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Numa folha qualquer não desenho um sol amarelo

11 de Outubro de 2017, por José Antônio

O desenho sempre foi o traço (torto!) da minha incompetência frente à figuração da realidade. Risco e arrisco contornos ridículos, tentando trazer o real para o meu papel. Jamais consigo. Ou o real não é captado ou o real é decapitado.

Sei que o problema não é só comigo. Tive uma namorada cujo pai trabalhava desenhando retrato falado para a polícia. Era realmente um caso de cadeia. Seus retratos falados eram verdadeiras calúnias à fisionomia dos retratados. A polícia sempre ia atrás do cara errado.

Acabou demitido, pois precisavam de quem soubesse fazer retrato falado... e não retrato falhado.

Quanto a mim, sou erudito em aquarela do tosco. Nem sol eu sei desenhar direito. Fica igualzinho moeda que caiu em cima de inseto.

É difícil de acreditar, mas na minha mocidade cismei de participar de um concurso de desenhos. Criei um personagem e fiquei semanas a fio burilando a sua forma. Mandei para a banca avaliadora. Quem vencesse teria a sua obra transformada em desenho animado.

Se o concurso fosse de desenho desanimado, eu até acho que teria alguma chance. Mas não deu. Talvez o nome do meu personagem não tenha ajudado, sei lá: Xapotó!

Porém, uma coisa me consola: meus desenhos são dinâmicos e têm vida própria. Isso é uma vantagem minha sobre quem desenha bem.

Se o bom desenhista mostra o seu desenho de uma casa, todos irão dizer que se trata de uma casa. Bem desenhada, tudo bem, mas não passa de uma casa. Comigo é diferente. Meus desenhos vivem suscitando visões diferentes: quando eu desenho alguma coisa, todos pensam que é outra coisa. Meus desenhos transcendem a si mesmos.

Uma vez, desenhei um cavalo e teve gente que disse estar vendo uma ponte de madeira. Desenhei um jacaré e mostrei para o meu filho:

 – Puxa, pai, eu não sabia que você desenhava tão bem um regador...

Mas eu não desisto. Sei que meus desenhos são feios. No entanto, eles provocam mais o artista que vê do que o artista que desenha. Já me conformei com o meu jeito torto de ver as coisas. Vou capengando atrás das formas, tentando entender o traçado de cada uma. O que consigo é do meu jeito.

 Não sei... se eu desenhasse de modo fiel ao real, eu trairia a mim mesmo. Prefiro ser fiel a mim mesmo e trair a previsibilidade do real. Acredito que assim eu consigo surpreender sensibilidades perante desenhos esdrúxulos.

Eu não queria dizer, mas nem gosto de pensar como seria se eu desenhasse o meu próprio autorretrato...   

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