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Sobre a felicidade

21 de Janeiro de 2020, por José Antônio

Foi semana passada. Duas crianças me pararam na rua. Brincavam de fazer entrevistas pra televisão. O menino segurava no ombro uma caixa de sapatos com um tubo aproveitado de um rolo de papel higiênico, imitando uma filmadora. A menina, maquiada e com um microfone de plástico, era a repórter.

– Por favor, moço, uma entrevista para a TV!

Parei e esperei a pergunta. O menino mirava meu rosto, como se fosse atirar em mim.

– A felicidade existe?

O que responder? Eu mesmo já me fiz essa pergunta tantas vezes e jamais encontrei uma resposta digna de ser gravada. Felicidade...

A felicidade não foi feita para esse mundo. Ela apenas dá sinais momentâneos e esporádicos de que existe, mas ela não é daqui. Nem pode ser, pois felicidade é completude... e nesse mundo somos sempre incompletos. Porém, é justamente essa incompletude que nos impulsiona a viver. É porque nos sabemos incompletos que nós nos esforçamos para preencher tantas lacunas em nosso existir.

 Precisamos da insatisfação para que haja mudança; precisamos da mudança para que haja transformação; precisamos da transformação para que haja satisfação. Há momentos para a insatisfação. Há momentos para o preenchimento. Esses dois universos se alimentam mutuamente e possibilitam a dinâmica da existência.

E a felicidade?

Sim, ela existe, mas ela é maior que nosso mundo, ela não cabe plenamente em mim nem em ti. No entanto, ela permite que nossos corações experimentem suas poucas gotas que ela deixa pingar em alguns momentos.

Experimento a felicidade naqueles momentos em que o pouco me basta, em que não preciso de nada, absolutamente nada além do sentido pleno do momento. Sinto a felicidade quando me vejo motivo de sorriso de uma criança... e não preciso de mais nada, apenas da poesia translúcida que o coração rabisca naqueles lábios infantis.

Degusto a gota da felicidade quando o resultado de meu imperfeito trabalho consegue virar gratidão em quem o recebeu; e não preciso de mais nada, isso me basta.

Experimento a gota da felicidade quando te amo, minha amada, e na intensidade do momento do orgasmo do corpo e da alma transformo a vertigem do teu desejo no espasmo arrebatador de vislumbrar o infinito... e não preciso de mais nada, a não ser de teus olhos úmidos e de teu corpo convite.

Sinto a gota da felicidade quando escrevo e meus escritos colocam, num caminhão de mudança, a alma de quem me lê, levando-a para habitar nos becos provocadores da palavra poética. E não preciso de mais nada... só isso.

Sinto a gota da felicidade quando converso com Deus e Ele me responde... e isso me basta, pois não preciso de mais nada além da certeza e da confirmação.

A felicidade é infinita, por isso ela é momentânea enquanto estivermos aqui. É nesses momentos de desapego e completude que vou aprendendo a ser feliz, que vou me aperfeiçoando no caminho dela, da felicidade plena: vou conhecê-la na sua plenitude quando eu finalmente me soltar de tudo o que me impede de ser pleno.

A felicidade é plena, logo eu também tenho que ser pleno. E a gente só é pleno quando não tem apego. São esses os momentos de felicidade em que acredito, que colocam um pouco de sentido nesse momento maior que chamamos de “vida”.

Quando, enfim, me virei para dar uma resposta aos dois repórteres, vi a câmera e o microfone no chão. As duas crianças já iam longe, cada um numa bicicleta, correndo um atrás do outro, gritando e rindo. Não eram mais repórteres. A plenitude agora era outra.

Sabiam ser felizes.   

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