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Fora do padrão

13 de Agosto de 2019, por Regina Coelho

uma decisão judicial determinando indenização a um pedreiro que sofreu um acidente de trabalho em Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, chamou a atenção pela linguagem. Para facilitar o entendimento da sentença, João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, deixou de lado os jargões próprios do “juridiquês”, propondo-se a ser mais claro em suas decisões. No processo em questão, o trabalhador Lucas de Oliveira pedia vínculo empregatício e indenização após o ocorrido em uma obra de propriedade de Itamar Carboni. Ao relatar o caso, Danda foi direto. “Três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava capacete de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena (do rapaz) e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado”, disse o juiz. Mais adiante, ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado expressou-se assim: “para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não. Vamos ver.”

O próprio juiz conta como normalmente essa ideia seria escrita em linguagem jurídica: “Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sabem os autos a este tribunal. É o relatório. Passo a decidir.”

   Em outro caso, Patrícia Vialli Nicolini, juíza da 1ª Vara da comarca de Cambuí (sul de Minas), usou poesia para negar um pedido de indenização ao cliente de um supermercado que se sentiu lesado por comprar “picanha” pelo atraente preço de R$17,00 (kg) e descobrir ter levado carne de segunda.

 

O poema-sentença

Eu vou lhe contar um fato, que é de arrepiar.../ O homem foi ao supermercado,/ Para picanha comprar./ Iria de um churrasco participar./ Comprou picanha fatiada, quis economizar!/ Na festa foi advertido,/ O tira-gosto estava duro,/ Comentou após ter comido./ Seu amigo atestou, não era picanha não!/ Bora reclamar, para não ficar na mão./ A requerida recusou, não quis a carne trocar./ Por tal desaforo, resolveu demandar./ O pedido é improcedente./ Se a carne não era de qualidade,/ Era bem verdade./ Mas para tanto não presta./ A gerar danos morais,/ Compelir indenização,/ Pelo mau gosto da peça./ Para encerrar esta demanda,/ Nem indenização nem valor gasto. Finde-se o processo/ E volte-se com o boi ao pasto./ Posto isto e algo mais a considerar!/ A lide é improcedente, nada há a indenizar./ Resta a todos censurar./ E o presente feito encerrar.

 

A improcedência da ação julgada pela juíza evidentemente desagradou ao defensor do cliente, que considerou ainda “desrespeitoso” o estilo poético usado por ela na sentença. Patrícia, informalmente, afirmou ter agido desse modo justamente por se tratar de um processo “peculiar”. Segundo ela, “a intenção é que, de uma forma lúdica, o cidadão entenda que o Judiciário está sendo acionado sem necessidade. Foi apenas um aborrecimento, um desacerto contratual. Isso não fere a personalidade, não diminui a pessoa, não a coloca em menosprezo.”

Quanto ao primeiro caso, Danda explicou que seu objetivo não foi inaugurar uma outra maneira para os magistrados se manifestarem, mas sim provocar o debate sobre os modos de escrita dos textos jurídicos. E destacou a importância de se facilitar a compreensão das peças judiciais, reconhecendo, porém, que nem sempre as sentenças devem ser redigidas em linguagem coloquial.

Assim apresentadas, as justicativas dos magistrados revelam a opção de ambos por um eventual desvio no uso da terminologia e do formato específicos da área em que atuam. Sem negar o procedimento linguístico padrão em cada setor profissional, deve prevalecer o entendimento de que só existe sentido em criar uma linguagem que sirva para a comunicação e a interação entre as pessoas.

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