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Escada rolante

10 de Agosto de 2017, por José Antônio

No começo, a notícia ganhou fama de boato. Onde já se viu? Uma cidade tão pequena... pra que escada rolante? Porém, quando todo mundo viu a bateção de estaca na loja do Amadeu, a coisa mudou de figura: a cidadezinha de Pinta Mansa iria ter a sua primeira escada rolante.

Como os negócios iam bem, o Amadeu subiu mais um andar. E quis incrementar com uma escada rolante! A loja ia de vento em popa para um evento em pompa.

O assunto em Pinta Mansa era somente a escada rolante da loja do Amadeu. Entre os pintamansenses, havia um grupo favorável à escada. Agora sim, a cidade teria seus degraus para galgar a uma posição no mapa. Por outro lado, havia o grupo do contra: Pra que escada rolante? De onde o Amadeu tirou essa ideia? É tudo mania de ser chique.

E tinha também a ala dos desinformados:

– Escada rolante? Pra que ficar rolando numa escada?

– E eu? Subir escada rolando? A minha labirintite vai me matar de vez.

No dia da inauguração, a rua estava entupida com tanta gente querendo andar de escada rolante. Amadeu caprichou nos aparatos: carrinho de pipoca e algodão-doce na porta, palhaços pintando a cara das crianças, banda de música... Tinha até uma mulher que fora contratada pra ficar cuspindo fogo no meio da rua, mas não pôde comparecer.

Amadeu abriu a loja e a multidão avançou curiosa. De repente, todo mundo parou estatelado em frente à geringonça cheia de degraus, já funcionando. E aí? Quem vai primeiro?

Amadeu ficou ao pé da escada rolante, organizando as viagens para o andar de cima. E naquele vai-não-vai, alguém que ia-não-ia decidiu ir: o Crispim. Octogenário, bisavô e cabeça mais branca do que neve com anemia, Crispim meteu respeito na turba agitada. Todo mundo ficou quieto para assistir ao embarque do respeitável senhor.

Nem bem Crispim colocou a sola do pé na esteira, já perdeu o equilíbrio e entrou enviesado. Não deu outra: o primeiro passageiro chegou caindo no andar de cima. Crispim tinha realizado um fato impressionante: ignorou a lei da gravidade e caiu pra cima. Na volta, Crispim desceu de barriga.

Em pouco tempo, uma fila se formou e todos subiam e desciam. Davam tchauzinho, tiravam fotos, soltavam risinhos nervosos. Teve até gente que tentou se equilibrar no corrimão, dando uma de surfista de escada rolante.

Com o passar dos dias, Amadeu começou a se arrepender do investimento. As pessoas subiam, davam uma voltinha no andar de cima, desciam... e não compravam coisa alguma. E o pobre do Amadeu ainda gastando com a manutenção da escada rolante. Tocando pandeiro pros outros dançarem.

Hoje a escada está desativada. As compras voltaram a crescer e os negócios melhoraram.

Novidade é assim mesmo. Tem prazo de validade. Novidade pra continuar a ser novidade, tem que possibilitar descobertas. Senão enjoa. Mas tem que ser descobertas que transformam. O Crispim descobriu que pode cair pra cima. E daí?

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