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Vem, que te quero, paz!

17 de Abril de 2018, por Evaldo Balbino

A Campanha da Fraternidade de 2018, cujo tema é “Fraternidade e superação da violência”, traz o slogan “Em Cristo somos todos irmãos” (Mt 23,8). Isso retoma a reflexão já pautada na mesma campanha em 1983. No cartaz daquele ano, crianças de mãos dadas e braços erguidos faziam coro com o lema “Fraternidade sim, violência não”. O cartaz de hoje estampa um menino sentado no chão, pernas dobradas rente ao corpo, braços cruzados sobre os joelhos e a cabeça pendida para os braços, com um rosto que não se vê, refugiando-se da vida violenta que o cerca. Lá o tema era “Fraternidade e violência”. Agora, 35 anos depois, volta o mesmo assunto, porém marcado pelo convite à “superação” das brutalidades que ainda grassam em nossa sociedade.

Foi em Resende Costa que eu, então com 6 anos de idade em 1983, ouvi várias vezes a canção carro-chefe daquela campanha. O som vinha da torre da igreja da Matriz. Tocavam lá um disco, e a música se propagava a partir de um alto-falante: “Pela paz e o perdão renovados, / caminhamos na luz do Senhor. / No amor e na fé irmanados, / celebremos a ceia do amor”.  Minha vontade de participar dessa ceia era tão imensa, que o céu era pouco para tanta fome. E a minha garganta cantava a música que gritava em mim. Eu ia cantando e repetindo “Fraternidade sim, violência não”, ia gritando aos quatros ventos o meu desejo de paz entre tudo e todos.

Porque até mesmo as coisas precisam ser tocadas com carinho por nós. Um banco na praça, uma pedra, a rua que pisamos. As janelas e portas que abrimos e fechamos, o anel com desejo de beleza ou histórias de afeto, a agulha que nos serve nas costuras da vida. Devemos amar e respeitas as coisas.

E o que direi das vidas? Elas levam dores, já que viver é também afligir-se. Mas há dores que podem e devem ser evitadas.

As plantas deveriam nos consumir a todos com suas belezas e dádivas. Uma flor; a grama simples do pasto ou dos canteiros; as árvores que olhamos e, muitas vezes, nem amamos; as samambaias e os girassóis; os ramos de cipreste; as trepadeiras...

Não entendo também a crueldade contra animais, até mesmo contra aqueles cuja carne as pessoas comem sob a permissão da lei. Não combato o hábito carnívoro, mas denuncio com afinco o modo terrível como muitos animais de corte vivem confinados e são abatidos. Há sem dúvida métodos mais amenos na irrefreável indústria da carne.

E quanto aos animais de estimação? Desde pequeno, sempre vi em Resende Costa maus-tratos a cães e gatos. Isso sem falar em pássaros selvagens, micos e outros bichos, todos cativos, os quais, por lei, nem deveriam estar em cativeiro. Até hoje muitos agridem ou envenenam nossos amiguinhos. E são vítimas principalmente os de rua, os que os próprios seres humanos, com desmazelo injustificável, deixam procriar, crescer e morrer sem eira nem beira.

E penso também nos animais humanos, pois do mesmo modo devemos ser cuidados. Dirão que isso é óbvio. E respondo que não é. Não comungo com a cultura antropocêntrica, porquanto sei que somos parte de um todo. O cosmos precisa de cuidado, e só cuidamos dele se cuidarmos de cada um dos seus elementos.

Desde criança fui vendo e ouvindo ferezas verbais e físicas entre pessoas em Resende Costa. E gradualmente meu campo de visão e audição foi crescendo, passando a atinar-se com mais notícias tristes do mundo. Agora mesmo, em março, uma mulher foi esfaqueada e morta bem no bairro dos meus pais. Uma mulher que vi nascer e crescer para a vida. Ao que tudo indica, tratou-se da intolerável “violência doméstica”.

Quantas mulheres são mortas por homens no mundo todo dia? Quantas pessoas são violentadas? Quantas crianças têm sua infância quebrada? Quantos animais são acossados por mero sadismo humano? Quantas plantas e coisas são feridas constantemente? Responder a estas perguntas é descrever um mundo triste, carente de paz. E é essa carência, decerto, que trouxe à tona mais uma Campanha da Fraternidade preocupada com a violência, esta planta daninha brotando entre nós.

Pensando em tudo isso, recordo vigorosamente o “Cântico das criaturas” de S. Francisco de Assis: “Louvado sejas, ó meu Senhor, / com todas as tuas criaturas”. Todas elas sim, porque devem ser amadas e respeitadas.

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