Mangalarga brasileiro é descendente do cavalo lusitano da Coudelaria de Alter

Leilões anuais para criadores e cavaleiros de competição e estágio para estudantes universitários de várias partes do mundo fazem parte da estratégia de difusão da raça.


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José Venâncio de Resende 0

Estátua de D. José I montando um cavalo lusitano, Praça do Comércio.

Centenas, talvez milhares de fotos e selfs são feitas por dia na Praça do Comércio, Baixa Lisboa. Mas pouca gente sabe que a estátua de bronze no centro da praça, inaugurada em 1775, traz o rei D. José I montando um cavalo lusitano inspirado no Gentil – padrão ideal de cavalo da Coudelaria Alter, a 200 quilômetros da capital portuguesa.

O cavalo lusitano ainda era um cavalo peninsular (da Península Ibérica) quando alguns anos antes (1748) D. João V fundou a Coudelaria de Alter. É a mais antiga coudelaria do mundo a funcionar, ininterruptamente, no mesmo local, conta o engenheiro agrônomo Antônio Saraiva, presidente da Companhia Lezírias – empresa pública responsável pela gestão da Coudelaria de Alter desde 2013.

O cavalo lusitano tem quatro linhas genéticas: Alter Real, Coudelaria Nacional, Andrade e Veiga. Quando D. João VI, bisneto de D. João V, foi para o Brasil em 1808, levou o cavalo lusitano da Coudelaria de Alter para o seu uso na Corte, relata Antônio Saraiva. Estes cavalos misturaram-se com raças locais dando origem, por exemplo, ao Mangalarga e ao Mangalarga Marchador.

Atualmente, a quantidade de cavalos lusitanos no Brasil talvez seja equivalente ao número existente em Portugal, informa Antônio Saraiva. E há alguns haras no país que tem genética Alter Real. O maior criador brasileiro é José Francisco Brito Euzébio, da Fazenda Sasa em Martinópolis (SP), cujo “ferro” (ou marca) é JE, acrescenta o engenheiro zootécnico Francisco Beja, responsável pela produção equina da Coudelaria de Alter.

Recuperação

Com o fim da monarquia, os militares assumiram a Coudelaria, que assim passou a ser denominada Coudelaria Militar de Alter. Mas em 1941 saiu do controle dos militares e foi integrada ao Ministério da Economia.

Com isso, recuperou-se a genética do Alter Real, tendo por base garanhões e éguas que existiam em Portugal bem próximos da linha original, de acordo com Antônio Saraiva. Tanto que poucos anos depois, em 1945, a raça do cavalo lusitano ganhou autonomia, ao ser reconhecida oficialmente.

Esta é a origem dos cavalos que são montados pelos cavaleiros da Escola Portuguesa de Arte Equestre (EPAE) e também de muitos cavalos de desporto utilizados basicamente no adestramento e na atrelagem.

O mais bem posicionado Alter Real no ranking mundial até hoje é o Rubi (atualmente com 19 anos) que alcançou o melhor desempenho da raça nos jogos olímpicos de 2012 em Londres, Reino Unido. Já nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, o Viheste (13 anos) representou o Brasil como cavalo reserva.

A Coudelaria de Alter é co-proprietária do cavalo Viheste; o sócio é o empresário brasileiro dono da cachaça Velho Barreiro. Os dois cavalos são parentes próximos: a mãe do Viheste é irmã da mãe do Rubi em termos genéticos.

Antônio Saraiva chama a atenção para o fato de que a Coudelaria busca também selecionar cavalos de desporto cada vez mais altos, “para terem andamento mais amplo. Os nossos cavalos competem com cavalos do norte da Europa que tem porte maior”. Um exemplo é o Douro, com 1,71m, que é um dos cavalos mais altos da raça Alter Real, hoje, em Portugal.

O Douro é um dos filhos do cavalo Rubi e neto de Batial, o que chama a atenção para a regra da Coudelaria que segue o abecedário na escolha dos nomes dos cavalos, como assinala Antônio Saraiva. “Os nascidos em 2017 tem o nome iniciado pela letra N; em 2018, terão a letra O. A primeira letra da segunda sílaba é a inicial do nome do pai.” Por exemplo, além do DouRo, também são filhos de Rubi os cavalos BeiRão e CoRonel.

Parceria

Os cruzamentos entre cavalos e éguas na Coudelaria são previamente discutidos com a parceira EPAE, que todo ano seleciona potros para ingressarem como alunos na Escola, explica Antônio Saraiva. “Estamos a preparar artistas que vão para a Escola aos quatro anos de idade.” A Coudelaria tem uma eguada composta de 60 fêmeas e os partos acontecem entre janeiro e final de maio.

Todo ano nascem por volta de 40 animais entre machos e fêmeas, dos quais parte vai para a EPAE (são selecionados seis potros por ano) e os outros permanecem em treinamento para valorização e venda em leilões anuais, conta Antônio Saraiva. “O dia mais importante da Coudelaria é 24 de abril quando se realiza o leilão anual de venda dos excedentes. São vendidos machos e fêmeas nascidos quatro anos atrás e alguns machos de idade mais elevada com nível para competição.”

Os cavalos reformados (aposentados) da EPAE – quando acabam sua “carreira artística” – voltam para a Coudelaria, alguns com mais de 20 anos de idade. “Muitos deles podem ser usados como reprodutores”, acrescenta Antônio Saraiva.

Difusão da raça

A Coudelaria de Alter utiliza diferentes formas de difusão da raça, de acordo com Antônio Saraiva. Uma delas é a realização dos leilões anuais onde criadores e cavaleiros de competição adquirem os animais.

Outra forma é o estágio de verão para jovens de várias partes do mundo. São eles estudantes de gestão equina, veterinária e enfermagem, entre outras áreas profissionais.

A Coudelaria também recebe milhares de visitantes (cerca de 10 mil por ano) de várias partes do mundo, com interesse no cavalo lusitano, como estudantes, criadores e amantes do cavalo. “O ponto mais alto da visita é a chegada ou saída das éguas para o campo – 60 animais de pelagem castanho-cereja com as suas crias”, resume Antônio Saraiva.

A Coudelaria funciona no mesmo local em que existe uma escola profissional (ensino vocacional), para cerca de 100 alunos, que forma técnicos em gestão equina e turismo equestre.

Recentemente, a Coudelaria reativou uma unidade clínica em parceria com a Universidade de Évora, que permite aos alunos fazerem uma semana de aula prática durante o ano letivo. Estes alunos prestam cuidados clínicos e reprodutivos aos cavalos.

Nas instalações da Coudelaria, funciona o Laboratório de Genética Molecular, do Ministério da Agricultura. O laboratório presta serviços de confirmação da filiação dos cavalos lusitanos de todo o mundo para a admissão à raça, por meio de análise ADN (amostras de sangue ou crinas).

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Espetáculos de cavalos lusitanos atraem cada vez mais turistas em Lisboa - https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/espetaculos-de-cavalos-lusitanos-atraem-cada-vez-mais-turistas-em-lisboa/2244

 

 

 

 

 

 

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