Fazenda da Cachoeira, berço do Marquês de Valença


Artigo

Dauro J. Buzatti0

Fazenda da Cachoeira.

A história da Fazenda da Cachoeira começou nos meados do século 18, quando ali se estabeleceu o Coronel Severino Ribeiro, português, casado com Josefa Maria de Rezende, em 1764 (26/11), no Oratório da Nossa Senhora da Conceição, no Sítio do Carandaí, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Prados, Minas Gerais. Tinha ele nesta data 38 anos e ela estava com 21 anos de idade.

Severino nasceu aos 08/06/1726 em Santa Maria de Loures, Portugal, atualmente uma cidade do distrito de Lisboa. Josefa, nascida aos 05/02/1743 em Prados, era filha de João de Rezende Costa e de sua mulher Helena Maria de Jesus - uma das famosas Três Ilhoas -, fundadores e moradores na célebre Fazenda do Engenho Velho dos Cataguazes, em Lagoa Dourada, na época pertencente à freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Prados.

A atividade básica na fazenda da Cachoeira, atualmente no município de Lagoa Dourada, naquela época distrito da comarca de Prados, era constituída pela lavoura, pela criação de gado e pela magra mineração de ouro nas águas dos córregos existentes.

Severino Ribeiro prestou inúmeros e relevantes serviços como Coronel do Regimento de Cavalaria de Milícias de São João del Rei. Assim, em 1776, quando D. Pedro de Ceballos desembarcou tropas na ilha de Santa Catarina, avançando contra a colônia do Sacramento e o Rio Grande do Sul, temeu-se que as forças castelhanas invadissem o Rio de Janeiro. Severino Ribeiro, marchando com o Regimento para o Rio de Janeiro, armou e fardou à sua custa um grande número de soldados, despendendo na marcha avultada importância, como atestou o Governador Geral da Província, D. Antônio Soares de Noronha.

Na Fazenda da Cachoeira, ficou Josefa Maria, grávida de três meses, aguardando o marido que só retornaria quatorze meses depois. O Coronel Severino encontrou a família acrescida dos filhos gêmeos, Estevão e Manoel, nascidos durante a sua ausência, em 20 de julho de 1777. O fato de serem gêmeos foi resultado de pesquisa inédita do autor, citado pela primeira vez em 1978, no livro “Antigos Povoados de Minas nos Campos das Vertentes, p. 82/108 (uma vez que nem mesmo Arthur Rezende fez, a este respeito, alguma citação na sua vasta obra).

Reproduzo, a seguir, extrato do documento da história dessa secular fazenda:

Não se sabe ao certo a origem da centenária Fazenda da Cachoeira. Construída com paredes de pedra talvez tenha sido, nos seus primórdios, uma fortaleza aonde bandeirantes se protegiam dos ataques dos índios. O fato é que a propriedade, no início dos setecentos, tornou-se moradia do Coronel Severino Ribeiro, casado com Josefa Maria de Rezende, filha de Helena Maria de Jesus, uma das Três Ilhoas. Entre seus filhos, todos nascidos na fazenda, destaca-se Estevão Ribeiro de Rezende, gêmeo de Manoel de Jesus Ribeiro de Rezende, que tornou-se Barão, Conde e Marquês de Valença, figura proeminente na política do Império. A sede da fazenda não existe mais, destruída pelo abandono de seus donos, causando roubos e depredações. Essa é a sua história.

Estevão, desde cedo, mostrando rara aptidão para os estudos e acentuada inclinação pelas letras foi enviado, por seu pai, em 1797, para Coimbra, a fim de estudar leis naquela famosa faculdade. Isto lhe possibilitou uma carreira brilhante, uma vez que chegou a galgar os mais altos cargos políticos da época. Manoel, como quase todos os seus irmãos, dedicou-se ao trato da terra, adquirindo anos mais tarde, de sociedade com o seu filho Severino Ribeiro de Rezende e com recursos fornecidos por seu irmão gêmeo Estevão, a Fazenda da Criciúma, em Mirai (MG).

Em decorrência de privações e sacrifícios que o serviço militar lhe impôs, o Coronel Severino Ribeiro veio a falecer aos 21 de dezembro de 1800, então com 74 anos de idade. Neste ano e pelos muitos serviços de vulto prestados ao Reino, o Príncipe Regente D. João 1º condecorou, em sua homenagem, o seu filho Estevão Ribeiro de Rezende, futuro Marquês de Valença, com a Ordem de Cristo e a respectiva tença, que era a remuneração pelos seus serviços.

Josefa faleceu vinte e cinco anos depois, aos 29 de maio de 1825 em São João del Rei, deixando testamento consignando os seus bens em testamento datado de 8 de julho de 1813. Cita no referido documento que vivia na Fazenda da “Caxoeira”, que pertencia ao seu filho Doutor Estevão Ribeiro. Constata-se, pois, não só pela partilha amigável, mas também por compra das partes dos herdeiros, que Estevão Ribeiro de Rezende conseguiu manter grande parte da primitiva Fazenda da “Caxoeira”, com 700 alqueires de terras.

O príncipe D. Pedro 1º, em sua viagem a Minas em 1822, acompanhado de uma pequena comitiva e assessorado diretamente por Estevão, hospedou-se no dia 6 de abril na Fazenda da Cachoeira, conforme cita o escritor Eduardo Canabrava Barreiros em seu livro “D. Pedro 1 - Jornada a Minas Gerais em 1822”, editado em 1973 (p. 97, 100, 102).

Entretanto, a maioria dos interesses do então Conde de Valença se concentrava na província do Rio de Janeiro. Por isto, no limiar do ano de 1845, aos 28 de janeiro, já com seus 68 anos de idade, resolveu vender a Fazenda da Cachoeira, com todas as suas benfeitorias, ao seu sobrinho, o Padre Pedro Ribeiro de Rezende, filho do seu irmão o Capitão Geraldo Ribeiro de Resende.

Padre Pedro Ribeiro de Rezende

Batizado na Ermida da Fazenda da Cachoeira, em 8 de julho de 1814, o Padre Pedro Ribeiro de Rezende contava, na época da compra da fazenda, com 41 anos de idade. Em 28 de fevereiro de 1856, ele declarou no Livro de Registro Paroquial de Terras da Freguesia de Santo Antônio de Lagoa Dourada que possuía a fazenda da “Caxoeira” que tinha “pouco mais ou menos setecentos alqueires de cultura e campos”.

Com o Padre Pedro, as atividades na velha fazenda não se modificaram muito, exceto as relacionadas à mineração do ouro, já praticamente extinta. Desta maneira, a pecuária, favorecida pela abundância de água, pelas pastagens e pelo clima ameno, continuou desenvolvendo-se. Semelhante ao que ocorria nas outras fazendas, a princípio rudimentar, iniciava-se a indústria de laticínios, fabricando-se somente o queijo. E nos terrenos de pastagens mais pobres criava-se o porco, cuja base da alimentação era o milho, complementada por outras plantas cultivadas para este fim.

O cultivo da cana-de-açúcar foi também iniciado pelo Padre Pedro (ele é citado em 1864, no “Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais”, por Antônio de Assis Martins como fazendeiro que cultiva cana).

Acreditamos que o Padre Pedro Ribeiro de Rezende tenha doado ou vendido algumas terras de cultura e de pastagens na Fazenda da Cachoeira. Com a sua morte e por sua vontade, expressa em testamento, as terras remanescentes foram divididas em cinco partes iguais e doadas. Por permutas e compras sucessivas, aproximadamente 100 alqueires de terras e as benfeitorias da primitiva fazenda foram adquiridos por Francisco Pereira de Azevedo, deixando de pertencer, portanto, a partir desta venda, aos descendentes do Coronel Severino Ribeiro.

Francisco Pereira de Azevedo

Francisco Pereira de Azevedo era fazendeiro abastado e homem de posses, possuindo, entre outras, a fazenda vizinha denominada Capão Seco. Em suas mãos, a fazenda da Cachoeira permaneceu pouco tempo, pois faleceu em 27 de fevereiro de 1883 e também sua mulher, poucos meses depois, em 12 de agosto.

Desta forma, passando diretamente aos seus herdeiros, houve um novo retalhamento das terras e muitas permutas e vendas, conforme pode ser constatado pela análise do Livro de Notas de 1887 a 1901 do Distrito de Lagoa Dourada. A Fazenda da Cachoeira passou, então, no findar do século 19, a ser propriedade de Mamede Pereira de Azevedo e depois ao seu irmão, Bernardo Pereira de Azevedo.

Este morou na fazenda alguns anos, mas após um incidente com um dos seus empregados desgostou-se e resolveu vendê-la. Ele e sua esposa (não tinham filhos) venderam oitenta alqueires “mais ou menos” da velha fazenda, aos 7 de junho de 1913, para Timótheo Barreto de Faria e transferiram-se definitivamente para Palmira (hoje Santos Dumont).

O Retorno

Com Timótheo Barreto de Faria, a velha fazenda deixou o seu estado letárgico de muitos anos e reanimou-se. Seu dono, de concepções avançadas para o seu tempo, tentou implantar uma nova mentalidade industrial na região. Evitando os carrancismos políticos, resolvia com inteligência e sabedoria disputas e questões prejudiciais à comunidade, participando ativamente de tudo aquilo que pudesse causar a rápida germinação da semente do progresso.

A Fazenda da Cachoeira preparava-se para viver novos tempos, mantida pela força e vitalidade do jovem Timótheo, com seus 35 anos de idade. Passaram-se vinte e um anos e na fazenda sentiam-se os sinais do desenvolvimento e do progresso, iniciando-se a indústria de laticínios e expandindo-se a criação do gado.

Mas, novamente o destino interviu e a morte prematura de Timótheo, ocorrida aos 13 de maio de 1934, paralisou instantaneamente a vida na fazenda.

Novas divisões, permutas, compras e vendas entre herdeiros e um processo de inventário, que se alongou por muitos anos, foram acabando definitivamente com a Fazenda da Cachoeira. O abandono e o descaso foram tantos que, em 1949, houve o apelo isolado para a preservação deste inestimável patrimônio, feito pelo estudioso conterrâneo Júlio Rodrigues Chaves, em seu artigo publicado em 1949 nos “Anais do X Congresso de Geografia” (p. 496).

Finalmente, em 1963, o remanescente das terras passou às mãos de José Barreto de Faria, um dos filhos de Timótheo. Mas, em relação à espetacular sede e às benfeitorias, os herdeiros estabeleceram uma condição que se assemelhou a uma verdadeira sentença de morte para a fazenda, ou seja, definiram que as benfeitorias pertenceriam a todos os herdeiros, “com exclusão das terras que pertencem ao condômino José Barreto de Faria”. Por causa dessa condição do inventário, a sede da fazenda ficou praticamente abandonada, à mercê de roubos e depredações.

Eu escrevi um pouco da história da Fazenda da Cachoeira alguns anos atrás, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (1986/1991), tentando ressaltar o que o descaso e o desinteresse podem causar ao nosso patrimônio cultural.

O fato é que a Fazenda da Cachoeira, já sentindo há anos a falta do dono zeloso e sofrendo o golpe mortal dado pelos herdeiros de Timótheo, foi agonizando pouco a pouco...

De 1963 em diante, após a venda pelos herdeiros, das portas, janelas, engradamentos, caixilhos e portais, acelerou-se a destruição deste patrimônio inestimável. Pude documentar, fotograficamente, a evolução do processo de destruição da fazenda, ao visitá-la constantemente.

Em 1978, da velha fazenda, somente os contornos do alicerce do velho casarão, escondidos na roça de milho... Mais tarde somente ruínas...

Por ironia do destino, José Barreto de Faria, falecido aos 16 de fevereiro de 1982, era casado com Maria Helena de Rezende Faria, que, na sequência de ascendência, é filha de Otacílio, que é filho de Elisiário, que é filho de Severino, que é filho de Manoel, irmão gêmeo de Estevão Ribeiro de Rezende.

Completou-se assim, laconicamente, o ciclo de vida da antiga e outrora conhecida Fazenda da Cachoeira, cujas terras passaram às mãos de uma descendente da 5ª geração de Josefa e do coronel Severino Ribeiro, após 223 anos de existência...

Maria Helena, já falecida, nossa saudosa “tia Maria”, deixou uma única filha, Maria Imaculada de Rezende Faria, atual proprietária da Fazenda da Cachoeira.

Esse foi o triste fim da secular Fazenda da Cachoeira, com sua Capela anexa sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, onde outrora muitos batizados, casamentos e outros eventos foram realizados, citada muitas vezes como Ermida ou Capela do Coronel Severino.

 

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