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ROTA LISBOA (7): Pandemia e liberdade

16 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende

O aplicativo da discórdia.

A decretação do estado de calamidade em Portugal, em meio à segunda onda antecipada da pandemia, gerou intensa polêmica. Entre as medidas propostas pelo governo do primeiro-ministro Antônio Costa, uma em especial está no meio do tiroteio: a obrigatoriedade do uso de máscaras na rua e do aplicativo “Stayaway Covid” em empresas, escolas, Forças Armadas e órgãos públicos.

A proposta de lei foi enviada para aprovação à Assembleia da República (equivalente ao nosso Congresso Nacional), e prevê multas de 100 a 500 euros para quem não cumprir a lei. O debate está instalado na sociedade: nas ruas, na imprensa, no parlamento. No centro da discussão estão o direito à privacidade e a inconstitucionalidade da proposta, considerada antidemocrática por parlamentares da maioria dos partidos.

Em relação ao uso de máscaras, há menos polêmica, apesar de que há dúvida quanto ao critério a ser utilizado para fiscalizar se a norma estará, ou não, sendo cumprida. Pela proposta, a máscara será obrigatória em caso de aglomeração de pessoas nas ruas. Vai ser um tal de põe e tira máscara que pode neutralizar parte da sua eficiência no combate ao vírus. Daí que a lei terá de definir claramente os critérios.

Quanto ao aplicativo (instrumento de saúde pública para rastrear possíveis infectados pelo vírus), a questão é mais complicada pois viola o direito individual à liberdade, tão caro na democracia. Imposição, só em estados autocráticos, advertem parlamentares e especialistas. Até agora, cerca de 1,7 milhão de pessoas descarregou, voluntariamente, o aplicativo de rastreio em seus celulares, de acordo com o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC).

O aplicativo Stayaway Covid tem tantas restrições de ordem técnica, para proteger os dados pessoais, que se tornou ineficaz, como mostram reportagens publicadas na imprensa. Doentes infectados e contatos de risco, entrevistados, disseram que não receberam qualquer alerta, médicos confirmaram que problemas técnicos os impedem de gerar códigos, sem falar de profissionais que resistem a alimentar a app. Aliás, os problemas técnicos com aplicativos também estão ocorrendo em outros países europeus.

A polêmica gira em torno da violação ao direito constitucional à liberdade. Como obrigar, por exemplo, que um cidadão entregue seu celular (telemóvel, em Portugal) a um policial para verificar se está instalado o aplicativo? Até o histórico Partido Comunista Português (PCP) questiona a proposta por este ponto de vista. Especialistas, defensores dos direitos digitais e cidadãos em geral consideram a ideia como uma agressão à privacidade. Para além do aspecto repressivo, o aplicativo exige a subscrição de um pacote de dados e a ativação do serviço de localização.

Qualquer que seja o resultado da votação na Assembleia da República, a proposta teve a virtude de promover o debate sobre a defesa dos valores democráticos. Tanto que o primeiro ministro português, Antônio Costa, ao comentar as reações, disse: “Eu odeio ser autoritário”, mas falou da necessidade de “alterar comportamentos”: “Senti muito claramente que era preciso haver um abanão na sociedade”. Chegou mesmo a concordar com o presidente da República de que o Natal deve ser repensado para evitar ajuntamento de familiares em tempo de pandemia. “Hoje dependemos terminantemente do comportamento das pessoas”, concluiu Costa. 

Novo confinamento?

O governo português está a tentar ao máximo evitar a adoção de novo confinamento. O primeiro-ministro Antônio Costa considerou que é melhor recorrer agora a medidas como utilização obrigatória de máscara e do aplicativo de rastreamento “do que estar daqui a uma semana ou daqui a um mês ou daqui a dois meses a ter que impor medidas muito mais restritivas”, como “não poder ir à rua, nem com máscara nem sem máscara”. Porém o risco real é de que as duas coisas possam acontecer, ou seja, uso obrigatório de máscara e, mediante o agravamento da situação, restrição à liberdade de movimento.

Uma pesquisa em quatro países europeus (Alemanha, Itália, França e Reuno Unido) mostra diferentes opiniões de residentes em relação à resposta dada à pandemia. A maioria de alemães e italianos aprova a atuação de seus governos, enquanto apenas um terço de franceses e britânicos se alinham com as estratégias seguidas. Nestes países, grande parte dos cidadãos apoiaria um novo confinamento, como o ocorrido na primeira onda da pandemia, com maior apoio entre os britânicos e alguma resistência entre os franceses. 

Mais detalhes desta pesquisa em: https://pt.euronews.com/2020/10/16/europeus-divididos-quanto-a-estrategia-de-combate-a-pandemia?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR0xh2hSj8UHeQlXLNPmVX408hSFo-QqtL58VaPP3NQSU3EyM_lYFJIUBYE#Echobox=1602834017

 

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