Voltar a todos os posts

Dona Filomena – Parte I

17 de Marco de 2021, por Evaldo Balbino

Atrás de si uma penteadeira. Suspenso na parede ao lado direito, o quadro da Mãe Rainha segurando amorosamente ao colo o Menino Jesus. E os três (penteadeira, Virgem e Menino) namoram dona Filomena num canto memorioso.

Enquanto Filó entoa músicas sacras, a Virgem Mãe olha para ela também com amor e vitoriosa, e faz isso por ver em dona Filomena uma mulher vivida e grata pelas graças recebidas. Nas suas nove décadas e um ano de vivência, essa cantora e risonha mulher participou de casamentos, carnavais, batizados, folias de reis, primeiras comunhões, festas do Rosário, bailes, festejos vários, crismas e muitos outros eventos ligados entre si, sem a separação entre o profano e o sagrado. Cada um de nós é um todo indivisível. A impenitência e a contrição, a alegria e a tristeza – tudo isso louva a Deus que nos sabe humanos.

Como que debulhando um rosário de felicidade e suplicando sem desespero à Virgem Maria “Mãe, Rainha e Vencedora Três Vezes Admirável, / Mostra-Te Mãe na minha vida, / Toma-me nos Teus braços, toda vez que sou frágil.”, Filomena faz soar sua voz em latim.

Primeiro o canto da Verônica, o que é entoado na Sexta-Feira da Paixão durante a procissão do enterro de Jesus. Fez esse solo por anos seguidos. A primeira vez que o cantou tinha aproximadamente 19 anos, e o padre Nélson segurava o microfone enquanto ela cantava, no adro da Igreja da Matriz. Depois desse canto à capela, uma dolorosa e doce Ave, Maria por ela é entoada, assim como fez em várias apresentações da Orquestra Mater Dei e também em casamentos, profissionalmente. A umidade ondulada da voz é lágrima sonora.

Depois, em meio à natureza enraizada em seu quintal, seus braços e boca entoam a clássica, simples e bucólica Sertaneja de René Bittencourt, primeiro sucesso desse compositor gravado em 1939 por Orlando Silva. E o amor à mulher sertaneja é poroso na melodia de dona Filomena: “Sertaneja, se eu pudesse, / Se Papai do Céu me desse / O espaço pra voar, / Eu corria a natureza, / Acabava com a tristeza / Só pra não te ver chorar.”. E o canto da mulher de agora refaz o dueto que ela compunha com o seu esposo no outrora. Mostra com orgulho e doçura o banner que os filhos fizeram em 2005 para a comemoração das bodas de ouro do seu casamento. O painel reproduz a foto do matrimônio de quase sete décadas atrás, em que ela usa o vestido nupcial de feitura das próprias mãos. Em 2007 o marido, Dezinho do Fumal, faleceu, mas a foto, o banner, a canção e a imperiosa memória tudo eternizam.

Ainda no quintal, seu corpo esperto diante de alamandas amarelas amando a vida. De sua boca em pompa exala-se o hino que foi composto em Resende Costa para recepcionar os resende-costenses que voltavam da II Grande Guerra. Até hoje Filomena o canta com dicção e vigor. As alamandas, cerca-viva, cobrem um muro de pedra da época dos escravos, o qual dá nome ao bairro “Beira-Muro”.

Dona Filomena também se lembra da compositora, poetisa e maestrina Dona Guiomar Sampaio. Ambas se conheceram quando os rapazes e as moças ficavam “fazendo avenida”, indo e vindo de uma ponta à outra nologradouro central da cidade. Devo dizer-lheque também peguei o resto desse tempo, uma vez que ainda nos anos de 1980 e 1990 também se “fazia avenida”, desse mesmo jeito, nos fins de semana e em dias de festa. Natural de Visconde do Rio Branco – MG, Guiomar Sampaio se mudou com o maridoSô Florianoe filhos para Resende Costa no janeiro de 1951. Em 1956 a família foi-se para Lagoa da Prata. Nessa estada na Cidade da Laje, amusicista compôs uma canção e a ofereceu a dona Filomena para que esta a cantasse ao som do violino e de outros instrumentos. Fala de amor a letra, o sempre amor: “Teu lindo olhar / me ilumina, me fascina; / é o luar / cuja luz purpúrea me domina. / Tens no olhar / a ventura de um amor / nascido ao luar, / as serenatas de um cantor. / Teus olhos são mágicos, / melancólicos e nostálgicos. / Só me transmitem felicidade / longe de ti na soledade. / Tens neste teu lindo olhar / um feitiço que me salva / e, no santuário feito para amar, / o inferno azul em que perdi minh’alma”.

Dona Filó começou a trabalhar aos 7 anos, quando aprendeu corte e costura na casa da dona Josina Lara, filha do primeiro casamento do Sô Quinzinho. Lendo aquelas medidas, interessou-se e aprendeu o corte centesimal. Tornou-se, segundo ela, modista e não costureira.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário