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Conceição, eu me lembro muito bem

15 de Janeiro de 2014, por Rafael Chaves

Conceição, ele se lembra muito bem, foi sua primeira namorada. Sua no sentido de posse, exclusividade, fidelidade...

É que ele e seu amigo Júlio, até então, costumavam dividir a atenção das meninas. Ele me conta do caso em que deram em cima de uma menina, os dois. Ela cheia de charme, fazendo-se de difícil. Até que lhe deram um xeque-mate: ou um ou outro! Depois de titubear, ou nem tanto, escolheu o Júlio. Como os dois eram inseparáveis, quando o Júlio ia namorar, ele ia junto. Se ela dava um abraço em Júlio, ele também queria. Se ela dava um beijo em Júlio, ele também queria. E ela dava, os abraços e os beijos, nos dois. Ninguém ficava constrangido. Ela acabou desistindo da relação. Por eles, continuariam como estavam, compartilhando a namorada!

Com Conceição foi diferente! Conceição arrebatou seu coração, sem dó nem piedade. E junto com o coração, o restante dele. Foi por causa dela que os pelos pubianos cresceram nele.  Jamais passou pela cabeça dele compartilhar qualquer coisa de Conceição. Nem com Júlio nem com ninguém. Foi por causa dela que ele e Júlio passaram a não sair mais tantas vezes juntos.

Durante aquele tempo, praticamente todos os dias, ao cair da noite, ele ia ao encontro de Conceição. Do pouco que podia dispor, comprava-lhe um prestígio, para lhe dizer da fascinação que ela lhe exercia. Ou um diamante negro, para lhe dizer o quanto ela lhe era preciosa. Ou um sonho de valsa, para lhe dizer da fantasia de um futuro casamento. Ou um chokito, para lhe dizer das coisas inconfessáveis que ele, de vergonha, nunca lhe disse. Em troca, ela lhe dava uns beijinhos, furtivos, da janela do seu quarto, que dava de frente para a rua.

Ele me confessou que deveria ter sido mais ousado com Conceição, mas que a força da inocência de sua infância ainda precedia a violência da libido de sua puberdade. Disse que, muitos anos depois e por muitas vezes, passou em frente à casa de Conceição tentando encontrá-la na janela. Se porventura seus olhares se cruzassem e alguma fagulha reacendesse a chama que existiu em seu coração, afirmou que, sem cerimônia, a tomaria nos braços e a beijaria como nunca o fez, para se redimir. “Mas hoje a casa já não existe mais, foi demolida, nem o sonho”.

A coisa começou a degringolar quando quis dizer a Conceição do seu amor por carta e não mais através de chocolates. Conceição é um nome pouco sociável, que exige pompa, que cabe bem na voz de Cauby Peixoto, mas que não pega bem na intimidade entre namorados e amantes. Todos chamavam Conceição pelo diminutivo abreviado “...Çãozinha”. Assim era gostoso de lhe chamar, era carinhoso, era mimoso, era fofo como ela. Se por um lado, dizer era agradável e delicado, por outro, escrever era complicado! Caneta na mão e papel na mesa, matutou por longos minutos que lhe pareceram uma eternidade. “Conceição jamais”, pensou, decidido. “Çãozinha” ia contra todos os seus conhecimentos de português. Desde sempre lhe ensinaram que é impossível iniciar uma palavra com c cedilha? ”Sãozinha”? Também não. Ficaria parecendo que estaria exaltando sua sanidade, sua forma física, enquanto o que ele queria dizer é das coisas da alma. Depois de começar a carta várias vezes, de fazê-las em pedaços e de atirá-las ao lixo, desistiu.

Alguns dias depois, procurou Júlio. Disse que o namoro com Conceição havia terminado. A amizade entre eles perdurou por mais um tempo, até que o destino os levasse a caminhos tão díspares que nunca mais voltaram a se encontrar. Quanto ao amor por Conceição, disse que o primeiro amor não é feito para ser o definitivo ou único, é feito para ser conhecido, aprendido e levado por toda a vida, nas lembranças.

 

 

Para Júlio Calsavara, onde estiver.

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