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O doutor Ximbica está?

16 de Janeiro de 2018, por José Antônio

Tia Zenóbia sempre dizia: O apelido rouba o nome. Eu concordo. E rouba também toda a aura de dignidade que envolve o dono do apelido. Não é à toa que grande parte dos apelidados detesta as “referências alternativas” que recebem pelas ruas. É duro constatar quarenta anos de honradez e exemplo de cidadania reduzidos a um simples Lulu, ou a um humilhante Vaca Pelada. Isso compromete toda a seriedade da pessoa.

Você se consultaria com o doutor Ximbica? Quem é que votaria no deputado Carlinhos Cabeção? Já pensou uma diocese que tenha como bispo o Dom Tonico Ventania? E você, minha querida leitora, teria coragem de contar para suas amigas que a sua costureira é a Naná Manguaça?

E a coisa vai mais longe. Nenhuma igreja evangélica anunciaria que o pastor Vadinho Jurubeba vai pregar sobre a Bíblia. Se eu dissesse que o meu dentista é o doutor Ninico da Nhoquinha...! A professora Borracha Queimada tem condições de conseguir disciplina dos alunos? Nem o delegado Sapo Redondo teria moral frente ao juiz de direito doutor Perereca.

O apelido, a meu ver, tem a capacidade de mostrar duas importantes coisas que devem ser lembradas: a primeira é o incrível poder de abstração do ser humano. Quem é que disse que o povo não abstrai? O apelido é a síntese da pessoa. É um rótulo construído a partir de uma considerável observação intuitiva. A outra coisa que o apelido revela é o alerta de que todos nós somos risíveis. A vaidade é uma estupidez. Qualquer ser humano traz dentro de si uma caricatura que não aconteceu, mas está lá. E cabe ao apelido revelar essa caricatura.

Agora, tem gente que vai aos extremos. Como aquele garçom que tinha o apelido de Limonada e odiava isso. Dizem que um homem, certa vez, querendo tomar uma limonada, dirigiu-se ao bar do tal garçom. Sabia do seu apelido. Mas como pedir limonada ao garçom? Teve uma ideia: pediu um limão; depois pediu um copo dágua; pediu, a seguir, açúcar e colherinha. O garçom trouxe também um revólver e ameaçou:

– Se misturar tudo isso aí, leva chumbo!

Sempre me falaram que se a pessoa esquentar a cabeça aí é que o apelido pega mesmo. Deve ser por isso que nenhum apelido pegou no meu amigo Marcus Vinicius de Andrade Peixoto, especialista em Filosofia. No momento, ele estuda os ecos existencialistas de Kierkegaard na música baiana. Já tentaram uma porção: Arquimedes do Afoxé, Benjamin Beijatu, Platão do Acarajé (esse até virou nome de bloco lá em Salvador), Pascal-Natal-Carnaval, Karl Marx do Coco Ralado, Pitágoras do Quindim e até mesmo Vatapá Kant e Frio.

Nenhum pegou. Quanto a todos esses apelidos, Marcus Vinicius de Andrade Peixoto sempre diz, numa preguiça de fazer inveja a qualquer Dorival Caymmi:

– Eu ouço observando e observo ouvindo...

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