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Festa Junina

18 de Junho de 2019, por José Antônio

Sempre me incomodou a Festa Junina. O casamento na roça é uma crueldade. Parece que nos arraiais qualquer casamento é assim: todo mundo mal vestido, dente faltando, risinhos idiotas e roupas remendadas.

Será que na roça os casais são assim? É desse jeito que eles vão a um casamento? Os homens trajando calças no meio da canela, botinas grotescas, paletós apertados ou largos demais, um caquético chapéu de palha e um cigarrinho apagado no canto da boca encimada por um arremedo de bigode... As moças trazendo trancinhas apertadas, as bochechas avermelhadas e com pintinhas pretas, vestidas com babados e estampados berrantes, batom exagerado e medonho...

O noivo, quase sempre, casando-se forçado sob a ameaça de duas espingardas: do pai da noiva e do delegado (os dois também cheios de remendos). A noiva vem de branco, vestido ridículo e véu terrível, carregando o buquê da esquisitice.

Depois que o padre abençoa o casal, começa o baile. Cada um dançando mais deselegante que o outro, inclusive o próprio padre. E todo mundo cai na gargalhada. Gente esquisita, espingardas, brigas... que nem baile de bandidos. Não é à toa que o negócio recebe o nome de quadrilha.

Eu fico vendo... e fico pensando. Só penso. Prefiro não falar pra não dar uma de antipático. Será que todo casamento na roça é esse espetáculo circense? Será essa a imagem que a cidade tem do povo da roça e de suas comemorações? Será que isso não aumenta o preconceito e o repertório de piadas sobre jecas e matutos?

Foi aí que me veio uma ideia, tomando um copo – ou melhor – vários copos de quentão: se não é possível mudar o figurino das núpcias, que tal mudar a linguagem? E aí, o animador da quadrilha gritava animado:

– Afastemo-nos para trás, formado duas colunas! (seria o anarriê)

– Aproximemo-nos para executar o embalo dos corpos! (balancê)

– Façamos juntos o giro! (olha o tour)

– Itinerário para a zona rural! (caminho da roça)

– Presta atenção ao réptil ofídico! (olha a cobra)

– Trata-se de uma inverdade! (é mentira)

– A construção para atravessarmos de um lado para o outro do rio está avariada! (a ponte quebrou)

– Porém, já se encontra reparada! (já consertou)

– Caminhada descompromissada na sede do espaço urbano! (passeio na cidade)

– Presta atenção ao molusco gastrópode que tem uma concha em espiral nas costas e quatro tentáculos! (olha o caracol)

– Atentem-se para a passagem subterrânea! (olha o túnel)

– Que os cavalheiros executem a troca de damas! (changê)

– Presta atenção, pois está ocorrendo uma precipitação de água atmosférica! (olha a chuva)

– Está por encerrada! (já passou)

Quando dei por mim, o quentão virou frião. E vi que minha ideia era palhaçada. Não contei pra ninguém, só para o Marcus Vinicius de Andrade Peixoto, meu amigo e confidente, especialista em Filosofia e pesquisador dos tópicos aristotélicos na dialética marxista da batucada do Olodum. Ele apenas fechou os olhos e expressou sua pérola de dendê:

– É melhor deixar como está para ver como é que fica.

Fui embora pensando. Outro dia, tomei mais quentão e essa frase do Marcus Vinicius de Andrade Peixoto voltou assim pra mim:

“Trata-se de uma decisão mais dotada de sensatez permitir que a situação permaneça no estado em que originariamente se encontra a fim de que possamos averiguar a maneira em que ela se estabelece.”

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