“Como confessor, mesmo quando me deparei com uma porta fechada, procurei sempre uma abertura, uma fresta, para abrir aquela porta e poder conceder o perdão, a misericórdia”. (Papa Francisco)
Quando estava lendo o “O Nome de Deus é Misericórdia”, considerado o primeiro livro do papa Francisco, a frase que destaquei acima chamou-me a atenção, especialmente devido ao conturbado momento político pelo qual o Brasil está passando. Antes, porém, de dizer o porquê de minha admiração pela frase, informo que o livro em questão trata-se de uma entrevista exclusiva que o papa Francisco concedeu ao jornalista e vaticanista italiano Andrea Tornielli.
A conversa de Francisco é simples e sedutora; papo de um simples e experiente pastor que deseja conversar com suas ovelhas, indicando humildemente qual o melhor caminho a seguir. Francisco nos convence de que a sabedoria nem sempre se encontra em profundas e “indecifráveis” doutrinas. Em seu livro, ele dispensa os densos conceitos teológicos sobre o perdão, sem necessariamente fugir da amplitude profunda do significado divino e ao mesmo tempo humano de perdoar. O papa jesuíta fala do perdão não como ideia abstrata e inteligível, mas uma necessidade do ser humano.
É normal quando refletimos sobre o perdão nos apegarmos a conceitos essencialmente religiosos. Pedir perdão a Deus, logo receber a penitência como pena de um delito que cometi: na maioria das vezes é essa a lógica que norteia nosso entendimento sobre o perdão. Francisco, no entanto, apresenta-nos o outro lado do pedir e conceder perdão. Ele nos convence de que o perdão não se esgota em nossa relação transcendental com Deus. Ao contrário, o perdão deve ser uma atitude inesgotável nas relações humanas – nas mais amplas e profundas relações humanas (social, política, familiar etc.).
Se antes de nos ajoelharmos perante Deus para suplicá-lo o perdão por nossas faltas, dialogássemos com nossos semelhantes, a quem ofendemos das mais diversas formas possíveis, certamente contribuiríamos para a construção de uma sociedade pautada na tolerância, no entendimento, na capacidade de ouvir e aceitar pensamentos e ideias divergentes. É isso que brota da entrevista de Francisco a Andrea Tornielli.
Quando olhamos para o atual cenário político/social brasileiro, não há como não pensar nas palavras de Francisco sobre o perdão. Ele nos ensina, com a sobriedade e a sensibilidade de um verdadeiro mestre, que devemos insistir sempre no perdão. Porém, o que temos visto nas ruas de nossas cidades nos últimos tempos são atitudes e palavras contrárias ao que pede o papa. Sem falar no exemplo dado por nossos ilustres dirigentes e representantes de Brasília.
No patético e cômico púlpito de onde suas excelências proferiram voto para a admissibilidade do impeachment da presidente Dilma, o que mais se ouviu foram inflamados discursos carregados de ódio, divisão, vingança e intolerância. O Congresso brasileiro infelizmente transformou-se em caixa de ressonância das ruas de nosso país, onde há muito a divisão, o ódio e a intolerância predominam em discursos raivosos, vindos de todos os lados e ideologias.
Falar, enfim, sobre perdão num campo de batalha política, onde a luta maquiavélica pelo poder cega desde o general até o simples recruta, parece utópico. Todavia, onde houver uma fresta e uma porta aberta, vale a pena, como insiste Francisco, procurar o perdão, o diálogo, a tolerância e o entendimento.