A Teia do Mundo

Un hombre muy serio

15 de Setembro de 2021, por José Antônio 0

– Mas ele é muito sério!

Dizem isso a meu respeito (não sei se o trocadilho com o respeito vai bem aí.) Falam que tentam se aproximar de mim, comentar meus escritos, falar de alguma passagem engraçada ou lírica, ou emocionante...

 – Fico sem graça, ele é muito sério.

Ora bolas, quem fica sem graça é aquele que fica sério, pois perdeu a graça. Encontrou-se comigo e ficou sem graça, de duas uma: encontro de dois sérios ou encontro de dois sem graça.

Em retratos, reconheço, eu posava como um alemão protestante e puritano. Quando me via nas fotos, sentia-me ameaçado por mim mesmo. Tentei corrigir e passei a sorrir na frente da câmera. O resultado foi um arremedo de garoto-propaganda de camelô. Aí eu entendi que o problema estava com as minhas sobrancelhas: eu as franzia demais e ficava com aquela cara de metralhadora. Relaxei os sobrolhos e passei a gostar mais de mim nas fotos. Nem soldado da guarda inglesa do Palácio de Buckingham, nem zé-risonho das plagas de Vera Cruz.

Agora, na rua... o negócio é complicado. Como andar sem os outros acharem que sou sério? Andar sorrindo? Não estou a fim de ganhar o apelido de Toninho Ternura. Andar gargalhando? É o Zé Maluco? Andar parando com todo mundo, perguntando até por quem já morreu e sempre de bom humor nos lábios? Não nasci para palanques nem para compra de votos.

No fundo, não sei o que os outros entendem por sério. Eu procuro viver adaptado às conveniências sociais... o que, por sinal, já é muito sério. Trabalho, estudo, curto a vida, rezo, viajo, escrevo, saio com os amigos, amo, sonho, canto... isso é coisa de assustar os outros?

Ele é muito sério... Talvez o problema esteja com a minha ginga. Ou são as pernas e as passadas? Quem sabe eu ando sempre de cabeça erguida? Será que são as minhas roupas? Ou o movimento dos meus braços? Pode ser que eu ande muito depressa... ou devagar... Será?

Vou um pouco mais fundo: será que é porque não olho nos olhos de quem não conheço? Posso não olhar nos olhos, mas estou vendo a alma pelas fendas da aparência. O que vejo me emociona, outras vezes me faz rir... mas sempre me leva a escrever.

Acho que esta é a minha seriedade: trago um menino atento, curioso e terno dentro de um homem discreto, simples e... sério. Há pessoas que vivem dando risada para não terem tempo de chorar. Existem outras, sérias, que não exageram na euforia para que a alma tenha tempo para a alegria. Sou do segundo grupo.

Quer mesmo saber de uma coisa? Eu ando do jeito que sou, mas não sou do jeito que ando. Entendeu? Mas não fique pensando muito nisso, senão você vai ficar sério demais.

Pai presente

19 de Agosto de 2021, por José Antônio 0

“Presente!” – Foi o que eu respondi quando Deus me fez a chamada para ser pai.

Minha missão começou junto com a minha aprendizagem. Aprendi a ser pai... sendo pai.

Pai é presente gerúndio. Amando, ouvindo, dizendo, apoiando, educando. Pai é pai... estando. Mesmo que às vezes necessite ficar longe.

Sou pai e, quando abracei pela primeira vez meu filho recém-nascido, foi como se eu abraçasse a minha própria alma, que naquele momento tinha mais um corpo além do meu. Beijar o filho, beijar a filha são momentos sublimes em que lábios e pele formam um inseparável amálgama de existências para sempre entrelaçadas e comprometidas. Filhos são para sempre.

Há momentos em que eles nos fazem chorar, há outros momentos em que eles nos trazem risos, existem situações em que eles nos apresentam angústias e também existem momentos em que eles nos fazem ficar orgulhosos. Mas são sempre eles os melhores desdobramentos de nós.

Pai presente sabe tirar de si mesmo a pepita mais rara e entregá-la aos filhos, sem ficar pobre. E se ficar pobre, é uma pobreza que enriquece, pois a fortuna do pai presente é o filho alegre, realizando-se e em paz. Pai presente é acima do tempo, pois para ele o filho e a filha são, simultaneamente, as crianças do passado, os viventes do agora, os caminhantes para o futuro. 

Pai presente é rígido quanto às ameaças ao bem dos filhos. Pai presente é, antes de ser pai, amigo sempre com o coração aberto na acolhida. Pai presente sabe quando o filho e a filha alcançam o seu direito – e eles têm esse direito – de abrir suas asas, mirar o horizonte e voar, levando como bagagem o peito repleto de expectativas. 

Nesse momento, o pai presente sabe que a saudade vai ficar morando no lugar do filho e da filha… o pai presente sabe que haverá aquele cantinho da casa no qual o filho e a filha se projetarão em imagens suavemente insistentes… Mas o pai presente sabe que ele um dia abriu suas asas e também fez seu voo. E agora, porque voou, é contemplado pela sua continuação nos filhos. O pai presente, de antemão, é conhecedor dessa realidade, pois a vida é para frente. O pai presente… pressente.

Os filhos são o nosso resgate mais precioso. Por causa do meu filho e por ser pai presente, eu aprendi a ser um filho melhor para com meu próprio pai e minha própria mãe. Por causa do meu filho e por ser pai presente, eu estou aprendendo a ser um filho cada vez melhor para com Deus. Por causa do meu filho e por ser pai presente, quando Deus me fizer a chamada para eu entrar em seu Reino, eu poderei responder:

“Presente!”

Piadinhas sociais

15 de Julho de 2021, por José Antônio 0

A gente vai vivendo e vai aprendendo algumas expressões que se cristalizam na própria convivência social. Muitas delas, inclusive, se tornam uma espécie de ritual de bom humor. Na verdade, são frases vazias, previsíveis e sem graça. São aquelas piadinhas inocentes que a pessoa diz, pensando que está exibindo uma pérola do humor. E a gente tem que rir, mesmo sem ver graça alguma na ostra.

Tentar mexer ou dar outra interpretação para elas pode incorrer no risco da deselegância. O jeito é aguentar essas piadinhas irritantes para continuar a ter amigos.

Você agradece um favor e diz: “Obrigado!” E o cara responde, achando-se o top dos humoristas:

– Obrigado? Não, não é preciso brigar. Não precisa ficar “brigado”.

Você ri, mordendo com raiva o risinho no canto amargo da boca. Ri por cortesia. Se não rir, aí sim, fica brigado.

E quando você vai almoçar na casa de alguém? Na hora da sobremesa, se é pavê, alguém sempre se sai com esta:

– Olha o doce aí, gente! É pavê... mas não é só pavê não, é pra comer também.

Você ri já vomitando o pavê por antecipação.

Mês passado, eu me encontrei com o cunhado do Leovaldo. Depois de uns minutos de conversa, lasquei a pergunta:

– E você? Já se casou?

Lá veio a piadinha manjada:

– Eu não. Ainda não encontrei nenhuma doida.

O humor é uma coisa exigente. Você tem que contar com, pelo menos, três coisas: o conhecimento da situação, o conhecimento de quem vai ouvir e o conhecimento de combinações variadas de ideias, tudo isso movido pela criatividade e pela agilidade de raciocínio.

Por isso que essas piadinhas não funcionam. O cara não percebe que a situação pede novidade, não percebe que o ouvinte quer novidade, não percebe que novas combinações exigem novidade. O resultado é o riso forçado.

Quando alguém me convida para entrar em casa, eu sempre pergunto na cautela: “Tem cachorro aí?”

– Não. Pode entrar. O cachorro que tem por aqui sou eu mesmo.

Que preguiça, meu Deus!

Uma vez, eu tentei dar outra interpretação para um clichê. Não era piadinha. Na verdade, quem fez a piadinha fui eu. E me dei mal. Uma amiga me falava da importância de viver intensamente cada dia, as maravilhas de viver, as surpresas das manhãs... aquelas coisas. No fim, ela colocou a mão no meu ombro e me disse solenemente, como se tivesse declarando o suprassumo da sabedoria:

– Viva cada dia da sua vida como se fosse o último.

E eu respondi:

– Claro! Um dia você acerta.

Ensaiei um riso, mas ela não me acompanhou. Fechou a cara e bateu em retirada, despedindo-se friamente.

Pois é... Expressões que não podem ser mudadas. É pavê.

Menino lembrando uma noite de junho

16 de Junho de 2021, por José Antônio 0

Foi numa daquelas noites de junho, daquelas em que o céu já começa a se vestir de noite lá pelas seis da tarde. As nuvens ficam cor-de-rosa enquanto pelo chão as sombras se mostram compridas, longas iguais à solidão que gosta de acompanhar a gente por toda a vida.

Era uma dessas noites de junho. O vento cortava gelado as costas dos meninos e as pernas das meninas... queimava de frio os dedos finos das moças e as mãos ásperas dos moços. O vento vinha do morro e virava a esquina. Pegava todo mundo de surpresa.

Mesmo assim, com tanto vento e com tanto gelo, o pessoal da vila não se fez de rogado. Saiu todo mundo pra ir às barraquinhas da quermesse. Música tocando no alto-falante, vestidos estampados indo e vindo, rodinhas de rapazes conversando e rindo, meninos e meninas correndo pra tudo quanto é lado, um homem gritando números em uma das poucas barracas, cheiro de quentão embriagando a alegria simples de um povoado que se contentava com a simplicidade das poucas coisas.

Uma das barracas vendia salgados. A outra, doces e canjica. A última, perto do coreto e também cheia de luzinhas acesas, vendia bebidas quentes e fazia jogos de víspora e pescaria. Praça cheia, alegre e aconchegante. Acho que por isso ninguém tinha ficado sozinho em casa. As casas estavam frias e a praça quentinha. Havia vento, mas tinha quentão.

Resolvi tentar a sorte num dos jogos. Na verdade, eu queria era tirar um prêmio na pescaria e entregar pra Ana Clara, que estava na praça havia meia hora, mas no meu pensamento um montão de tempo. Ana Clara caminhava, passava perto da barraca e nem me via. Que vontade de pegar a sua trança e pescar com ela o seu coração...

Levei a mão gelada no bolso e achei lá uma solitária moeda. Fiquei por ali, encarapitado na cerca da barraca, atento à minha pescaria. Pescador de sonho... de sonho mergulhado na serragem e que não precisa de isca pra ser capturado. Fisguei o peixinho e o peixinho escorregou. Fisguei outra vez e o danado voltou pro chão. Na terceira vez, o peixinho veio pra mim. Não é que tinha um anel pendurado nele?

Peguei o anel, soprei a poeira e fui procurar a Ana Clara. Já imaginava sua trança sem Rapunzel, seu sorriso de princesa sem castelo, perdida ali naquele povoado sem grandes perspectivas, porém única e preciosa nas minhas vertigens de infinito.

Lá estava ela! Cheguei perto e... Ana Clara já tinha anel. Não só anel, mas também um namorado. Rapaz que eu nunca tinha visto na vila. Era gente da cidade. Garanto que foi ele quem deu o anel pra ela. O anel que Ana Clara ganhou do namorado não era de pescaria nem tinha poeira de serragem.

Desci os olhos, fechando as cortinas da minha esperança. Voltei pra barraquinha da pescaria. Joguei o anel na serragem, a serragem no meu sonho e pus meu sonho num balão que estava subindo pra sumir.

O vento continuava soprando frio.

O primeiro carro a gente nunca esquece

19 de Maio de 2021, por José Antônio 0

Foi um fusca. Creme. Quando ele chegou, confesso que tive vergonha. Velho, mas conservado (eufemismo cretino para tentar esconder a decrepitude). Tudo naquele fóssil de lata cheirava a baú. Mas, o que fazer? Não sabia dirigir, daí comprei o fusca para aprender.

O instrutor ia até minha casa e saía comigo: ele dirigindo e eu observando. Depois de dois dias assim, o instrutor disse, sempre resoluto:

– Agora é a sua vez.

Sentei-me no lugar dele e me senti guiando o planeta. Tudo era difícil. Inclusive contar com o carro. Sempre morria. E morria, de preferência, em vias públicas movimentadas, fazendo com que eu também morresse... de vergonha. Quem quer saber se você está aprendendo? O pessoal quer é passar. E o fusca nem aí. Não pegava e pronto. O negócio era empurrar, instrutor e eu. Mico geral.

Quando o danado não morria, era qualquer outra coisa: disco de embreagem patinando, freio no fim, pneu furado, vela fraca fazendo o motor trabalhar quase desmaiando, carburador sujo... Parece que o carro tinha o compromisso de sempre avisar que ele era velho, que não aguentava mais muita coisa.

Não sei quem era mais fiel: se o instrutor a mim, se eu ao fusca ou o fusca ao enguiço. E nessa complicada fidelidade, íamos os três sempre na mesma hora, nas mesmas ruas, na mesma teimosia de um ensinar, o outro aprender e o terceiro querer funcionar. Não saiu muita coisa daí.

Dois marmanjos dentro de um vetusto carro do povo. Talvez pensassem, quando nos viam: “Por que será que esses dois passeiam tanto nesse monte de lata velha?”

Pior era o gasto. Gastava com as aulas e com os consertos do carro. Cada aula terminava na oficina. Teve um dia que alguma coisa explodiu dentro do motor, tipo uma bomba. O estranho é que não saiu fumaça alguma. Nesse dia, o instrutor deixou de ficar preocupado comigo e ficou preocupado com o carro.

– É melhor não mexer. Eu sou instrutor, mas não sou mecânico nem desativador de bombas. Vamos lá chamar o Taturana.

Taturana era o mecânico. Aliás, nunca entendi por que todo mecânico tem apelido estranho. O Taturana veio, abriu o capô, apertou uns negócios, puxou outros e soprou o motor. Não respondeu a nenhuma pergunta que fiz. Resultado: o carro pegou novamente, a aula iria continuar e eu estava devendo o pagamento ao Taturana. Arrisquei mais uma pergunta:

– Por que o motor explodiu?

E o Taturana respondeu, numa filosofia de parafuso:

– Acontece!...

O tempo passou, consegui minha carteira e já podia comprar um carro melhor. Tinha que me desfazer do fusca. Consegui vendê-lo para uma moça que queria aprender a dirigir. (A gente sempre encontra alguém mais bobo do que a gente!) Mais uma que queria aprender a dirigir... no fusca. Bem que o fusca podia ser doado a um centro pedagógico, já que se prestava tanto ao ensino.

Foi-se o meu fusca. Quando a moça virou a esquina levando o fusca, senti um estranho vazio: saudade misturada com remorso. Era velho, irritante, gastador... mas me valeu muito. Porém, assim é a vida, nada fica.

De repente, ouvi de longe uma explosão forte.

Acontece!...