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O aposentado e o marido de aluguel

17 de Novembro de 2016, por Rafael Chaves

Pois bem, Zé se afastou do trabalho para se aposentar do serviço público depois de cumpridas todas as exigências previdenciárias, garantindo-se paridade e integralidade dos rendimentos.

Poucos dias depois de afastado, Zé descobriu que não tinha nada a fazer em casa, senão aturar a mulher – e esta a ele. Nem fora de casa. Zé não bebia, não jogava cartas, não gostava de futebol e, talvez por isso mesmo, não tivesse amigos. Zé não tinha chácara com plantas e bichos para cuidar. Os filhos, adultos, tinham se arranjado na vida e picado a mula. Zé tinha passado as últimas quase quatro décadas dando expediente na repartição e esqueceu-se de que haveria outra vida além daquela a que se entregara de corpo e alma.

Passados uns três meses, a vida de Zé virou um inferno. O ócio caseiro com o qual sonhara tornou-se incompatível com a tagarelice diuturna da mulher, que, para piorar a coisa, sempre lhe mandava fazer alguma coisa:

- Zé, troca a lâmpada da varanda que tá queimada!

- Zé, vai no supermercado pra mim, o café acabou!

- Zé, o telefone não está funcionando direito. Vê lá o que está acontecendo, Zé!

- Zé, suas roupas estão uma bagunça! Você bem que podia dar uma ajeitada no armário. Pelo menos isso, né Zé?!

Zé, então, tomou uma decisão difícil. Foi à repartição, pediu para cancelarem seu pedido de afastamento – a aposentadoria ainda não havia sido homologada – e voltou à atividade. Zé concluiu que era melhor passar seus dias na repartição mesmo. Ainda mais com o direito a um aumento na remuneração, o pé-na-cova, uma gratificação aos que, com direito de se aposentarem, resolvem continuar na ativa.

Quando questionado sobre sua decisão, Zé não se fazia de rogado e reclamava da mulher.

- Você deveria ter dado uma passagem para ela ir se divertir no Afeganistão – insinuou um colega de trabalho.

- Só de ida – emendou outro.

- E uma burca – sugeriu um terceiro.

E riam divertidamente e em algazarra de suas tiradas.

Entretanto, as coisas começaram a ficar mais difíceis para o Zé. A repartição, como Zé, ficou velha e também meio vazia. Muitos de seus colegas, que tinham outros interesses na vida, ou amigos, ou chácara para cuidar, se aposentaram definitivamente. A tecnologia havia suprimido quase que permanentemente o carimbo. O governo, sob os mais diversos argumentos, não fazia concurso público para repor o quadro de pessoal. Enfim, Zé tinha que trabalhar e mostrar serviço. Os bons tempos tinham ficado para trás.

Logo depois de voltar à ativa, a vida laboral de Zé virou um inferno. Chegou a cismar que o chefe lhe perseguia, implicava com ele:

- Zé, atende o balcão!

- Zé, faz o inventário!

- Zé, ajuda lá na conferência!

- Zé, distribui o malote!

Como Zé não podia mandar o chefe para o Afeganistão decidiu se afastar do serviço de uma vez por todas.

Entretanto, tampouco a mulher ele poderia mandar para o Afeganistão.

Zé matutou alguns dias até encontrar a solução num anúncio de jornal. Marido de aluguel, oferecia o anúncio. O sujeito se prontificava a fazer os serviços domésticos masculinos. “Maravilha, vou ter paz”, pensou Zé, contratando imediatamente o indivíduo.

Se no princípio o marido de aluguel comparecia uma ou duas vezes por semana, uma ou duas horas por dia, aos poucos o serviço foi aumentando. As visitas então passaram a ser diárias e se estendiam por quase todo o dia. Os aparelhos queimavam, as fechaduras enguiçavam, as lâmpadas queimavam, a pintura sujava, os canos entupiam, tudo inexplicavelmente. A única coisa que ficava cada dia melhor era a própria mulher de Zé que, repentinamente, passou a se cuidar: salão de beleza, maquiagem, roupas da moda, dermatologista e até cirurgião plástico... E a expor seus predicados: curvas salientes, pernas lisas, boca carnuda, seios empinados...

- Zé, porque você não faz uma viagem? – Sugeriu ela, enquanto dirigia um olhar 43 e um sorriso malicioso para o marido de aluguel. “Bem que podia ser para o Afeganistão”, sonhou ela.

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