FAIAL (2): uma ilha dos Açores voltada para o mundo


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José Venâncio de Resende0

Vista panorâmica do porto e da cidade de Horta.

A ilha do Faial, situada no Grupo Central de ilhas do arquipélago dos Açores, está separada da ilha do Pico por um estreito braço de mar (8,3 km de largura), conhecido como canal do Faial, a meia hora de barco. A população residente é de 14.356 habitantes (censo de 2021), a maioria na cidade de Horta.

O porto do Faial abriga, atualmente, o porto comercial e a marina da Horta. O porto comercial recebe navios de todos os tipos, inclusive de cruzeiros. A marina é a mais importante dos Açores e a quarta mais visitada do mundo.

A ilha foi ocupada fundamentalmente por dois contingentes significativos: um, oriundo da terra de Flandres, norte da Europa; e outro, da terra de Beatriz de Macedo, Portugal continental. Surge assim “uma sociedade pan-europeia num Novo Mundo, com obediência a Portugal”, diz um painel no Museu da Horta.

A descoberta do Faial está intimamente ligada à da ilha de São Jorge (1450) e ao povoamento da ilha Terceira (década de 1460), de acordo com Nota histórica, de Carlos Luís M. C. da Cruz, diretor da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça. O seu primeiro povoador terá sido um eremita do Reino, que recorria a algum gado miúdo que os primeiros povoadores lançaram na ilha, de acordo com o cronista Gaspar Frutuoso.

 

Nobre flamengo

Depois de uma tentativa frustrada por volta de 1465, o nobre flamengo Joss van Hurtere regressou com nova expedição, por volta de 1467, à então “ilha de São Luís” (denominação inicial encontrada no testamento do Infante D. Henrique) sob o patrocínio da Infanta D.ª Isabel, duquesa de Borgonha – época em que se deu o arranque do povoamento da ilha.

Hurtere, por fim, estabeleceu-se na Baía da Horta (topônimo de Hurtere), onde ergueu uma ermida, sob a invocação da Santa Cruz, em torno da qual se desenvolveu a povoação. Ele desposou D.ª Beatriz de Macedo, criada da Casa do poderoso duque de Viseu. O donatário da ilha, Infante D. Fernando, duque de Viseu e Mestre da Ordem de Cristo, outorgou-lhe o cargo de capitão do donatário, por carta de 21 de fevereiro de 1468.

Incentivado por Hurtere, outro nobre flamengo, Willen van der Haegen (aportuguesado como Guilherme da Silveira), liderou novos povoadores à ilha por volta de 1470, em busca de oportunidades de negócio. “O rápido crescimento das primeiras décadas deveu-se às culturas de trigo, pastel e linho, cujas exportações constituiriam a base econômica da ilha por cerca de dois séculos, bem como a criação de gado.”

Em 1498, o rei D. Manuel I elevou a Horta a Vila. E nos primeiros anos do século XVI deve ter sido erguida a primitiva igreja matriz da Horta (alvará de 28/06/1514 de D. Manuel I), segundo Carlos Cruz (no artigo Torre do Relógio, em fase de publicação). “O seu orago, o Santíssimo Salvador, é o mesmo da cidade de Bruges, na Flandres, e da Sé de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira.” O primitivo templo foi reconstruído entre 1607 e 1615 (início do século XVII) depois de ter sido saqueado, em 1589 e 1597, por armada de corsários ingleses, que abrangeu igrejas e conventos da Horta. No início do século XIX (1810), foi autorizada a transferência da matriz da Horta para o templo do extinto Colégio dos Jesuítas, devido ao seu avançado estado de degradação, principalmente após os terremotos de 1808, o que ocorreu apenas em 1825. Nesse meio tempo, foram constituídas as paróquias de Nossa Senhora da Conceição (1568) e de Nossa Senhora das Angústias (1684).

A Restauração em 1640 (que acabou com a União Ibérica – das coroas portuguesa e espanhola – e deu início à dinastia da Casa de Bragança com D. João IV) levou a uma nova dinâmica na ilha, “onde a Horta se afirmou como porto oceânico de abrigo, escala na navegação entre os continentes europeu e norte-americano, graças à valorização da exportação dos vinhos e aguardentes das ilhas do Pico, São Jorge e Graciosa, que passaram a ser comercializados, tanto para o Reino como para a Europa, o Brasil e as colônias britânicas na América”.

A crise sísmica de 1672 “causou danos extensos em toda a ilha, afetando significativamente a economia e conduzindo a uma vaga migratória para o Brasil”. “Ao longo do século XVII, o porto da Horta continuou a destacar-se, graças ao aumento do comércio com as Américas.” Cabe assinalar que, desde 1645, verificou-se a presença na Horta de representantes consulares das principais nações europeias, como os ingleses, franceses e neerlandeses.

 

Cabos submarinos

Durante os séculos XVIII e XIX, a cidade era “uma pequena povoação que se desenvolvia ao longo de uma única rua, paralela à baía da Horta, com várias igrejas e conventos, mas pouco comércio e quase nenhuma indústria”, continua a Nota histórica de Carlos Cruz.

Por volta de 1765, teve início a atividade baleeira nos mares dos Açores, com “o primeiro registro da presença de barcas baleeiras oriundas das colônias inglesas da América do Norte”. Isso abriu um “novo e próspero ciclo econômico para as ilhas do arquipélago”. Também teve início o ciclo de produção e exportação de laranja, nova fonte de riqueza.

Em outubro de 1876, começaram as obras de construção do porto comercial da Horta. Graças à sua localização estratégica, tornou-se “o melhor porto do arquipélago, tendo servido de apoio às Marinhas aliadas durante as duas Grandes Guerras”.

Outra conquista foi a instalação, em 1893, do primeiro cabo telegráfico submarino pela empresa britânica Telegraph Construction and Maintenance Co., que seria seguido de muitos outros. Em 1928, concentravam-se na Horta quinze cabos submarinos ligados a países europeus, Estados Unidos da América, Canadá e Cabo Verde. A cidade tornou-se “um dos maiores centros de comunicações do planeta” com “informações de caráter essencialmente meteorológico, naval e bélico, vitais, por exemplo, durante os conflitos internacionais”.

 

Hidroaviões e aeroporto

Na primeira metade do século XX, apareceram os primeiros hidroaviões na ilha. Após algumas experiências, a partir de 1936, a baía da Horta atendeu serviços internacionais de hidroaviões, com ligações para Nova Iorque, Lisboa, Marselha e Londres. Até a II Guerra Mundial, “todos os voos transatlânticos feitos de hidroavião usaram o porto da Horta para as suas escalas”. A baía tornou-se, “na prática, um aeroporto internacional, com grande movimento graças à presença da Lufthansa, da Pan American, da Air France e da Imperial Airways”.

À comunidade dos técnicos e administradores, e suas famílias, das companhias dos cabos submarinos, “somaram-se mais estes profissionais ligados à aviação, que deixaram na Horta fortes influências a nível social, cultural e desportivo”, promovendo profundas mudanças na sociedade local. Outro fenômeno ocorreu na década de 1960, quando se verificou “um afluxo de iatistas no porto da Horta, que dura até hoje”.

Assim, em 1971, foi inaugurado o Aeroporto da Horta, com ligações aéreas diretas com Lisboa pela TAP. Em 1986, foi inaugurada a Marina da Horta, que se converteu “num dos portos de abrigo mais famosos do mundo”.

Na área política, a Horta tornou-se uma das “três capitais” da região autônoma, com a instalação da sede do Parlamento Regional dos Açores – as outras duas são Ponta Delgada-ilha de São Miguel (sede da presidência) e Angra do Heroísmo-ilha Terceira (sede do representante da Presidência da República nos Açores). “Desde então, acompanhou as alterações econômicas regionais, desenvolvendo o seu setor terciário.”

Em meio à ocorrência de sismos de forte magnitude (1926, 1958, 1973 e 1998) e de erupções vulcânicas (1957 e 1958 na ponta dos Capelinhos), os faialenses não perdem de vista o horizonte. O vulcão virou atração turística, assim como o Colégio dos Jesuítas, que abriga a Matriz, a Câmara Municipal e o Museu da Horta; a Igreja Paroquial de Nossa Senhora das Angústias (que remonta a uma primitiva ermida); a igreja do Carmo (construída no século XVII para servir de Convento da Ordem dos Carmelitas); o Farol dos Capelinhos e os miradouros de Ponta Furada, Nossa Senhora da Guia, Ponta da Espalamaca e de Nossa Senhora da Conceição, entre outros atrativos.

 

Semana do Mar

A tradicional Semana do Mar é um dos principais eventos da ilha, de acordo com Carlos Cruz, no artigo Festa do Livro da Horta / 1984-2023, em fase de publicação. “Principal atração turística da ilha do Faial, é a primeira grande festa concelhia da Região Autônoma dos Açores a surgir no século XX, para além das duas únicas já tradicionais: a do Senhor Santo Cristo, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, e as Sanjoaninas, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira.”

A tradição remonta à 1975 Sailing Race to Horta, uma regata de veleiros internacional com o percurso Portsmouth – Horta – Portsmouth, organizada pela Multihull Offshore Cruising Racing Association, em cooperação com a Royal Albert Yatch Club, o Clube Naval da Horta, e a Comissão Regional de Turismo da Horta. A regata partiu a 2 de agosto de Portsmouth, no Reino Unido, com a chegada do vencedor – o trimaran “Triple Arrow”, comandado por Brian Cooke –, a 12 do mesmo mês, à Horta.

Uma grande recepção noturna aos velejadores teve lugar na Colônia Alemã, com Caldo de Peixe do Pico, acompanhado de vinho da mesma ilha, por iniciativa de Luís Gonçalves, então presidente do Clube Naval da Horta. Foi uma semana de bailes, passeios turísticos pelas ilhas do Faial e do Pico e convívio nos campos de tênis do Hotel Fayal. Também foi organizada a primeira Regata do Canal, concursos de pinturas no molhe da doca e de esculturas na areia, projeção de filmes e atuação do rancho folclórico na pousada do Forte de Santa Cruz. “O sucesso desses festejos levou a que, no ano seguinte (1976), tivesse lugar a primeira edição da Semana do Mar, na avenida entre o Largo Dr. Manuel de Arriaga e a Praça Infante D. Henrique.”

Ao longo dos anos, os festejos foram diversificados, incluindo uma vertente desportiva (regatas, handebol e voleibol de praia, windsurf, jet-ski, polo aquático, canoagem, natação, pesca desportiva de mar e de costa, mergulho e fotografia digital subaquática) e outra multicultural (concertos e apresentações de bandas musicais e de artistas nacionais e estrangeiros, bem como grupos folclóricos, cortejo etnográfico, Festa de Nossa Senhora da Guia, apresentações, concursos, exposições, palestras, feiras do livro e de artesanato, festival gastronômico etc.).

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