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Jubileu em Congonhas

17 de Setembro de 2019, por Regina Coelho

O português Feliciano Mendes chegou à região de Congonhas (MG) na segunda metade do século XVIII em busca de ouro. Tendo descoberto algumas jazidas e enriquecido com essa atividade, foi acometido, porém, por uma grave doença. Para se curar, fez a promessa de se empenhar na devoção local ao Senhor do Bom Jesus, ritual que já havia antecipado em seu país. É que, segundo Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas, quando os portugueses saíam de sua terra buscando fazer riqueza, como último gesto, iam a Matosinhos, cidade portuária ao norte de Portugal, pedir proteção ao Senhor Bom Jesus para a empreitada. Havendo logrado êxito no objetivo a que se propôs e na graça da cura, Feliciano passou, então, a arrecadar dinheiro da população para a construção do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos na histórica cidade.

Declarado pela Unesco Patrimônio Mundial da Humanidade em 1985, esse Santuário é um conjunto arquitetônico e paisagístico constituído de belos exemplares da arte barroca. A igreja tem seu interior decorado em estilo rococó, sendo a parte externa adornada com estátuas dos Doze Profetas esculpidas entre os anos 1800 a 1805 por Aleijadinho e alguns auxiliares. Belíssimo trabalho em pedra-sabão, de tamanho quase natural. Ainda na área externa e representando as Estações da Cruz, seis Capelas dos Passos completam a paisagem, certamente uma das mais significativas de MG.

O culto ao Bom Jesus ao longo de mais de dois séculos é reafirmado a cada Jubileu, provavelmente a maior festa religiosa do estado, sempre em setembro, época em que a Cidade dos Profetas recebe um número impressionante de fiéis. Vai longe o tempo das romarias com gente chegando, na maioria das vezes, a pé, a cavalo, nos trens de ferro, no lombo de burros e até em carros de boi. O hábito dos quartos alugados aos peregrinos nas residências também é coisa do passado. Antes e agora não falta a fé. Nem o comércio paralelo de barraquinhas, hoje em quantidade compatível com o tamanho da festa.

Nos festejos de todo ano, a cidade é tomada por muitos romeiros de diferentes partes do Brasil e especialmente de Minas. De nossa cidade inclusive. Muitos resende-costenses vão se lembrar dos caminhões saindo daqui levando gente para Congonhas. Viagem feita em bancos improvisados na carroceria coberta com lona, algo completamente fora de propósito nos dias atuais. Nesse esquema, meu pai e o Zé Augusto de Melo, mesmo concorrentes como comerciantes, eram amigos e aproveitavam a ocasião viajando para lá com o objetivo também de fazer compras. Nessas suas viagens tantas vezes feitas no caminhão do Xisto (do Ribeirão), “seu” Adenor unia devoção e trabalho, contrariando sua própria lógica de que “dois proveitos num saco só não prestam”.

Tempos depois, numa combinação de amigos, ele, o Sílvio do Lindolfo, o Zé Celso do Zé do Ciro, o Zé Batista do Joaquim Batista e o Serginho do Sérgio Procópio juntaram-se e por alguns anos foram juntos ao Jubileu. Cada um levando sua família e formando um comboio bonito de cinco carros. Passeios inesquecíveis aqueles! Como lanchonetes e restaurantes não eram tão comuns na época, levávamos os lanches preparados aqui mesmo em nossas casas. A animação já começava nesses preparativos. E não podia faltar o café. Não o de garrafa térmica. Minha mãe levava o pó, o açúcar e o coador de pano para passar um providencial cafezinho para nós, contando com a boa vontade da Odete, antiga vizinha nossa que havia se mudado para Congonhas e que nos cedia sua cozinha para tal.

Certa vez, o Zezé e o hoje padre Fernando Salomão, filhos da Filomena e do Zé Batista, meninos ainda, sumiram no meio daquela muvuca de pessoas e barracas. Vendo-se perdidos, os dois irmãos se deram as mãos e andando assim, vestidos com roupas idênticas, foram encontrados pela minha irmã Magda.

O momento máximo de nossa emoção era a subida às ladeiras históricas que levam à imagem do Senhor Morto dentro da Basílica para o beijo reverente, símbolo da nossa fé religiosa.

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