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Insensível

16 de Julho de 2019, por José Antônio

(Quem calcula em matemática vai entender...
                                                                                                  quem entende de poesia vai calcular.)

 

Eu ainda menino. Uniforme escolar e calça curta. Menino frágil, ingênuo, assustando-se com as novidades mais banais.

Ao meu redor, numa espécie de canteiros retilíneos, mais meninos e meninas com olhares ressabiados. A voz monocórdia da professora e todo mundo copiando. Proibido olhar pro lado e conversar.

Então, depois de alguns poucos dias, tu entraste na sala de aula e na minha vida de algarismos multiplicadores de possibilidades que não acontecem, resultados sem valores notáveis. Trazias na fronte uma singela tiara de contas, circunferência delicada, perímetro suficiente para conter a dízima periódica de teus mistérios que tendem ao infinito.

Por mais que eu tentasse ser ímpar aos teus olhos, jamais quiseste ser meu par. Qual era, afinal, a fórmula para ser contido em teu coração de insensível longitude?

Entreguei-te meu desejo, minha persistência e meus erros. Tu me devolvias apenas uma fração ordinária de teu olhar, fração irredutível à minha procura. Não enxergavas os parênteses de minhas expressões cálidas, acolhedoras e sem chaves.

Minhas investidas humildes não encontraram tangente em teus inescrutáveis teoremas. Qual a matriz de teus segredos? Qual o sistema de teu querer?

Meu coração pulsa à esquerda... mas pulsar no zero à esquerda é sofrimento sem diâmetro. Dor solitária, monômio sem binômio.

Dentro de meu peito, uma rosa de geometria irracional, com uma raiz quadrada e pétalas fractais foi crescendo sem compreender seus próprios fatores. Flor teimosa em se repetir a si mesma na procura de tua incógnita.

Porém, és destituída de sentimento, não aceitas a emoção em teu consciente nem no teu inquociente. És um travo secante que desce mal na garganta... decimais... desce até a alma.

E danço sozinho no arranjo melancólico dos acordes de um conjunto vazio. Dançar contigo? Procuro o teu ritmo, mas não alcanço o teu algoritmo.

Fazer o quê? Não faço parte de teu quadro de valores.

No entanto, não posso negar que és bela.

E como toda bela, és cruel.

Como toda bela, és problemática.

Assim é que te vejo, Matemática!

Jamais chegaremos a um denominador comum.

– Até logo!

E tu me respondes:

– Até log!

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