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Glasnost e Perestroika

12 de Fevereiro de 2019, por Evaldo Balbino

Em 1992 cheguei ao primeiro ano do Ensino Médio, à época chamado 2º grau, com muitas apreensões. Uma delas era o encontro, que seria “fatídico”, com um professor de Geografia famoso na cidade por ser muito exigente com os alunos. Lá no 1º grau, quando nós os alunos nos mostrávamos relapsos pelo talento macunaímico da nossa idade ou brasilidade, uma professora chegou a nos dizer algumas vezes do nosso futuro mestre: “Vocês vão ver o que é professor que cobra muito! Vocês é que não aprendem a ser mais dedicados! Etc., etc.” Eu ouvia os sermões com a mente mirabolando coisas terríveis. Nós e aquela nossa mania de sempre, principalmente lá nos princípios da vida, de fazer do mito um mitão.

E eis que se aproximou a hora. O professor de Geografia, na primeira aula, chegou compenetrado e, aos meus olhos, ranzinza. Colocou o material sobre a mesa e foi falando um pouco de si, das suas aulas, da sua metodologia de ensino. Em seguida, apresentou-nos o programa do que seria trabalhado durante todo o ano. E nessa mesma primeira aula (eram duas geminadas), já começou a aprofundar-nos nos meandros da geografia brasileira.

Assim o nosso início de bimestre foi transcorrendo com maravilhosas explicações, com aulas de dar gosto. O professor até brincava bastante, mostrava-se engraçado e companheiro, ia muitas vezes dar aula calçando meia e chinelo duma forma exótica e alegre para todos nós. Naquelas aulas de início de ano, o mitão se descontruía na minha cabeça.

E o educador ia falando do Brasil como país subdesenvolvido e ao mesmo tempo industrializado. Situava nosso Estado no contexto internacional, dizia da sua modernização e das suas relações comerciais e financeiras com o exterior. Depois, aulas mais adiante e num recuo temporal, foi explanando sobre a formação histórico-territorial da nossa nação. Ensinou sobre o seu povoamento e a sua expansão territorial e, chegando ao presente, discutiu a respeito da ocupação e da divisão político-administrativa das nossas terras. Também nos embrenhamos pela estrutura industrial e pelas características da industrialização brasileira, discutindo a concentração das indústrias em São Paulo e como todo o processo industrial interferia na organização do espaço geográfico. Entremeando tudo isso, vinham risos, piadas, atividades várias e avisos recorrentes de que deveríamos estudar cotidianamente porque logo teríamos a primeira prova.

Nas discussões e atividades, me lembro das imagens do livro didático: tratores entre plantações, homens sobre caminhões cheios de cana, o luxo e a pobreza lado a lado nas cidades, máquinas modernas e mão-de-obra mal remunerada, prédios e logomarcas de multinacionais dominando nosso país, gráficos mostrando a desigual distribuição de renda entre nossos povos, índios em suas reservas lutando contra a invasão de brancos, imigrantes japoneses em São Paulo, arquitetura alemã em Gramado, sertanejos duros entre cactos rijos, caiçaras em palafitas pelo litoral paulista, homens tornados máquinas em linhas de montagem automobilística na região do ABC de São Paulo, companhias siderúrgicas, indústrias aeronáuticas e têxteis... E a capa do livro estampava homens com capacetes e serras elétricas, esses mesmos homens descansando sobre árvores cortadas. Um verde desolado na imensidão da mata.

No dia da prova, da desapiedada e terrível prova, eu estava a postos, sabendo tudo na ponta da língua, prestes a cantar as riquezas e a denunciar com minha caneta azul as mazelas do meu país. Papéis colocados sobre a carteira, duas laudas com fino sadismo para me tornar tenso. O que caiu na prova?! Um russo que na verdade era grego para mim. E quem acabou caindo fui eu! O professor deu dois textos falando sobre uma tal de Glasnost e uma dita cuja chamada Perestroika. Entendi pouco daquilo, beirando a não entender bulhufas. Remei naquelas águas para mim estranhas, longe do meu país subdesenvolvido e industrializado. “Longe”, de acordo com o meu desconhecimento naquela ocasião.

Lembro que fiquei bravo com o professor. Não falei nada com ele diretamente, mas confesso que em pensamento cuspi maribondos, raios de partir árvores inteiras. No entanto, pequei do mesmo jeito. Afinal, em pensamento também se peca. Humanamente infeliz, fui para casa depois da aula naquele dia. E só com o mestre tempo fui entendendo a importância daquele professor que aos poucos levava novidades e desafios para mim.

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