O brasileiro precisa tirar uma lição da crise de abastecimento de água: a de que a água é um recurso econômico finito. Pode parecer estranho na medida em que o Brasil é considerado o “reservatório do mundo”. Nesta conversa com o JL, o engenheiro civil e empresário Jorge Hannas Salim, especialista em meio ambiente e economia, ajuda a entender esta aparente contradição.
Esta crise ensina que a água deve sempre ser usada racionalmente, pois o consumo desmedido é um dos fatores que contribuem para o desequilíbrio na recarga dos mananciais. Os outros são a ocupação desordenada dos solos, a destruição das matas ciliares, a poluição dos rios, queimadas e desmatamento. Jorge Hannas, que é professor aposentado da UFSJ, compara a situação com a de um balde, onde para cada copo de água que se retira repõe-se apenas uma gota.
O especialista chama a atenção para o ciclo de vida da água, que funciona como o do ser humano. Da água de nascentes e rios, parte evapora e volta em forma de chuvas, parte abastece os aquíferos (reservatórios subterrâneos) e parte é utilizada no consumo humano, da agricultura e da indústria. O desequilíbrio desse ciclo resulta em escassez, água poluída e acesso cada vez mais difícil às fontes de abastecimento. “É difícil por exemplo despoluir um aquífero poluído. Não se tira água do subsolo a custo zero”, lembra Jorge Hannas.
Duas saídas. O especialista identifica dois caminhos a serem trilhados para enfrentar este problema. De um lado, a adoção de parcerias público-privadas (PPP) na área de saneamento para o aproveitamento mais eficiente dos esgotos. De outro, a conscientização da população por meio dos meios de comunicação e da escola.
As empresas estaduais de saneamento estão um pouco defasadas em tecnologia e com o caixa baixo por conta de gestão política e da crise de abastecimento de água, entre outros motivos, daí porque precisam aumentar tarifas e taxas. Estações de tratamento de esgoto (ETEs), por exemplo, ainda despejam o esgoto semi-tratado nos rios, quando deveriam aproveitá-lo como adubo e água de reúso.
No setor privado, já existem empresas com maior know-how tecnológico e poder de fogo financeiro. Por exemplo, a Companhia de Águas do Brasil (CAB) - que atua em municípios de vários Estados por meio de concessões e parcerias na gestão e operação de água e esgoto – atinge 94% de eficiência em tratamento (químico e físico) de esgoto.
Em lagoas facultativas, aeradas, de maturação e de sedimentação (tratamento secundário), esse material pesado é depositado no fundo e depois realocado em vala impermeável recoberta de terra, para futura reutilização como adubo. A água tirada do esgoto pode ser reutilizada em jardins, agricultura, indústria, vasos sanitários e lavagem de banheiros, carros e calçadas. Em países como Israel, o reúso da água do esgoto já atinge 100%, incluindo o consumo humano que exige tecnologia mais avançada.
Para fazer frente a este desafio, em primeiro lugar, é preciso acabar com esta reserva de mercado que impede empresas estaduais como Sabesp e Copasa de disputarem o mercado em municípios de outros Estados. Em segundo lugar, as empresas estaduais precisam ser mais flexíveis para fazer PPPs com prefeituras e o setor privado. Além disso, municípios podem fazer PPPs diretamente com o setor privado.
A melhor solução seria a contratação de PPPs com empresas que detém a tecnologia e dispõem dos recursos financeiros (ou de capacidade de buscá-los em agentes financiadores) para investimentos, defende Jorge Hannas. “Desde que sentem à mesma mesa o poder público, a empresa e os diversos segmentos da sociedade civil, para discutir o que é bom para todos.”
Conscientização. Por fim, o poder público deve utilizar seus meios disponíveis para conscientizar a população da real necessidade do uso racional da água. Mas também tem de atuar em parceria com os agentes econômicos e sociais com vistas à proteção e recuperação das nascentes e à ocupação ordenada do solo.
No curto prazo, a saída é o racionamento de água que deve vir acompanhado de campanhas educativas nos meios de comunicação. Afinal, os governos desperdiçam bilhões de reais com propaganda política auto-promocional. Não poderia direcionar esses recursos para campanhas mais eficazes?
Na escola, o resultado do trabalho virá a longo prazo, na medida em que vai mudar comportamento das novas gerações. Mas existe algum benefício de curto prazo pois as crianças podem exercer influência no comportamento de suas famílias.