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A declaração

15 de Abril de 2015, por Rafael Chaves

Todo ano a mesma coisa, a gente tem que fazer declaração. A minha, deste ano, vou começar declarando assim:

- Imposto de Renda, eu te odeio!

Não bastasse surripiarem mensalmente de meu salário, ainda me fazem despender um dia de minha preciosa vida para eu mesmo fazer as contas do tanto que sou extorquido.

É um disparate este bicho Leão. Faz-me reunir todas as minhas contas, somente as por ele eleitas, e somá-las para dizer que minha soma não pode dar o resultado que deu. Para esse bicho, eu jamais posso ter gasto mais que isso com educação, mais do que aquilo com saúde, mais do que tanto com meus dependentes... O Leão, como todo quadrúpede, é um animal irracional, cuja matemática segue regras e conceitos próprios. A mim resta postar-me de quatro, como um hibrido asinus caballus que foge pela estepe – como se pudesse sobreviver ao ataque –, para, pelo menos como burro, tentar entender suas equações.

A par disso, das minhas próprias contas, minha filha sempre recorre a mim para fazer a declaração dela. E quem sou eu para negar este favor a ela? Prontifico-me. Há um consolo meio sádico: percebo que todos nós, assalariados, fazemos parte do mesmo curral (para o Leão). Nessa hora peço-lhe os documentos, os de rendimentos e os de despesas. Ela, então, se lembra dos alertas que eu lhe dei para guardar todos os recibos.

Alguns dias atrás me telefonou.

- Pai, posso abater despesas médicas, né?

- Sim, filha, pode. Mas você tem plano de saúde, ora.

- É, mas como estou aqui no Paraná e o plano é daí de Minas. Tive que consultar aqui sem usar o plano.

- Ah... Pode abater sim.

- Falar nisso, pai, posso pedir ressarcimento dessas despesas ao plano?

- Sim, filha, creio que possa pedir sim. Pode ser que não lhe ressarçam do total, mas de uma parte, com certeza.

- Oba! Então posso abater e ressarcir!

- Sim, pode.

Senti-me como se tivesse encontrado um bosque no meio da savana. “Aha, Leão, passei você para trás, vou abater e ainda vou recuperar a grana”, asneirei escondido entre as árvores, esquecendo-me do faro sensível do felino.

- Pai, pai, dentista também pode?

- Sim, dentista pode abater do imposto de renda sim, Filha.

- E ressarcir, tem jeito?

- Não, Filha, aí também é demais. Só abater do imposto de renda mesmo.

Um silêncio se seguiu. Eu quase lhe disse que o plano era de saúde e que dente não é saúde e que por isso seu dinheiro não poderia ser reavido. Porém, antes, dei-me conta da besteira que havia pensado. Sequelas de minha burrice, face ao Leão. Despedimo-nos ao telefone.

Alguns dias se passaram e ela voltou a me ligar.

- Pai, pai, tenho recibo de nutricionista. Posso abater?

- Como é, Filha? Abater? – Custei a me dar conta do assunto, que a esse tempo eu estava bípede.

- É pai, tenho recibo de nutricionista. Posso abater do Imposto de Renda?

- Ah... Não, nutricionista não pode não.

Tanto não em uma frase só. Mas é assim mesmo que funciona com o Leão: não, não e não.

- Nutricionista só abate do peso mesmo, Filha! – retruquei.

- Mas, pai, nem emagrecer eu emagreci.

- Então abate a nutricionista! – ri com ela.

Um silêncio se seguiu. É ruim o silêncio ao telefone: não podemos ver a expressão do nosso interlocutor do outro lado. Sentimo-nos impotentes. De repente o silêncio se quebrou:

 

- Pai, odeio o Imposto de Renda! – declarou.

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