– Quer que registre o seu CPF na notinha da compra? Olhei, sem entender, para a garota do caixa do supermercado. Registrar o meu CPF na nota da compra? Com certeza era alguma ordem vinda de cima pra baixo.
Mas... registrar pra quê?
A garota também não sabia. Depois de hesitar em algumas palavras desconectadas, assumiu a situação e me lançou um sorriso desolador:
– Uai, moço... pra ficar registrado.
Se você, leitor, nunca ouviu falar de tautologia, então aí vai: a tautologia é você explicar uma coisa por ela mesma. É um raciocínio circular, fica sempre onde está: essa música é chata porque demora... e ela demora porque é chata.
A tautologia é um tipo de autoritarismo. É isso aí e pronto!
Até o velho e bom Drummond apelou: Eu te amo porque te amo.
E acabou. Não se discute mais.
Quando pequeno, eu morria de curiosidade para saber como é que o Seu Manuel fazia picolé. Não entendia como o picolé ganhava aquele formato e ficava colorido. Aí eu arrisquei:
– Seu Manuel, como é que o senhor faz picolé?
E ele, numa tautologia sucinta e congelada:
– Fazendo.
A bem dizer, a gente usa a tautologia toda hora. Veja só a matemática: quatro é par porque é divisível por dois... quatro é divisível por dois porque é par.
Tem ainda a história zoo-ontológica da galinha e do ovo: o ovo existe porque existiu uma galinha; a galinha existe porque existiu um ovo.
Explicar as coisas desse jeito é igual cachorro correndo atrás do próprio rabo. Roda, roda... e não sai dali.
Já viu aquela situação em que você se deleita com algum tipo de prazer e não encontra palavras para defini-lo? É aí que a gente se lembra da Coca-Cola: Isso é que é!
Talvez a tautologia esteja em nós até hoje como ecos freudianos das reprimendas da infância:
– Menino, desce daí agora!
– Por que, mãe?
– Porque você tem que descer!
E vai discutir...! O final dessa história é o típico chavão tautológico: E fica tudo por isso mesmo!
A própria vida é tautológica: nascemos para morrer e morremos porque nascemos.
Paguei a minha compra no supermercado. Quando ia saindo, pedi à garota:
– Você poderia colocar os pacotes de café em duas sacolinhas?
Ela me olhou sem entender. Acabou perguntando:
– Duas sacolinhas? Pra quê?
Nem hesitei:
– Pra serem duas sacolinhas!