Affonso recebeu a notícia com inquietação. Olhou para o filho, José Eloy, que cochilava no canto da sala, e pressentiu que ele seria convocado para a guerra. No ano seguinte, a sua previsão tornou-se realidade e José Eloy foi praticar tiros de carabina no 11º Batalhão de Infantaria, em São João del-Rei. No dia em que ele partiu, sua mãe, lacrimosa, mandou Affonso afixar na porta de sua casa o cartão “SALVE A F.E.B. – DAQUI PARTIU UM EXPEDICIONÁRIO”.
Mais de dois anos depois do anúncio da declaração de guerra, num dia de primavera sem flores, o Sargento Onofre Lara, seguido de Waldemiro, Osmar e Cyro, subiram a rampa do navio General Meigs, que os levaria à Itália. O Sargento virou-se para trás do alto da rampa, mas não conseguiu distinguir os outros companheiros de Resende Costa no meio do mar de capacetes que tomavam conta do porto.
Lá atrás, quase no fim da fila de soldados, os “Chicos” Francisco Campos e Francisco Resende riscaram um fósforo e acenderam, quase ao mesmo tempo, um cigarro Camel. Baforaram juntos círculos e colunas de fumaça enquanto caminhavam. Distraídos pelos desenhos que formavam, pareciam querer esquecer o porquê de estarem embarcando naquele navio.
Quando se ajeitou na prateleira de cima do beliche dentro do navio, fazendo da mochila um travesseiro, Vicente suava em bicas. O navio lhe parecia um forno. Sentiu saudades do vento fresco de Resende Costa e resmungou qualquer coisa para os colegas Paulo Henrique e Wadih que, no meio de tanto burburinho, nada entenderam. E entenderam menos ainda quando desembarcaram na Itália, sob um frio paralisante, que eles jamais haviam sentido.
Logo depois de seus batismos de fogo em Monte Castello, o Cabo Jair convocou seus comandados para a missa que Frei Orlando já havia anunciado, tocando o sino pelo acampamento e que começaria em poucos minutos. Délio fez um em nome do pai e do filho e do espírito santo amém e levantou-se. Antonio Argamim ajeitou o fuzil no ombro e enfiou a mão no bornal procurando alcançar pelo tato a foto de sua amada. Elci terminou de calçar as meias de lã e o capuz. Sebastião e Gilberto seguiram logo atrás do Cabo. E sob uma tempestade de neve, batendo seus queixos de frio, rezaram naquele dia mais que todos os outros dias do resto de suas vidas.
A batalha de Montese estava no seu auge. José Mendonça ajeitou-se como pôde no fox hole que ele e João Baptista haviam escavado nos dias que antecederam àquele grande dia de batalha. De vez em quando se levantava no buraco e atirava na direção dos inimigos. Rapidamente, quando isso era possível, lambuzava o dedo na lata de ração de carne com ovos e levava à boca para saciar a fome. Depois bebia um gole d’água de seu cantil. Os tiros zuniam sobre sua cabeça. Explosões ensurdecedoras aconteciam de tempos em tempos. Granadas detonadas espalhavam estilhaços por todos os lados. E assim se seguiram horas até que certa quietude tomou conta de tudo. José Mendonça animou-se a levantar do buraco e viu que a tropa tinha alcançado a linha inimiga, vencendo definitivamente aquela batalha. Ao sair do buraco, meio zonzo ainda, passou ao lado de três corpos ensanguentados e inanimados no chão. Mais tarde soube que estavam mortos e que um deles era o de Baêta, um seu conhecido, lá de Entre Rios de Minas. José Mendonça por quanto tempo viveu jamais esqueceu duas datas: o dia em que se alistou no exército como voluntário para a guerra e desse 15 de abril de 1945.
Em 2 de maio de 1945, O General Mascarenhas de Morais, comandante da FEB, comunicou ao Presidente Getúlio sobre as vitórias nos combates de Montese-Zocca-Marano di Panaro- Collecchio e Fornovo. Três dias depois enviou o seguinte telegrama ao Presidente Getúlio Vargas: “Com encerramento dia dois corrente campanha do teatro operações da Itália vg com fulminante e integral vitoria armas aliadas vg em cujo âmbito forças brasileiras tiveram desempenho à altura da confiança que lhes foi outorgada pela nação sinto-me orgulhoso tê-las comandado em tão transcendentes circunstâncias pt...”.
A igreja de Nossa Senhora da Penha de França estava repleta naquele domingo de julho de 1945. Padre Nelson anunciara uma missa em homenagem aos “pracinhas” que lutaram na II Grande Guerra e em sufrágio das almas daqueles que tombaram na luta pela liberdade e democracia. Em cortejo e sob aplausos efusivos da população que lotava o largo em frente da igreja, os pracinhas de Resende Costa alcançaram o adro da igreja. Antônio Guedes, antes de adentrar na igreja, ainda esfregou sua Medalha de Guerra na lapela do paletó, aumentando-lhe o brilho. E sob um silêncio respeitoso, chegaram ao lugar de honra que lhes fora reservado perto do altar.
Depois daquela missa, depois que batizaram a rua que levava ao campo de futebol e o próprio estádio com o nome de “Expedicionários”, muito pouco se ouviu sobre os “pracinhas”...
Ficção baseada em fatos reais. Os nomes são os dos
expedicionários de Resende Costa, segundo artigo de
Ana Paula de Mendonça Resende (JL, 9ª edição).