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A batina

15 de Dezembro de 2016, por Rosalvo Pinto

Na última edição do JL apresentamos a família Ramiro/Ninfa, nossos conterrâneos. Aproveitamos a oportunidade para explorar um pouco daquele ofício que constituiu o ganha-pão do Ramiro: o alfaiate. E como alfaiate, um trabalho muito especial: a famosa “batina”. Se ele foi um craque na alfaiataria em geral, na batina ele foi insuperável. Em São João del-Rei, para onde ele se mudou, talvez seria o maior.

Vamos conhecer uma historinha sobre a batina. Ela é conhecida também como “sotaina”, nome italiano e pouco usado. As batinas atuais são uma herança dos romanos os quais, posteriormente, passaram para os cristãos. Eram vestes “talares”, roupas que descem até o calcanhar. Atualmente ainda usam batinas, além dos sacerdotes católicos, os anglicanos, os ortodoxos e outros. Os católicos tendem a deixá-las, exceto os membros do Vaticano.

Na hierarquia da Igreja Católica usam batinas os clérigos: diáconos, padres, bispos, cardeais e, obviamente, o Papa. Interessante são as cores: o preto (a mais usada), o branco (obrigatório para o Papa) e a vermelha (bispos e cardeais).

A batina guarda algumas curiosidades que pouca gente conhece. Vejamos. Veste-se a batina por sobre a camisa e a calça comprida. Na frente há uma fileira de 33 botões, a partir do pescoço até a barra, no pé: representam os 33 anos da vida de Jesus Cristo. Nos dois punhos estão 5 botões cada, representando as suas 5 chagas. Ao pé do pescoço há um colarinho branco de plástico, que era chamado “voltinha”. Em algumas congregações usa-se uma faixa larga na altura da barriga, representando a castidade, pois antigamente acreditava-se que o desejo sexual estaria ligado aos rins e a faixa seria, então, uma proteção da castidade. Finalmente, a batina tem dois bolsos grandes, abertos e superpostos, ao lado do bolso da calça comprida: logo, o padre tem 4 bolsos grandes.

Bem, fazer uma batina é que era o difícil, não era para qualquer alfaiate. Em princípio, gasta-se muito pano e ele devia ser de casimira resistente. Tudo isso caro! Que eu saiba, houve em Resende Costa três deles: os irmãos Aquim do Lauro e Ramiro Resende e o Antônio Roman. Destaco os dois últimos, os quais fizeram batinas para mim, nos 10 anos em que eu “sofri” com elas durante o tempo no qual estive no seminário. O Antônio Roman está por aí, era caprichoso, se precisar ele ainda faz uma batina. Mas diante do Ramiro, tinha-se que tirar o chapéu. Era tão caprichoso que, ao fazer as muitas medidas, a gente saía com as pernas doendo. Ele tinha um arsenal de equipamentos de madeira e outras bugigangas (réguas, esquadros, fitas, alfinetes, gizes, agulhas diferentes) que a gente ficava parecendo um porco-espinho. Aí chegava o dia de fazer as provas. Mais sofrimento. Mas, valia a pena. Sobretudo para mim, de que ele não me cobrava!

Nas primeiras décadas do século passado, a batina era rigidamente obrigatória para os que queriam ser padres. Quem viu fotos do Caraça ou do Seminário de Mariana se espanta: meninos de 10 anos já tinham que usar a batina. Entre os salesianos e outras congregações religiosas os seminaristas recebiam a batina a partir dos 15 ou 16 anos. Naquele tempo, esperávamos ansiosos para receber a batina, numa cerimônia chamada
“vestidura”, celebrada com festa e padrinhos... Além da batina, os seminaristas recebiam ainda um chapéu meio quadrado chamado “barrete”, para as funções religiosas e outro, redondo, para sair nas ruas e nas viagens.

Com o advento do Concílio Vaticano II (1962/1965), promulgado pelo Papa João XXIII, muita coisa da Igreja mudou. Pode-se dizer que a batina foi, aos poucos, desaparecendo. Os salesianos sempre foram uma congregação religiosa mais conservadora. Imaginem que para a prática de esportes (futebol, basquete, vôlei, ginástica etc.) não se podia tirar a batina. Em 1968, os estudantes de Filosofia em São João del-Rei acharam um caminho para se livrar, de uma vez, da batina. Na calada da noite, um grupinho deles recolheram as batinas de todo mundo do dormitório em um banheiro antigo e trancado, com aviso e que estava fechado a tempos. Só muito tempo depois foram descobertas e... adeus batinas.

Ultimamente, depois do Concílio, apareceu o famoso clergyman: não é nada mais nada menos do que um colarinho do tipo da “voltinha”.

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