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Mata virgem no fundo da vida

16 de Fevereiro de 2017, por Evaldo Balbino

Lu e Tila eram duas irmãs fazendo suas mágicas no fundo da horta, que era um valezinho bem mais para baixo do nível da casa paterna.

Entre bananeiras, um pé de jabuticaba, piteiras, pés de ora-pro-nobis e taioba, elas fizeram sua casinha com telhado de varetas cruzadas sob folhas secas e capim. As paredes eram lonas pretas, retesadas por paus fincados no chão e presas na base com pedras para que o vento não fizesse traquinagens.

Os utensílios e móveis que tinham, sem nenhuma ajuda de ninguém adulto, eram simples e dadivosos. Os bancos e as prateleiras eram tijolos e madeiras sobejados de construções. As toalhas e os guardanapos, retalhos velhos não aproveitados no tear. A mesa da cozinha, uma pedra de mármore já um pouco carcomida de que o pai se desfizera e que ficou elegante sobre os tijolos regulares. As vasilhas eram sobras da cozinha da mãe. Televisão e geladeira não tinham: quase ninguém possuía esses confortos, daí elas não se preocuparem com isso. Para cama, bem no canto do barraquinho, sacos trançadinhos estendidos sobre folhas de bananeira. Sobre os sacos, ásperos para corpinhos cansados, colchas velhas de retalho que também eram restolho muito aproveitável do enxoval da mãe.

Todo santo dia, vinham afazeres infindáveis. A vassoura não parava nunca. Varria e levantava poeira, que o chão era de terra mesmo. E depois a luta das meninas para remover o pó dos móveis. Não queriam, porque não queriam de jeito nenhum, que alguém chegasse ali e escrevesse desaforos sobre a mobília, como aqueles que elas viam nos fuscas pelas ruas. Um “Lave-me por favor!” que era mais um deboche direcionado ao dono do veículo do que um pedido de socorro do pobre e sujo carrinho. Além do mais, sujeira não é bonito, pensavam consigo as irmãs trabalhadeiras. Lenço na cabeça, espanavam tudo, e tudo limpavam com esmero exemplar.

Aquele era o mundo delas, bem melhor, longe dos mandos do pai e das cobranças da mãe. Ajudavam sim no tear, nos afazeres da casa, na varredura do passeio em frente da casa. Até as marmitas faziam para o pai comer lá na lavoura, que plantar e colher para ajudar no sustento de quatro pessoas não era nada fácil. Ajudar sim, porque os dois teares também contribuíam em sua faina com as despesas da família. A mãe num tear, sempre. E as duas irmãs se revezando em outro para não cansarem tanto, pois tinham que estudar, ajudar em casa e ainda cuidar de sua verdadeira morada, a que ficava lá nos fundos entre as ramas de ora-pro-nobis e os pés de taioba. Os gastos eram volumosos. Três mulheres e um homem; e as duas filhas eram boas de garfo, sim senhor!

Auxiliavam em tudo. Quando tinham trégua, porém, lá iam cuidar da sua casinha, a de verdade, na mata virgem no fundo da vida.

Nesse lar aconchegante (porque somente delas), poucos amigos entravam. Eram escassos os agraciados, os convidados por tão boas anfitriãs. A irmã de Lino era sempre um dos obsequiados por Lu e Tila. Ia lá muitas vezes, e voltava deslumbrada, contando detalhes daquela vida verdadeira, daquela vivência de se invejar.

Tempos depois, Lino entrou lá uma vez com a sua irmã. E da casinha guardou uma doce visão. As donas serviram afáveis e doces saborosas, colhidas ali mesmo na hora avançada da tarde. Tomaram uma limonada depois, para refrescar o calor e amenizar o doce que ficara impregnado nas bocas ávidas de vida.

O menino gostou tanto da visita, que depois disso mandou para as duas irmãs uma geladeira (um invólucro de vidro transparente que encontrara no barranco de lixo perto de sua casa e que era uma belezura). As amigas lhe ficaram muito gratas. Depois de lavada a geladeira, nunca deixavam de depositar nela água fria filtrada lá na cozinha da mãe.

Mas Lino se deslumbrou mesmo, quando lá na casa esteve, foi com os pés de ora-pro-nobis, as silenciosas e grandes ramas que ficavam ao redor do ranchinho. Eram cercas vivas orando pela proteção da casinha das amigas. Com suas flores brancas de miolo alaranjado, os arbustos deram ao menino uma sensação boa de paz, alegria e proteção. Ofertaram-lhe, naquele mundinho imenso das amigas, a fabulação importante e necessária nesta vida.

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