Projeto de recuperação de sabonete à base de água termal de Aregos é premiado em Resende

Conheça ainda a história das Termas das Caldas de Aregos, às margens do rio Douro no município de Resende, norte de Portugal.


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José Venâncio de Resende0

Sabonete Aregos e cereja, duas das principais marcas de Resende (Foto: facebook)

Três produtos medicinais fabricados à base da água termal de Aregos – um sabonete, um gel de banho e um creme corporal – já estão a conquistar clientes em Portugal, e mesmo no mundo. Foram desenvolvidos pela empresa Douro Legacies, de Paulo Sequeira e Pedro Ferreira, que tem como um dos objetivos “promover o concelho de Resende e a região do Douro”.

Por conta disso, o projeto “Douro Memories – Sabonete Aregos” recebeu o “Prêmio Iniciativa” da Associação Empresarial de Resende (AER), durante a I Gala do Empresário que aconteceu em 8 de junho, nas Caldas de Aregos às margens do rio Douro. Os sócios Paulo e Pedro foram responsáveis pela recuperação do sabonete medicinal “Aregos”, do início 20 do século e desaparecido desde os anos 50.

Referências às chamadas “águas termais milagrosas de Aregos”, ou “aquas calidas”, apareceram, pela primeira vez, em documentos medievais dos séculos 10 e 11, quando Portugal ainda era a antiga Lusitânia conquistada pelos romanos. No século 12, a rainha D. Mafalda, esposa do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, mandou edificar a capela de Santa Maria Madalena e fundou um Hospital (ou Albergaria) para a cura de “lázaros e gafos”. Um dia ela disse ao marido: “Afonso, cuidarás da alma no Mosteiro de Cárquere e curarás o corpo nestas caldas!”*

Até os anos 40 do século passado, as Termas das Caldas de Aregos estavam no auge, sendo consideradas uma estância mágica (cura, descanso e atividades culturais e artísticas). Além dos portugueses, cada vez mais frequentavam as Caldas de Aregos estrangeiros das colônias africanas, do Brasil e da Europa, em busca de tratamento de patologias das vias respiratórias superiores, dermatológicas e da área osteoarticular. “Sempre ouvimos falar de histórias fantásticas dessa época”, conta Paulo.

Assim, Paulo e Pedro começaram a pesquisar o assunto e, em 2007, lançaram o livro “Douro – Memórias das Caldas de Aregos”, composto de 130 “bilhetes postais” ilustrados, entre 1900 e 1980. A publicação retrata tanto período áureo quanto a fase “mais descendente” (a partir da decáda de 1950), em função das cheias do rio Douro e da construção da barragem do Carrapatelo (em Cinfães) que inundou parte das termas.

Documentário

A primeira grande descoberta, no entanto, aconteceu em 2009, relata Paulo. Um documentário de 1945 sobre as Caldas de Aregos, com 10 minutos de duração, que promovia as termas e era exibido antes dos filmes nos cinemas portugueses. O documentário, realizado por Armando de Miranda, abordava a construção de novo balneário termal.

Paulo e Pedro fizeram um acordo com a Cinemateca Nacional, que tinha a posse do documentário, para recuperá-lo do estado de degradação em que se encontrava. “Eles fizeram a recuperação e repartimos os custos. Fizemos uma cópia e apresentamos publicamente no centro cultural das Caldas de Aregos e depois fornecemos esta cópia ao Museu Municipal de Resende.”

Um cartaz de 1917 sobre o Sabonete Aregos, que estava na Biblioteca Nacional, também foi parar às mãos de Paulo e Pedro. “Então, descobrimos que existia este sabonete, que desapareceu nos anos 50 e 60, com a decadência das termas.”

Paulo e Pedro foram à procura do fabricante do sabonete. “Descobrimos que era fabricado desde 1917 pela Ach Brito na fábrica de Vila do Conde.” A empresa fabricava o sabonete para Gerônimo Moreira, comerciante em Caldas de Aregos.

Foi então que Paulo e Pedro decidiram elaborar um projeto de recuperação do sabonete – o Douro Memories – “e, ao mesmo tempo, fizemos uma publicação ilustrada para contar a história das Caldas de Aregos”. O projeto recebeu o apoio da Cooperativa Dolmen, que gere fundos comunitários na região do Douro Verde, canalizados para projetos culturais, turísticos e agrícolas.

O sabonete

Paulo e Pedro mantiveram a mesma formulação do sabonete original, “mas criamos uma embalagem moderna, inspirada numa caixa de joias, que, ao lado das cavacas e da cereja, pudesse ser uma marca do nosso concelho (de Resende)”. Tanto o projeto de recuperação do sabonete quanto a embalagem e a publicação de Caldas de Aregos foram apresentados oficialmente em 2013.

O sabonete medicinal (com 10% de água termal na sua composição) é muito usado principalmente por quem tem ecsemas e psorias (doenças comuns de pele), explica Paulo. Para ser comercializado, foi certificado pela Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), o que significa que “temos de identificar os ingredientes, a formulação e outras informações para o cliente”.

O caráter inovador do projeto já rendeu algum reconhecimento aos empreendedores Paulo e Pedro. Em 2014, eles foram finalistas do Douro Empreendedor, um concurso anual para premiar as melhores ideias ou projetos inovadores do Douro. No mesmo ano, receberam menção honrosa do Rural Criativo, que premia ideias no espaço rural. Sem falar do “Prêmio Iniciativa” da AER, em 2018.

Em 2016, Paulo e Pedro lançaram um gel de banho e um creme corporal, que trazem na sua composição, respectivamente, 65% e 45% de água termal.

Rede de vendas

A repercussão foi amplamente favorável, admitem os dois sócios. E para isso Paulo e Pedro contaram com a divulgação nos meios de comunicação (TVs, revistas e jornais nacionais e até mesmo franceses).

A Direção Regional da Cultura do Norte introduziu o sabonete nas 15 lojas dos museus e monumentos sob sua guarda. “Também começamos a ser contactados por lojas gourmets, sobretudo no Porto e Lisboa”, conta Paulo. Além disso, um distribuidor nacional coloca os produtos nas farmácias. Já são cerca de 50 a 60 lojas gourmets, de produtos regionais e de estética (salões de beleza, sítios de massagem, hoteis, etc.).

Além disso, Paulo e Pedro valem-se da divulgação por meio do site (www.douromemories.pt) e das redes sociais (facebook: Sabonete Aregos). “Começamos a ter contactos através do site, inclusive do Brasil. São pedidos de informações sobre o produto e como comprar. O retorno tem sido positivo, quem usa repete.”

Breve história

Os milagres, dado o poder curativo das águas de Aregos, sucederam-se ao longo do tempo, de acordo com a publicação “Caldas de Aregos…”. “Os banhos eram dados numa casa fechada, em dois tanques de pedra lavrada, de água sulfúrea muito quente…”

Em meados do século 19, Aregos foi incorporado no concelho de Resende. “Nesse tempo, a fama das águas milagrosas de Aregos era uma realidade: as águas medicinais salvavam os marinheiros que, por transportarem enxofre para combater a praga do oídio nos vinhedos do Douro, sofriam o terrível flagelo da sarna…”

A primeira análise química das águas de Aregos, em 1866, apontou cura para reumatismos, dermatoses, gota, sífilis… e concluiu: “É uma pena que não haja um edifício balnear perfeito para aproveitar tão preciosas águas”. Apesar da falta de instalações adequadas, as águas continuavam a ser referência curativa.

Em 1879, chegou o comboio a vapor à outra margem do rio. E no início do século 20 a localidade sofreu profundas transformações. As principais nascentes eram exploradas por particulares através das “casas para banhos”, quando então apareceram os hoteis.

Época em que muitos brasileiros frequentavam Caldas de Aregos. Um deles, o bem sucedido Joaquim Moreira Pêgo Junior, curado pelas águas, aplicou sua fortuna na construção do belo palacete denominado Villa Nazareth. Também presentou a localidade com abastecimento de água potável, avenida de tílias, uma fábrica de moagem e ainda deixou dinheiro para a construção de uma ponte no rio Douro, que nunca saiu do papel.

Companhia das Águas

Em 1906, um grupo de “visionários” formou uma sociedade para explorar as nascentes das águas mineromedicinais. Em 1913, a concessão foi transferida para José Mendes Guerra que, em parceria com Antônio Pinto Ribeiro e Antônio Joaquim Correia, construiu um moderno balneário termal e o Hotel do Parque. Também fundou a Companhia das Águas das Caldas de Aregos (1915) cuja concessão saiu em 1923.

Ainda no início da década de 20, Manuel Pinto Monteiro assumiu a exploração do Grande Hotel do Parque e se tornou o maior acionista da Companhia das Águas das Caldas de Aregos. Tornou-se um grande dinamizador do balneário, contratando artistas, jazz bands e orquestras para animar as noites do Hotel do Parque. Também construiu o Palace Pensão (mais tarde Hotel Portugal) e conseguiu uma paragem dos trens (comboios) diretos e do rápido Porto-Medina (Espanha). E ainda impulsionou a captação das águas medicinais, entre 1935 e 41, com um inovador sistema de arrefecimento.

O empresário de vinhos Manuel Pinto Hespanhol, um dos membros da nova direção da Companhia das Águas das Caldas de Aregos, foi responsável pela construção de novo balneário termal e da avenida central às termas e pela remodelação do Hotel e Casino do Parque. Foram contratados arquitetos conceituados que projetaram um dos mais belos e bem equipados balneários termais da Península Ibérica.

Em meados do século 20, havia em Caldas de Aregos várias unidades hoteleiras, ou seja, Grande Hotel Costa, Grande Hotel do Parque, Pensão Central (Casa Moreira), Pensão Comércio (Pensão Esteves), Pensão Moderna (Pensão Ilídio), Pensão Avenida e Pensão Palace (Hotel Portugal). Uma das características das termas era a de atrair poetas e escritores.

A partir da década de 60, Caldas de Aregos deixou de ser as termas da moda, com a diminuição dos veraneantes. Buscou redefinir, sem sucesso, os seus caminhos. A situação foi agravada com as cheias do rio Douro, em 1962, que deixaram o balneário termal apenas com o telhado à vista.

Em 1972, foi inaugurada a barragem do Carrapatelo, levantando uma barreira de proteção ao balneário termal. Mas não evitou a submersão do piso térreo, o desmantelamento do Parque e a demolição do Hotel.

Em 1975, os hoteis e pensões das Caldas de Aregos foram ocupados por um novo tipo de hóspedes: “os desalojados” das colônias, financiados pelo Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN). Um ano depois, a Companhia das Águas das Caldas de Aregos chegou ao fim, com a retirada da concessão. Três anos depois, as instalações termais foram encerradas.

Nova fase

Em 1984, a concessão termal foi entregue à empresa FAMISA, dirigida pelo comerciante de vinhos Francisco Mil-Homens, com a obrigação de construir um novo balneário, concluído em 1992, e de um hotel, nunca concretizado.

Em 1997, a concessão passou para a empresa Sotermal, que arrematou em leilão público os bens da estância termal. Em 2009, a autarquia de Resende adquiriu a totalidade das infraestruturas termais.

A localidade passou por transformações nas últimas décadas. Para aproveitar as novas potencialidades da albufeira (represa) de Carrapatelo, foi fundada em 1981 a entidade Amadores de Pesca e Caça de Caldas de Aregos, posteriormente designada por Clube Náutico das Caldas de Aregos (1997). “No rio, apareceram os desportos náuticos: vela, canoagem, remo, jet sky, polo aquático e, recentemente, motonáutica. Nas suas margens, o vôlei de praia e até uma praia fluvial.”

Em 2005, em Caldas de Aregos, foi inaugurado o pavilhão multiusos e, em 2009, o cais turístico fluvial no Douro.

“Atualmente, as Termas das Caldas de Aregos continuam a disponibilizar tratamentos terapêuticos e medicinais aos quais juntaram outros na área do lazer e bem-estar”, conclui a publicação “Caldas de Aregos…”

Praticamente 10 anos depois, as Termas voltam a ser geridas por uma empresa do setor privado. A empresa Latitude Pacifica Promoções, de Guimarães, venceu o concurso público lançado pela Câmara Municipal de Resende e terá de investir 7,2 milhões de euros na requalificação do balneário e na construção de um hotel de quatro estrelas (70 quartos duplos, restaurante e spa). O processo de concessão da obra está sendo analisado pelo Tribunal de Contas.

*“Caldas de Aregos - As Águas Milagrosas do Douro”, de Paulo Sequeira e Pedro Ferreira; ilustrações de José Vicente - 2013

 

 

 

 

 

 

 

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