As cenas de destruição dizem por si. Estradas destruídas, ruas inundadas, cidades inteiras devastadas pela força das águas, animais desamparados e perdidos sobre telhados quase submersos, centenas de pessoas mortas e milhares de desabrigados. A tragédia sem precedentes na história do Rio Grande do Sul, causada pelas fortes chuvas que atingiram a região no final do mês de abril e a primeira quinzena de maio, reafirma a nova realidade imposta pelos fenômenos climáticos cada vez mais frequentes devido ao aquecimento do Planeta.
Além da frequência, nos últimos anos as catástrofes climáticas vêm atingindo o Planeta com cada vez mais intensidade. Países de clima frio sofrem com calor fora da média; secas severas nos trópicos e chuvas devastadoras. Desta vez, a vítima foi a população do Rio Grande do Sul. As enchentes atingiram quase todas as cidades gaúchas. A geografia da região banhada por diversos rios que desaguam no lago Guaíba e depois na Lagoa dos Patos, no sul do estado, criou condições para agravar ainda mais as inundações. Não se pode, todavia, ignorar o despreparo e a negligência do Poder Público que não se antecipou à tragédia, deixando de lado ações preventivas e emergenciais que poderiam minimizar os problemas e evitar mortes.
A culpa pelas catástrofes ambientais não é da natureza. Como um organismo vivo, a natureza vem reagindo às constantes e desmedidas agressões causadas a ela pelo homem com sua voracidade por produzir riquezas. A urbanização desenfreada e sem o devido planejamento desvia cursos de rios, ocupa áreas onde outrora a natureza escolheu para escoar a água em excesso de rios e lagos; desmatamento; lançamento de gases tóxicos na atmosfera do Planeta. O resultado de tudo disso? O clima sofre os efeitos das agressões que causamos à natureza que reage de forma cruel e impiedosa. A humanidade se torna vítima dela mesma.
A tragédia que assola quase todo o estado do Rio Grande do Sul nos faz lembrar do que aconteceu em Petrópolis na região serrana do Rio de Janeiro, bem como nas cidades mineiras arrasadas pelo rompimento de barragens de rejeitos de mineração. São tragédias anunciadas, mas mesmo assim as autoridades não se prepararam, deixando a população impotente e à mercê da sorte. Triste e desolador ver famílias que perderam seus entes queridos, ficando sem abrigos e sem esperança por dias melhores.
Precisamos avaliar a nossa relação com a natureza. Os fenômenos climáticos que vêm causando tragédias severas em todos os cantos do Planeta servem de alerta. Devemos nos preparar para eventos climáticos extremos que exigirão respostas rápidas das autoridades. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse no domingo, 12, em entrevista ao jornal O Globo que será necessário “criar uma UTI climática” em resposta aos constantes desastres ambientais.
Ao invés de se pensar em novas tecnologias para enfrentamento à fúria da natureza, não seria mais eficaz partirmos para uma efetiva e real mudança de comportamento? Não seria hora da humanidade passar a se relacionar com mais respeito com a natureza, poluindo-a menos, utilizando com racionalidade os recursos renováveis, produzindo menos lixo tóxico, economizando água e outros recursos naturais? O teólogo Leonardo Boff, ao refletir em suas redes sociais sobre a tragédia humanitária, climática e ambiental causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, alerta sobre a nossa relação com a natureza. “Creio que devemos entender o fenômeno: é a reação do estado novo a que o Planeta Terra chegou, mudando seu regime climático para mais quente. Foi consequência de três séculos de sistemática devastação da natureza, a ponto de a Mãe Terra não aguentar mais semelhante agressão. Precisamos hoje de 1,7 Terras para atender ao consumo suntuoso dos mais ricos e um pouco também da humanidade. Como é viva, a Terra está reagindo mandando-nos eventos extremos, vírus e bactérias, secas, nevascas etc. Temos que nos adaptar a esta mudança climática. Caso contrário, dificilmente garantiremos a vida sobre este planeta”.
Neste momento, a população do estado do Rio Grande do Sul necessita da solidariedade e da ajuda de todo o país a fim de salvar vidas, reconstruir vidas e cidades. Mas, acima de tudo, resgatar esperanças e construir pontes para um novo horizonte.