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O dilema

19 de Janeiro de 2017, por Rafael Chaves

Para ficar no nosso idioma, quão hercúlea deve ter sido a tarefa de Camões para escrever 1.102 estrofes, 8.816 versos e em decassílabos? Para ficar no Brasil, como terá Guimarães Rosa escrito as cinco centenas de folhas do Grande Sertão – Veredas? Para ficar em Minas, onde Carlos Drummond encontrou sua pedra no caminho entre tantas montanhas? Para ficar em Resende Costa, quantas teias terão tecido as aranhas para tramar as histórias de José Antônio?

Eu sempre me sinto sem recursos diante do meu cotidiano. Escrever não é fácil. Quero apenas contar um caso, dar uma opinião e encontrar o meio de descrever. Este é sempre o meu dilema.

Sei que descobri o 1000ton - isto mesmo, o Milton se escreve 1000ton - por acaso. Eu precisava cortar o cabelo e alguém me disse:

- Porque você não vai no salão do 1000ton? – e continuou dizendo que fulano, sicrano e beltrano cortavam cabelo lá, que ele era muito bom...

Fui. E continuo indo até hoje.

Da primeira vez estranhei a fila. Sempre que se vai no 1000ton tem pelo menos uns cinco na sua frente. Mas homem também adora fazer os mais diversos comentários em salão e o tempo passa rápido. 1000ton é eficiente, ágil e competente:

- O de sempre? – pergunta.

Você só tem de dizer como você quer da primeira vez, ou se mudar o corte, senão você vai sair de lá com a aparência que sempre quis.

O caso é que lá pela terceira ou quarta vez que eu ia lá encontrei um aviso fixado na parede: “Prezado Cliente, pedimos sua compreensão, a partir de maio o valor do corte passará a ser R$10,00. A Gerência”.

Uai, pensei, que gerente seria esse que eu nunca havia visto no salão? O 1000ton, é público e notório, é o único proprietário, o único cabeleireiro, o único faxineiro, o único cobrador do Salão do 1000ton. 1000ton é um “self-made man” especialista em cortes masculinos que não responde a ninguém, senão a si próprio. Não resisti e perguntei:

- 1000ton, estou lendo este aviso aqui. Olha, primeiro é o seguinte, o gerente está pedindo a compreensão, mas eu não posso compreender como o corte de cabelo vai passar de R$8,00 para R$10,00, um aumento de 25%, se a inflação do ano foi de menos de 5%. Segundo, 1000ton, chama o gerente que eu quero reclamar com ele.

O aumento vingou e o gerente nunca deu as caras. Ninguém mais reclamou. Faz quase dois anos que o corte está o mesmo preço. A verdade é que o 1000ton edita e tem suas próprias regras e incorpora suas personalidades conforme a necessidade. Foi desse modo que o gerente decidiu reajustar o preço e, logo depois, desincorporou. E o 1000ton cabeleireiro continua a fazer a cabeça de muitos homens em Resende Costa.

Meu cotidiano é rico e inspirador. Encontro rimas nas palavras; sei de romances e histórias – às claras e às escondidas -; Resende Costa altaneira está erguida sobre a pedra; e tecelões anônimos em suas casas dão forma e utilidade em retalhos coloridos.

A dificuldade é minha, a culpa é minha de não saber escrever o que eu quero e da forma que gostaria. Esse meu dilema! Fosse uma epopeia, um romance, um poema, uma crônica. Quem me dera Camões, Rosa, Carlos ou José Antônio, quem me dera! Embora eu sempre quisesse contar o caso do 1000ton, desculpe 1000ton, o que eu gostaria mesmo, hoje, era de comentar sobre Fidel diante de sua morte recente – uma personalidade que é referência para a história mundial – ou protestar: Fora Temer! – uma personalidade que é uma desgraça para o Brasil. Tenho dito.

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