventes cometeu pecado. Todos passavam por descontroles emocionais e mentais profundos.

Como aliás confirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, que após apresentar as estatísticas auferidas de 31 artigos científicos que analisaram 15.629 casos de suicídio no mundo, em 96,8% dos suicídios as pessoas tinham algum diagnóstico de transtorno mental quando se mataram – 35,8% sofriam de transtornos de humor (depressão e transtorno bipolar são os mais comuns); 22,4% tinham histórico de abuso de álcool e drogas; 10,6% sofriam de esquizofrenia. “Quando você detecta que alguém tem aids, faz-se uma notificação compulsória e o Estado vai atrás para tratar. Não temos isso em caso de suicídio. Onde no Brasil você consegue marcar consulta com psiquiatra em menos de três meses na rede pública?”, indaga o presidente da ABP.

O número de suicídios aumenta a cada ano. Por exemplo, no Estado de S. Paulo, de 4,6 casos por 100 mil habitantes, em 2008, passou para 5,6 em 2014. Os homens são 80% das pessoas que cometeram suicídio. Segundo o psiquiatra Jairo Bouer que forneceu estes dados (“Suicídio: como prevenir”) isto é explicado “por uma combinação de fatores, entre eles: maior resistência dos homens em reconhecer dificuldades emocionais e buscar ajuda em fases de crise, menor interação em grupos sociais, maior consumo de álcool e drogas, maior pressão por desempenho profissional e ganhos mais elevados, maior competitividade e impulsividade até 2020”.

A prevenção, a meu ver, começa pela superação nada fácil de dois tabus: Consulta com psiquiatra. “É triste perceber que ainda há gente que pensa que ir ao psiquiatra é coisa de louco” (Vanessa Bárbara: “Histórias Psiquiátricas”) e o mutismo dos familiares. “Acho que muitas pessoas não falam em suicídio porque é uma pecha de fracasso da família, fracasso daquelas pessoas que a amavam, algo como ‘que amor é esse que não consegue manter a pessoa na vida?’”, comenta Ivo O. Farias, que participa de dois grupos de apoio – CVV (Centro de Valorização da Vida) e Vita Alegre – desde que perdeu a filha de 18 anos (2014), que deixou um bilhete: “Gente morta não decepciona ninguém”!

De novo Jairo Bouer: “Para prevenir suicídio é fundamental quebrar tabus em relação à saúde mental, fazendo pessoas e familiares reconhecerem problemas emocionais graves e quadros psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia e abuso de substâncias como ameaças concretas à vida. Essa questão é ainda mais sensível na população masculina, onde cobranças sociais e a margem para lidar com eventuais crises são tão estreitas. O desafio é vencer o silêncio que cerca a vida emocional de boa parte de nós. É importante estar alerta e oferecer suporte para quem precisar!”.

Daí a importância do “Setembro Amarelo” que potencializa o que deve ser feito a vida toda. É o que penso. E você?

 

Obs.: Se houver interesse, clique no Google: “Prevenção do suicídio – um manual para profissionais da saúde em atenção primária”, publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Fonte: O Estado de S. Paulo - 10/9/2016.

Eleições vêm aí; e a Lei da ficha limpa, hein?!

16 de Setembro de 2016, por João Magalhães 0

Para quem está caminhando, é bom, de vez em quando, olhar para trás e avaliar o percorrido.

Faz 20 anos (1996) que a operação Mãos Limpas (Mani Pulite), na Itália, encheu de esperança os cidadãos italianos desejosos de uma moralização política por um combate efetivo e punição de corruptos e corruptores.

Em dois anos, seis ex-ministros, 500 representantes políticos, prefeitos e muitos empresários foram conduzidos aos tribunais e muitos à cadeia. Em 1996, pesquisas mostravam que 91,8% dos votantes apontavam a corrupção como um problema, menor apenas do que o desemprego.

Acho que situação semelhante vive o cidadão brasileiro frente às eleições que vêm aí.

A “Mãos Limpas” deu resultado? Pouco, muito pouco, conforme estudo analítico feito pelo italiano Alberto Vanucci, sintetizado por Roberto Romano – professor de Ética da UNICAMP/SP - em excelente artigo “Canalhocracia” (OESP 19/6/16 A2) que brevemente apresento.

A corrupção virou o jogo. “Os corruptos abriram guerra contra juízes e promotores e os acusaram de atuar politicamente sem votos”. As novas leis mais rígidas só aumentaram o valor das propinas. “Resultaram da luta empreendida a impunidade de políticos como Berlusconi e a leniência em relação a empresários corruptos”.

“Os eleitores da Itália não foram além do apoio emotivo e passageiro aos investigadores e juízes”. Tanto que, “após 2008 só 0,2% considera a corrupção como gravíssimo obstáculo para o Estado e a sociedade”.

“No âmbito empresarial, a predominância de famílias donas de empreendimentos possibilitara novos elos amigáveis e corruptos com gestores públicos, o que lhes garante vitórias em obra públicas etc”.

“O número de condenações despenca: 1.714 em 1996 e 239 em 2006”. “O juiz Gherardo Colombo afirma que “da ótica judicial”, a Mani Pulite foi inútil, ou pior, danosa. O fracasso quase completo para assegurar condenações (de 3.200 acusados, 2.200 foram soltos...). Outro juiz, Piercamillo Davigo, mostra que os predadores aumentaram, com a pressão da Mãos Limpas, sua forma e habilidade criminosa. Ela lhes serviu para aperfeiçoar a bandidagem própria e alheia”.

A atual situação brasileira caminha para uma “italianização”? A “Lava-jato” tão esperançosa para a nação terá o mesmo fim da Mani Pulite? Corre risco. O próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, reconhece, ao referir-se a desentendimentos no poder judiciário: “O que está acontecendo neste exato momento [reação contra a Operação Lava-Jato] não é novidade no mundo. Isso aconteceu exatamente, em outra proporção na Itália” (OESP 24/8/16ª5).

Fatos recentes não apontam para otimismo. Corrupção, politicalha, aproveitadores, rapineiros etc. se “encorjam” muito bem e têm forças muito competentes. Manejam estratégias eficientes como a infiltração nas comissões dos órgãos legislativos. A intenção é anular ou abrandar leis ou determinações, por exemplo, a proveitosa lei da delação premiada (lei 12.850 de 2/8/13) e agora a Comissão Especial da Câmara que analisa as medidas de combate à corrupção: propostas muito boas (acho eu) dos Procuradores Públicos. Claro, visa-se ao afrouxamento das medidas. O relator (dep. Onix Lorenzoni, DEM/RS) já alertou: “Todos nós sabemos como é composto atualmente o Congresso Nacional. Não é à toa que tivemos um presidente da Câmara cassado no Conselho de Ética. O receio que eu tenho é de que a gente não consiga reunir uma maioria parlamentar para impedir a desfiguração na comissão e no plenário” (OESP 23/8/16).

Outra estratégia é o esquecimento, ou seja, adiar, prorrogar, pedir vistas etc. Quanto mais o tempo passa, mais perdem vigor as pressões sociais, a publicidade... e as imunidades, as suspensões, os recursos vão durando...durando!

No judiciário, ultimamente, vale a tática do Império Romano: Divide et impera. Crie desavenças, consiga divisões internas, provoque competição, insufle ciúmes, dê mais para um grupo do que para outro, nas forças inimigas e vencerá.

Para quem pode praticá-la (executivos e legisladores), a troca, quando não chantagem, também funciona: despache a nosso favor que nós votaremos os aumentos que pretendem...

E com a técnica de brechas, furos e falhas nas leis – e contam para isso com especialistas de primeiro naipe – conseguiu por estes dias uma grande vitória. A tão sonhada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 4/6/10) praticamente esfarinhou-se quando o STF julgou que a competência para declarar inelegibilidade de candidatos é das Câmaras e não dos Tribunais que julgam as contas.

Tá certo, quem analisa bem a lei da Ficha Limpa, concorda: tem seus defeitos, mas dizer que “parece que foi feita por bêbados” (ministro Gilmar Mendes), aí, já é demais!...É menosprezar uma lei de iniciativa popular, com um milhão e seiscentas mil assinaturas de cidadãos brasileiros que praticamente forçou o Congresso a votá-la. Ainda bem que houve retruque (ministro Barroso).

Com a “qualidade” (!) das câmaras que assolam politicamente o país, quantos políticos ficarão inelegíveis?! Manchete recente (19//8/216) da imprensa: “Ficha Limpa pode barrar 4,8mil candidatos no País”. Eu não acredito. E você?