Dos serviços aeronáuticos ao artesanato: esta é a Ilha de Santa Maria nos Açores portugueses

Há cerca de 300 anos, o mariense João de Rezende Costa emigrou para Lagoa Dourada, em Minas Gerais; seu filho José fundou a cidade de Resende Costa.


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José Venâncio de Resende0

Vila do Porto, Ilha de Santa Maria, Açores, Portugal.

O que satélite e queijo tem em comum? Na Região Autônoma dos Açores, Portugal, a produção de queijo de leite de ovelha e o lançamento de pequenos satélites poderão vir a constituir-se em duas importantes atividades econômicas da Ilha de Santa Maria. Foi desta Ilha que João de Rezende Costa emigrou para Minas Gerais nos princípios do século 18 (por volta de 1716), instalando-se em Minas Gerais e gerando uma das mais importantes famílias do Brasil, a família Resende.

A partir de 2019, Santa Maria começará a produzir queijos curados de leite de ovelha, bem como queijo fresco de leite de vaca. A queijaria vai funcionar na antiga sede da Associação de Criadores de Ovinos e Caprinos (ARCOA), que está sendo reformada com o apoio do governo regional. O prédio terá dois espaços: um para a fabricação de queijo de ovelha e o outro para o queijo de vaca com leite pasteurizado.

O objetivo é fabricar o queijo de ovelha tanto para o consumo local quanto para a exportação, diz Anibal Cabral Moura, presidente da ARCOA. Já foram importados cerca de 100 ovelhas francesas da raça Lacaune para a produção do leite. Já o queijo fresco deverá ser comercializado no mercado local (hoje, é importado da Ilha de São Miguel).

O projeto é importante “desde logo pela possibilidade de diversificação da agricultura e de criação de um produto novo na Ilha”, disse o secretário Regional da Agricultura e Florestas, João Ponte, ao jornal O Baluarte. Para ele, “o queijo de ovelha poderá constituir-se como mais um fator de dinamização e inovação na agricultura mariense e tornar-se mais um cartão-de-visita gastronômico de Santa Maria, contribuindo assim para potenciar o desenvolvimento econômico da ilha”.

A ARCOA, com cerca de 50 associados, foi reativada em 2012, depois de dez anos parada, para fomentar a criação na Ilha – antes funcionava como Associação Regional dos Criadores de Ovinos dos Açores. “Na década de 80, chegamos a ter 5000 cabeças de ovinos na Ilha.” Esse número caiu para 500 a 600 animais e, atualmente, está em processo de recuperação, com cerca de 2000 cabeças. A maioria das criações é de porte pequeno (4 a 20 animais), enquanto os rebanhos médios variam entre 20 e 30 animais. Existem três ou quatro criadores com 100 ou mais cabeças.

O queijo curado de ovelha já foi produzido no passado de forma caseira, diz Anibal. Mas, no seu auge, o rebanho era utilizado basicamente para a produção de carne, a maior parte exportada para a Ilha de São Miguel. Já o queijo fresco de vaca é produzido informalmente, em casa, a partir do leite cru, e por isso não pode ser vendido no comércio, explica Anibal.

A pecuária bovina ganhou importância na Ilha a partir dos anos 1990, com os incentivos da União Europeia, diz Daniel Gonçalves, historiador, professor e presidente da Junta de Freguesia de Santa Bárbara. A criação de bovinos para carne tornou-se uma das principais atividades econômicas da Ilha. A produção é destinada à exportação, mas não há agregação de valor no processamento uma vez que os animais são embarcados vivos.

A fabricação de queijos, assim, faz parte da estratégia do governo dos Açores de incentivar a diversificação da produção, enfatiza Daniel, que também é presidente do Conselho de Ilha que reúne representantes da Assembleia Municipal, de freguesias, de associações e do governo regional. Mas os serviços aeronáuticos continuam sendo a principal atividade econômica da Ilha, acrescenta.

Satélites

Um projeto de maior fôlego é a instalação na zona de Malbusca, ponta sul da Ilha, de uma base de lançamento de pequenos satélites, como parte do novo Programa Internacional do Atlântico de Lançamento de Satélites. O projeto foi apresentado pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, no Congresso Internacional de Astronáutica, em Bremen, Alemanha, de acordo com o jornal O Baluarte. Mais de dez grandes empresas espaciais, de diferentes países, e a agência espacial da Índia (ISRO) já manifestaram interesse no projeto.

O Aeroporto de Santa Maria é parte de um polo aeronáutico importante na Ilha, que reúne infraestruturas como o Centro de Controle de Tráfego Aéreo do Atlântico Norte, a Estação de rastreio de satélites da Agência Espacial Europeia, a Estação do Galileu (que monitoriza sinal e posicionamento desta rede de satélites) e a Estação Geodésica da RAEGE (Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas e Espaciais).

Herança da Segunda Guerra Mundial, o aeroporto foi inicialmente construído para fins militares, com três pistas e mais de 3 quilômetros de comprimento. Por meio de acordo com os Estados Unidos, em 1944, passaria a ser utilizado por aviões envolvidos na Guerra do Pacífico ou mesmo outras aeronaves.

Atualmente, recebe voos regulares, além de aeronaves de grande porte para descanso da tripulação, emergência ou abastecimento. No verão, o movimento no aeroporto é grande, com o maior afluxo de turistas, principalmente imigrantes portugueses dos Estados Unidos e do Canadá, que vão passar férias na Ilha. Numa tentativa de aumentar o número de visitantes ao longo do ano, o aeroporto passou a receber, semanalmente, dois voos diretos de Lisboa, além dos voos provenientes de Ponta Delgada/Ilha de São Miguel.

Daniel Gonçalves ressalta a importância para a Ilha da indústria aeroespacial, fonte de geração de empregos diretos e indiretos e de receita de impostos. Assim, a expectativa agora é para a escolha do consórcio que reúna condições para o investimento no lançamento vertical de satélites.

Investimentos

Novas atividades econômicas, como os referidos projetos aeroespacial e agroindustrial, requerem investimentos em infraestrutura, como transporte e logística, para além da capacidade orçamentária da Câmara Municipal de Vila do Porto. Uma fonte desses recursos poderiam ser os fundos europeus, que no entanto estão excluídos das prioridades de Portugal nos programas Quadros Comunitários – questões ambientais e energia renovável no “Portugal 2020” e projetos de inovação produtiva no “Portugal 2027”.

O presidente da Câmara Municipal, Carlos Henrique Lopes Rodrigues, reconhece esta limitação. “O orçamento municipal é reduzido para as necessidades do concelho.”

Trabalhando dentro destas restrições, a Câmara Municipal tem como uma de suas atividades prioritárias o apoio aos idosos - grupos de convívio, atividades físicas e manuais, programa de pequenas adaptações nas habitações (apoio financeiro de até 2700 euros) e apoio à mobilidade (subsídio diferencial ao custo dos transportes públicos e dos medicamentos aos mais carentes) – inclusive com o deslocamento de duas funcionárias do município para este trabalho.

Na área ambiental, a Câmara Municipal atua no sentido de garantir água potável para todas as casas da Ilha, bem como saneamento básico nos maiores povoados e nas zonas balneárias.

Carlos Rodrigues destaca que Santa Maria foi eleita este ano “o município mais azul” pela Comissão da Bandeira Azul da Europa. A bandeira azul é uma distinção atribuída anualmente a praias e marinas que cumpram requisitos como qualidade ambiental, segurança, bem-estar, infraestruturas de apoio, informação e sensibilização ambiental. No caso de Vila do Porto, a ênfase foi para ações de educação ambiental envolvendo crianças e adultos nas escolas e praias.

Há ainda o “esforço enorme na recolha seletiva dos resíduos sólidos, ou seja, a separação adequada do lixo para que não fiquem resíduos de espécie alguma na Ilha”, acrescenta Carlos Rodrigues. A recolha é feita pela Câmara Municipal e uma empresa privada responde pela exportação do material reciclável, bem como pela incineração do material não-reciclável.

Educação e cultura

Carlos Rodrigues reforça a ideia da forte presença da Câmara Municipal “em tudo”. No setor de educação, é oferecido um serviço de apoio escolar a estudantes carentes, com cerca de 20 bolsas de estudo (valor de 1500 euros cada uma) por ano letivo, para aqueles que seguirem os estudos universitários. Outro serviço é o fornecimento de material didático (não inclui livros) às escolas do primeiro ciclo (quatro primeiros anos), no valor de 6000 euros por ano letivo.

A Câmara Municipal ainda apoia visitas de estudos a bibliotecas; a viagem dos finalistas do 12º ano (último do secundário) ao exterior, geralmente sul da Espanha; a participação de pequenos grupos em campeonatos nacionais de matemática, física e gestão; e o envio dos melhores alunos do secundário para uma semana de férias de verão na Universidade de Aveiro.

No setor cultural, Carlos Rodrigues destaca o apoio financeiro e logístico a associações culturais e desportivas. “A Ilha tem mais de 37 associações que desenvolvem atividades dos mais diversos níveis.”

A Associação Cultural Maré de Agosto, por exemplo, organiza o festival “Maré de Agosto”, que acontece durante três dias do verão na Praia Formosa, Freguesia de Almagreira. “Este ano, o festival completou 37 anos, sendo o mais antigo de Portugal sem interrupções”, diz o presidente da Câmara.

Outro evento é o “Festival Santa Maria Blues, o mais emblemático de Portugal nesse gênero”, que é organizado pela Associação Escravos da Cadeinha na Baía dos Anjos, por onde passou o navegador Cristóvão de Colombo.

Outra atração é o “Festival Maia Folk”, na Baía da Maia, Freguesia do Santo Espírito, que é organizado pela Associação Amigos da Maia.

Também o setor de desporto recebe apoio da Câmara, através de associações, assinala Carlos Rodrigues. “Santa Maria é a ilha dos Açores com mais prática esportiva - 10% da população praticam esporte.”

No setor de artesanato, o apoio abrange a realização de feiras e a deslocação de artesãos para participar de feiras e exposições, inclusive no estrangeiro; o incentivo ao artesanato tradicional (têxteis, barro, vime etc.), por meio do pagamento da renda (aluguel) de duas lojas no Mercado Municipal; e o apoio a eventos de gastronomia.

Artesanato

Entre as atividades tradicionais da Ilha, Daniel Gonçalves cita a produção do pão de trigo circular, herança do Alentejo, pela padaria da Cooperativa de Artesanato de Santo Espírito, pela Padaria Ângelo e pela “quase familiar” Padaria do Brasil. A padaria da Cooperativa também produz biscoitos de orelha, de manteiga, de chocolate, julias e encanelado, além de pão caseiro de milho, massa sovada e bolos lêvedos.

Os biscoitos de orelha e os julias podem ser encontrados na Mercearia dos Açores, que vende produtos típicos do arquipélago na baixa Lisboa. Além disso, a padaria da Cooperativa produz roscas e pão-de-ló especialmente para a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, mais conhecida como “Festa do Império” que acontece na Ilha durante o verão. Também a produção de carne está ligada à cultura das “Sopas de Império”, outra herança alentejana.

Outro braço da Cooperativa é o artesanato de retalhos de tecidos - que se tornou a principal atividade econômica urbana de Resende Costa, em Minas Gerais, Brasil. Este tipo de artesanato, que utiliza tecidos usados, é praticado na zona rural da Ilha de Santa Maria. Além da Cooperativa, os teares manuais estão instalados na Associação Salvaterra – para o Desenvolvimento de Solidariedade Social.

Ambas – Cooperativa e Associação - foram criadas por grupos de mulheres para gerar oportunidades de trabalho. Na Cooperativa de Artesanato, oito mulheres trabalham na confecção de mantas (colchas), naprons (mesa), panos de tabuleiro (ou individuais) e bolsas, cuja matéria prima são retalhos de tecidos usados, de acordo com Sandra Resendes, tesoureira.

A Associação Salvaterra mantém uma loja na Vila do Porto onde vende os produtos de retalhos de tecidos, como tapetes, individuais (para mesa de refeições), bolsas e almofadas, entre outros tipos de artesanato.

Parcerias

Vila do Porto, na Ilha de Santa Maria, e Resende Costa, no Estado de Minas Gerais, tornaram-se cidades-irmãs este ano. Em junho, a Assembleia Municipal de Vila do Porto aprovou, em sessão ordinária, proposta da Câmara Municipal de acordo para declaração de cidades irmãs entre os dois municípios. Em outubro, a Câmara Municipal de Resende Costa aprovou projeto de lei, no qual declarou e reconheceu Vila do Porto como cidade-irmã.

Carlos Rodrigues acredita que este acordo vai resultar em parcerias na área cultural, assim como em troca de experiências nas áreas comercial e ambiental. Daniel Gonçalves destaca o potencial de intercâmbios nas áreas juvenil e do artesanato. Ele, inclusive, sugere a elaboração de um documentário sobre cultura e história envolvendo os dois municípios.

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