Flausino Valle, no centro da inovação internacional no ensino da música

Compositor e violinista barbacenense é tema de tese de doutoramento e de encontro previsto para novembro na UFMG e na UFSJ.


Educação

José Venâncio de Resende0

Leonardo Feichas com o violino que pertenceu a Flausino Valle (foto: Marxon Henrique).

Adiado devido à pandemia, o VI Encontro de Cordas Flausino Valle (ECFV) avança este ano, entre 11 e 20 de novembro, nas universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de São João del-Rei (UFSJ). Para além de homenagear o compositor e violinista barbacenense, o evento é dedicado ao ensino-aprendizagem de cordas friccionadas. Reconhecido internacionalmente, Valle deixou 26 prelúdios para violino solo, retratando a imitação de sons ambientes, como uma porteira de fazenda, passarinhos, carro de boi e viola caipira.

O evento será dividido em duas partes: de 11 a 13, a UFMG sediará a conferência nacional do Encontro Flausino Valle, a parte mais acadêmica (mesa redonda e palestras) que será híbrida (presencial e online). De 15 a 20, na UFSJ, o encontro, que é a parte mais artística e pedagógica (master class de instrumento, ensaios de música de câmara e de orquestra e concertos de música de câmara e de orquestra com os alunos da UFSJ e aqueles que se inscreverem), será apenas presencial. 

O evento nasceu como um encontro democrático que não faz restrição a nível de aluno (aceita iniciante, avançado e profissional), explica o violinista mineiro Leonardo Feichas, o maior especialista em Flausino Valle na atualidade e também o curador (desde 2017) do violino que pertenceu ao músico por delegação da família. Professor da Universidade Federal do Acre e doutor em Artes Musicais pelas Universidades Nova de Lisboa e Unicamp, Feichas é um dos coordenadores do encontro ao lado das professoras Liu Man Ying e Dora Utermohl de Queiroz (Universidade Federal do Ceará). 

O encontro visa não apenas democratizar o acesso ao aprendizado do ensino das cordas como também difundir a modalidade do ensino coletivo de cordas, a performance e a pedagogia das cordas, seja através do ensino, seja através da parte acadêmica reflexiva, explica Feichas. “Sempre ajustamos o encontro de acordo com a universidade que o recebe. Na UFMG, que já é muito forte no ensino do instrumento, vamos pegar mais forte na conferência porque vai colaborar mais com o lugar. Aí deixamos o encontro para São João del-Rei, cidade que julgamos que se beneficiará mais das aulas de instrumento.”

Inovação 
 
“A prática instrumental como investigação artística aplicada a obras de Flausino Valle (1894-1954): o processo e uma interpretação” é o nome da tese de doutorado que Leonardo Feichas defendeu, em 2021, junto ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação dos professores Emerson Luiz de Biaggi e David John Cranmer. Trata-se de uma investigação artística que propõe uma interpretação musical e uma edição prática das obras “26 Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só”, “Serenim (violino e piano)” e “Doce Momento (violino e piano)” do compositor brasileiro, “com foco na construção do processo (proposição e observação) e com considerações e soluções de questões técnicas e musicais”. 

Nesta tese, o violinista Leonardo Feichas chega a duas vertentes de conclusão: uma sobre questões estéticas, que complementa a pesquisa musicológica realizada para o mestrado, e a outra sobre  questões relativas ao processo reflexivo, no qual o autor se propõe a construir uma interpretação, analisando o que foi feito.

A primeira vertente tem a ver com questões estéticas do músico, a partir do trabalho realizado pelo autor para a sua dissertação de mestrado. Sua conclusão é que “realmente Flausino Valle é um compositor que escreve para violino, conhece o idiomatismo do violino, sabe como escrever bem para o violino, para soar bem, porque é um violinista que conhece a geografia do braço do instrumento”. Também explora a questão da relação entre a música e os poemas de Valle. “Eu faço pontos de contato entre essas duas mídias.”

A outra conclusão refere-se à “Artistic investigation” (Investigação Artística), linha de pesquisa que vem sendo muito utilizada nas universidades europeias e que Feichas adotou no doutoramento em artes musicais na Universidade Nova de Lisboa. “Dentro dessa linha, eu tracei um percurso de estudo interpretativo para construir a minha interpretação. Eu utilizei o conceito filosófico da prática instrumental como pesquisa (practice as research). Eu estudei, fiz uma coleta de dados e analisei esse percurso. Depois, através da autoetnografia, fui afunilando as ideias, fui refinando até chegar a uma interpretação. Então, é uma interpretação fruto de um processo reflexivo.”
  
“Internacionalização”

Uma das virtudes da tese de Leonardo é a internacionalização proporcionada pela colaboração entre as universidades brasileira (Unicamp) e portuguesa (Nova de Lisboa). “Esse doutorado na modalidade cotutela conta bastante para as duas universidades. O grande benefício dessa parceria foi aproximar duas universidades de países diferentes, e isso traz um status de internacionalização. E eu pude incorporar uma concepção de investigação artística que Portugal está começando a desenvolver, que é a pesquisa em artes musicais; a metodologia é algo muito bem vista aqui; foi muito comentada na banca final da minha tese; o foco na prática foi considerado como um dos pontos fortes.”

Essa nova perspectiva de pesquisa promete aumentar as discussões ao trazer para dentro da universidade um outro perfil de investigação: do fazer musical, da valorização da prática como pesquisa. “Tanto na Europa quanto no Brasil, a parte teórica da musicologia é muito robusta, muito forte”, diz Leonardo que participa em dois grupos de pesquisa: o de performance de instrumentos de corda da Unicamp e o de pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Nova de Lisboa, que está sendo fundado agora. “O pessoal está muito interessado, estou sendo solicitado para dar palestras; está aumentando o interesse nessa linha de pesquisa.” 

Esta inovação, um dos principais produtos da “tese colaborativa”, já está trazendo alguns resultados para Leonardo. “Você refina a sua interpretação analisando o que você fez. Eu percebo que isso está pesando bastante nessas indicações para participar de grupos de pesquisa.”

Além disso, a tese de doutorado de Leonardo foi indicada para concorrer ao Prêmio Capes de melhor tese de 2021, como representante do Programa de Pós-Graduação em Música da Unicamp. E concorre também ao prêmio Jovem Professor e Pesquisador de Universidades da América Latina (“Scholarship Programme for Young Professors and Researchers from Latin American Universities”), de uma associação de universidades europeias denominada “Coimbra Group”

LINK RELACIONADO: 

https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/obra-de-violinista-mineiro-que-imita-sons-ambientes-chega-a-oito-paises/2902

 

 

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