Uma visita aos campos de concentração e extermínio de Auschwitz, 75 anos depois

Nos dois campos, perto de Cracóvia, na Polônia, foram mortas mais de um milhão de pessoas, a maioria judeus.


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José Venâncio de Resende, especial para o Jornal das Lajes 0

Entrando em Auschwitz: "Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta").

À entrada do campo de concentração e extermínio de Auschwitz I - a cerca de 50 km de Cracóvia ao sul da Polônia - um sugestivo painel contém os nomes dos países, entre eles a Alemanha, que preservam o lugar para as futuras gerações. De fato, chama a atenção a grande presença de jovens entre os milhares de visitantes que, a cada semana, passam pelo local que foi transformado em museu.

Setenta e cinco anos depois do fechamento de Auschwitz I e II (novembro de 1944), visitar os dois campos de concentração ainda provoca fortes emoções e mesmo incredulidade quanto à capacidade do ser humano de, em pleno século 20, ter promovido tamanha bárbarie, com requintes de crueldade contra a própria espécie.

Auschwitz - um conjunto de campos de concentração - foi idealizado por Adolf Hitler e a cúpula nazista para dar uma “Solução final para o problema judeu” (o extermínio dos judeus como povo), de acordo com o principal comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, em depoimento no julgamento de Nuremberg em 15 de abril de 1946. A construção começou em 1940 para dar conta das prisões em massa de judeus na medida em que as tropas de Hitler avançavam sobre a Europa.

Entre 1942 e 1944, trens transportaram cerca de 1,3 milhão de prisioneiros para os campos de Auschwitz. Foram 1,1 milhão de judeus; 140 mil a 150 mil poloneses (polacos); 23 mil ciganos; 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos; e 25 mil prisioneiros de outros grupos étnicos. “Auschwitz foi o maior campo de concentração nazi-alemão e desde 1942 também centro de extermínio em massa para judeus”, diz uma das placas no local.

Por país, estima-se o número de judeus deportados para Auschwitz em: 450 mil da Hungria; 300 mil, Polônia; 69 mil, França; 60 mil, Holanda; 55 mil, Grécia; 46 mil, República Checa/Protetorado da Boêmia e Morávia; 27 mil, Slovakia; 25 mil, Bélgica; 23 mil, Áustria e Alemanha; 10 mil, Yugoslávia; 7500, Itália; 690, Noruega; e mais cercca de 34 mil transferidos individualmente de outros campos de concentração.

Além de campo de concentração, tornou-se também um holocausto. Do total de deportados, morreram 1,1 milhão de pessoas (aproximadamente, 90% ou 1 milhão eram judeus), a maioria nas câmaras de gás. “O maior assassinato em massa da história da humanidade, perpetrado pelos nazistas”, resume outra placa no local.

Trabalho ou morte

A visita começa por Auschwitz I, que era a unidade original e o centro administrativo do complexo de campos de concentração e extermínio. Ali ainda se encontra o portão principal de Auschwitz, onde se pode ler a frase Arbeit macht frei (o trabalho liberta).

Imagens, textos e objetos contam a história macabra nos locais visitados, como o bloco 4 (da “Exterminação”), com as suas salas denominadas “A rua da morte” e “Método de exterminação” e um modelo de câmara de gás/crematório; o bloco 5 (das “Provas do crime”); o bloco das condições precárias (principalmente sanitárias) onde eram alojados os prisioneiros; e o bloco 11 (o “Bloco da morte”) que tinha várias funções como a de cadeia do campo central.

No interior do bloco 4, lê-se que os judeus deportados para Auschwitz chegavam à rampa especial da ferrovia (Auschwitz II). “Nesta rampa, mulheres e crianças eram separadas dos homens. Subsequentemente, os médicos da SS (organização paramilitar ligada ao partido nazista) faziam a seleção. Aqueles que eram considerados aptos para trabalhar eram direcionados ao campo. Somavam cerca de 25% dos que chegavam. Os demais eram enviados para as câmaras de gás.” Mas havia caso de vagão inteiro do trem ser “encaminhado diretamente para as câmaras de gás, sem qualquer seleção prévia”.

Também se lê que, depois do processo de seleção na plataforma da ferrovia, “para evitar a propagação do pânico, as pessoas condenadas à morte (nas câmaras de gás) eram asseguradas de que estavam sendo enviadas para tomar banho para desinfecção. (…) Falsos chuveiros eram fixados no teto das câmaras de gás. Mordidas e intimidadas pelos cães da SS, duas mil vítimas eram cremadas numa área de aproximadamente 210 m2. A porta da câmara era fechada e (o pesticida) Zyklon B era colocado no interior”.

E prossegue o relato: “Os corpos eram despojados dos dentes de ouro e das joias, os cabelos eram cortados, então os corpos eram queimados no crematório. Os documentos pessoais das vítimas eram destruídos.”

Por mais de uma vez, a guia turística referiu-se ao oficial da SS e médico Josef Menguele (conhecido como o “Anjo da Morte”), que morreu em 1979 no Brasil depois de viver como foragido na Argentina e no Paraguai. Era um dos responsáveis, em Auschwitz, pela seleção das vítimas a serem mortas nas câmaras de gás e por realizar experimentos genéticos mortíferos em prisioneiros.

No bloco 5, mostram-se as condições de vida no principal campo de Auschwitz. Estas condições diferem de acordo o período. O número de prisioneiros em cada bloco variava de 700 a mais de 1000.

Dezenas de prisioneiras, principalmente judias, eram trancadas em dois quartos do andar de cima e usadas como cobaias humanas em experimentos científicos de esterilização, realizados por ginecologistas nazistas, entre abril de 1943 e maio de 1944. Muitas morreram durante o tratamento, outras foram simplesmente assassinadas de forma que autópsias pudessem ser feitas em seus corpos. As que sobreviveram ficaram com danos pelo resto da vida.

Entre 1941 e 1943, a SS matou milhares de pessoas no muro entre os blocos 10 e 11, a maioria prisioneiros políticos poloneses, líderes e membros de organizações clandestinas e pessoas que ajudavam na fuga de prisioneiros ou facilitavam o contato com o mundo externo. Poloneses que tinham sido condenados à morte em cidades vizinhas eram levados para serem executados, incluindo mulheres e crianças. Prisioneiros de outras nacionalidades e origens étnicas, inclusive judeus e soviéticos, também foram mortos neste muro. A SS administrou punições brutais netes local, como açoitamentos e tortura, esta denominada “O poste”, na qual prisioneiros eram pendurados num poste pelos pulsos com os braços torcidos atrás das costas.Em 1944, o muro de execuções foi desativado e os assassinatos passaram a serem feitos na maioria nas câmaras de gás e crematórios de Auschwitz II.

O bloco 11, conhecido como o “Bloco da morte”, tinha várias funções, das quais a mais importante era a de servir como cadeia do campo central. Homens e mulheres prisioneiros de todas as partes do complexo eram colocados neste prédio. A maioria eram suspeitos de envolvimento em atividades clandestinas: tentativa de fuga, organização de motins e contatos com o mundo externo. Depois de brutais interrogatórios, eram na maior parte dos casos condenados à morte por tiros.

No porão, conhecido como “bunker”, havia celas de punição onde a SS confinava prisioneiros considerados culpados de violar as regras do campo. Em 1941, prisioneiros sentenciados à morte por fome estiveram neste local. Em setembro de 1941, a SS conduziu experimento no porão com o inseticida Zyklon B em preparação para os assassinatos em massa dos judeus: 600 prisioneiros de guerra soviéticos e 250 presos políticos poloneses, selecionados da enfermaria do campo como cobaias humanas para este experimento, foram mortos no local.

Uma experiência pessoal marcante foi a visita ao crematório. Antes da guerra, este prédio servia de “bunker” de munição. De 15 de agosto de 1940 a julho de 1943, a SS usou o prédio como crematório. No outono de 1941, o maior cômodo, que tinha sido designado pelas autoridades do campo como necretório, foi adaptado para uso como uma câmara de gás improvisada, a primeira deste tipo em Auschwitz. Usando o gás produzido a partir do Zyklon B, a SS matou milhares de judeus no local, poucas horas depois de sua chegada a Auschwitz. Vários grupos de soviéticos também foram mortos, da mesma forma que prisioneiros doentes cujo retorno ao trabalho era considerado improvável. Poloneses de fora do campo que tinham sido condenados sumariamente à morte foram assassinados neste local.

Depois da instalação em Auschwitz II de duas câmaras de gás improvisadas, na primavera e verão de 1942, para o assassinato em massa de judeus, a gaseificação neste crematório foi gradualmente desativada. Mais tarde (julho de 1943), com a conclusão em Birkenau dos quatro prédios de câmara de gás com crematório, a incineração de corpos neste crematório foi também suspensa. O incinerador, a chaminé e algumas das paredes foram desmantelados e os buracos no telhado (através dos quais a SS derramava o Zyklon B) foram fechados. O prédio passou a ser utilizado como depósito e posteriormente como abrigo antiaéreo para a SS.

Depois da guerra, o museu reconstruiu parcialmente a câmara de gás e o crematório. A chaminé e dois incineradores também foram reconstituídos usando os componentes originais, assim como foram várias das aberturas no teto da câmara de gás. Ao entrar naquele prédio, baixo e pouco iluminado (não era permitido fotografar o seu interior), onde foram incinerados milhares de corpos humanos, o impacto foi tão forte que tive a sensação de sentir cheiro de cinza, de algo queimado.

Descongestionar o campo do horror

Se no campo anterior há um complexo de prédios, Auschwitz II é uma vasta área onde se destacam os trilhos da ferrovia, as ruínas das câmaras de gás e o conjunto de casas baixas que abrigavam prisioneiros não-aptos para o trabalho cujo destino era a morte. Também conhecido como Birkenau, foi construído para descongestionar o primeiro, abrigando judeus e outras categorias de prisioneiros e funcionando como campo de extermínio.

Birkenau foi escolhido por causa de seu fácil acesso por trem e também por proporcionar isolamento. Os judeus recém-chegados de trem eram divididos pelos médicos nazistas entre aqueles aptos para o trabalho – que se tornariam prisioneiros no campo de concentração – e aqueles condenados de imediato à câmara de gás (geralmente anciãos, doentes e crianças), que tinham de aguardar a morte na rua, e cujos corpos seriam transferidos para os fornos, depois de retirado ouro de eventuais obturações dentárias e joias.

Os prisioneiros selecionados eram encaminhados para as fábricas de armas associadas ao complexo. Ali tinham de trabalhar duro em condições precárias inclusive em termos de alimentação e higiene, o que aumentava consideravelmente a taxa de mortalidade.

Na câmara de gás e crematório II, por exemplo, centenas de milhares de judeus (homens, mulheres e crianças) foram assassinados e seus corpos incinerados. O crematório também era usado para a disposição dos corpos de prisioneiros do campo de concentração, judeus e não-judeus, que tinham morrido de outras causas. Esta câmara de gás operou de março de 1943 a novembro de 1944.

Separado do masculino pela linha férrea, funcionava o campo de concentração feminino. Uma dessas casas abertas à visitação (denominada “casa da morte”) era usada para o isolamento daquelas mulheres prisioneiras, que foram consideradas pela SS como não-aptas para o trabalho e, assim, deveriam ser enviadas para a morte. Neste local, elas tinham de aguardar, sem comida nem água e, muitas vezes, por vários dias. Muitas inclusive morriam no próprio local. Quando a casa estava cheia, as prisioneiras adicionais também condenadas à morte eram mantidas no quintal.

Na medida em que a Segunda Guerra Mundial caminhava para o fim, a SS começou a remover a evidência das atrocidades cometidas em Auschwitz e, em novembro de 1944, as instalações foram desmanteladas. Em 20 de janeiro de 1945, foi usado dinamite para destruir o que restava.

Em 27 de janeiro, comemora-se por iniciativa da Assembleia Geral da ONU o “Dia Internacional da Lembrança do Holocausto” - nesta data, em 1945, os campos de concentração foram libertados pelas tropas soviéticas. Em 1947, a Polônia criou o museu da Segunda Guerra Mundial em Auschwitz I e II – mantido com o apoio de vários países -, que já recebeu a visita de milhões de pessoas de todo o mundo. Em 2002, a UNESCO declarou oficialmente as ruínas de Auschwitz-Birkenau como Patrimônio da Humanidade.

Lista de Schindler*

A fábrica de Schindler, em Cracóvia, também foi transformada em museu da Segunda Guerra Mundial.

Dos 225 mil judeus que viviam em Cracóvia, estima-se que apenas 15 mil sobreviveram ao Holocausto, com a ajuda de muitos poloneses que os mantinham escondidos. Uma inesperada ajuda foi também oferecida a um considerável número de judeus pelo empresário alemão e membro do Partido Nazista, Oskar Schindler. Ele ajudou a salvar aproximadamente 700 judeus. Esta história foi o tema do filme “Schindler´s List”, de Steven Spielberg.

A empresa German Enamelware Factory, popularmente conhecida como “Emalia”, foi estabelecida por Schindler, em 1939, e empregava poloneses e judeus na produção de esmaltes para as forças armadas.

Com a criação do gueto, os trabalhadores judeus eram escoltados para a fábrica. Em março de 1943, os residentes do gueto foram encaminhados para o campo de concentração de Plaszów, nos arredores de Cracóvia, como resultado da ação de extermínio. Então, Schindler conseguiu permissão das autoridades de ocupação para estabelecer um sub-campo perto da fábrica, o que era bem melhor do que o campo principal. Porém, logo todos os sub-campos foram fechados, o que forçou os trabalhadores judeus a retornarem ao campo de Plaszów.

Em meados de 1944, como a frente de batalha se aproximou de Cracóvia, Schindler adquiriu uma fábrica de tecidos no campo de trabalho de Brünnlitz, na República Checa, para instalar uma fábrica de munições. Para isso, foram utilizados equipamento e pessoal da fábrica Emalia.

Estes acontecimentos conduzem à Lista de Schindler. Originalmente, esta lista teria 1000 pessoas. Ou seja, a permissão das autoridades nazistas para a nova fábrica empregar 1000 judeus de Plaszów gerou grande satisfação no campo. Os primeiros a comporem a lista eram empregados da fábrica Emalia.

Assim, cerca de 700 judeus do campo de Plaszów foram enviados para a nova fábrica, número este que foi aumentado mais tarde. Na verdade, a fábrica do campo de trabalho de Brünnlitz nunca produziu munição. Em 6 de maio de 1945, os guardas deixaram o campo, sendo logo seguidos por Schindler. Três dias depois, o campo de trabalho de Brünnlitz foi tomado pelas tropas soviéticas.

Estimam-se que Schindler salvou cerca de 1200 judeus do genocídio, empregando-os em suas fábricas nas atuais Polônia e República Checa.

*“Schindler´s List”, a Guidebook, Gestum, 11º edição, 2017, Kraków. Poland.

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