Pois bem, Zé se afastou do trabalho para se aposentar do serviço público depois de cumpridas todas as exigências previdenciárias, garantindo-se paridade e integralidade dos rendimentos.
Poucos dias depois de afastado, Zé descobriu que não tinha nada a fazer em casa, senão aturar a mulher – e esta a ele. Nem fora de casa. Zé não bebia, não jogava cartas, não gostava de futebol e, talvez por isso mesmo, não tivesse amigos. Zé não tinha chácara com plantas e bichos para cuidar. Os filhos, adultos, tinham se arranjado na vida e picado a mula. Zé tinha passado as últimas quase quatro décadas dando expediente na repartição e esqueceu-se de que haveria outra vida além daquela a que se entregara de corpo e alma.
Passados uns três meses, a vida de Zé virou um inferno. O ócio caseiro com o qual sonhara tornou-se incompatível com a tagarelice diuturna da mulher, que, para piorar a coisa, sempre lhe mandava fazer alguma coisa:
- Zé, troca a lâmpada da varanda que tá queimada!
- Zé, vai no supermercado pra mim, o café acabou!
- Zé, o telefone não está funcionando direito. Vê lá o que está acontecendo, Zé!
- Zé, suas roupas estão uma bagunça! Você bem que podia dar uma ajeitada no armário. Pelo menos isso, né Zé?!
Zé, então, tomou uma decisão difícil. Foi à repartição, pediu para cancelarem seu pedido de afastamento – a aposentadoria ainda não havia sido homologada – e voltou à atividade. Zé concluiu que era melhor passar seus dias na repartição mesmo. Ainda mais com o direito a um aumento na remuneração, o pé-na-cova, uma gratificação aos que, com direito de se aposentarem, resolvem continuar na ativa.
Quando questionado sobre sua decisão, Zé não se fazia de rogado e reclamava da mulher.
- Você deveria ter dado uma passagem para ela ir se divertir no Afeganistão – insinuou um colega de trabalho.
- Só de ida – emendou outro.
- E uma burca – sugeriu um terceiro.
E riam divertidamente e em algazarra de suas tiradas.
Entretanto, as coisas começaram a ficar mais difíceis para o Zé. A repartição, como Zé, ficou velha e também meio vazia. Muitos de seus colegas, que tinham outros interesses na vida, ou amigos, ou chácara para cuidar, se aposentaram definitivamente. A tecnologia havia suprimido quase que permanentemente o carimbo. O governo, sob os mais diversos argumentos, não fazia concurso público para repor o quadro de pessoal. Enfim, Zé tinha que trabalhar e mostrar serviço. Os bons tempos tinham ficado para trás.
Logo depois de voltar à ativa, a vida laboral de Zé virou um inferno. Chegou a cismar que o chefe lhe perseguia, implicava com ele:
- Zé, atende o balcão!
- Zé, faz o inventário!
- Zé, ajuda lá na conferência!
- Zé, distribui o malote!
Como Zé não podia mandar o chefe para o Afeganistão decidiu se afastar do serviço de uma vez por todas.
Entretanto, tampouco a mulher ele poderia mandar para o Afeganistão.
Zé matutou alguns dias até encontrar a solução num anúncio de jornal. Marido de aluguel, oferecia o anúncio. O sujeito se prontificava a fazer os serviços domésticos masculinos. “Maravilha, vou ter paz”, pensou Zé, contratando imediatamente o indivíduo.
Se no princípio o marido de aluguel comparecia uma ou duas vezes por semana, uma ou duas horas por dia, aos poucos o serviço foi aumentando. As visitas então passaram a ser diárias e se estendiam por quase todo o dia. Os aparelhos queimavam, as fechaduras enguiçavam, as lâmpadas queimavam, a pintura sujava, os canos entupiam, tudo inexplicavelmente. A única coisa que ficava cada dia melhor era a própria mulher de Zé que, repentinamente, passou a se cuidar: salão de beleza, maquiagem, roupas da moda, dermatologista e até cirurgião plástico... E a expor seus predicados: curvas salientes, pernas lisas, boca carnuda, seios empinados...
- Zé, porque você não faz uma viagem? – Sugeriu ela, enquanto dirigia um olhar 43 e um sorriso malicioso para o marido de aluguel. “Bem que podia ser para o Afeganistão”, sonhou ela.